Essa magia

“Eu soltei um martelo agalopado

e rimei como pude nesse mote.”

(Um martelo aloprado - Paulo Camelo)

Eu fiz glosa, fiz trova, fiz soneto

e até mesmo uma prosa eu já tentei.

No poema com força me firmei

e fiz fé no quarteto e no terceto.

A fazer verso branco eu não me meto

e até temo escrever, que alguém me note.

Uma rima perfeita é mais que um dote,

é som puro, é macio, aveludado.

Eu soltei um martelo agalopado

e rimei como pude nesse mote.

Aqueci meu martelo e me empolguei,

fiz cantiga de roda, fiz baião,

fiz bolero, cantei samba-canção

e da música forte fiz a lei.

Se no coco de roda me encontrei,

misturei seu refrão num bom xaxado.

Eu soltei um martelo agalopado

e rimei como pude nesse mote.

O baião se empolgou, virou um xote,

e a viola tocou num sincopado.

Outro dia, um batuque bem tocado

atiçou meus ouvidos e eu ouvi,

meio a tudo, o ruflar de um colibri

revoando uma flor e, em tal estado,

eu soltei um martelo agalopado

e rimei como pude nesse mote.

Outro som escutei, como um serrote

em vaivém se infiltrando na madeira.

Era um som bem marcado e, de primeira,

o batuque eu parei, pois den’dum pote

um besouro, fechando seu capote,

acordou o mosquito em seu enfado.

Eu soltei um martelo agalopado

e rimei como pude nesse mote.

Outro som escutei: um fox-trote

em orquestra de corda, um violino

em suave planger, e eu, qual menino,

atirei-me ao sabor da poesia.

Uma luz me informou: já era dia,

e acordado inda estava, sol a pino.

Eu soltei um martelo agalopado

e rimei como pude nesse mote

atirado ao relento. Que eu não bote

u’a palavra qualquer, pois não me agrado

em forçar um poema bem marcado

e estragar o sabor da poesia,

empanar, como um balde de água fria,

o martelo, o galope, a glosa, a trova,

o soneto, a sextina. Eu ponho à prova

essa rima, esse som, essa magia.