Ao fim do dia
“Uma vaca faminta olhava o chão,
procurando uma folha pra comer.”
(mote de Pedro Ernesto Filho)
Pastorando no campo, certo dia,
eu notei um calor descomunal,
como fosse cair um temporal,
e passei a sentir uma agonia,
uma dor de cabeça, e eu não sabia
o que mais poderia acontecer.
Quis guardar logo o gado e me esconder,
mas, ao ver, quase choro de emoção:
uma vaca faminta olhava o chão
procurando uma folha pra comer.
Quis clamar para o céu por não saber
como dar alimento àquela vaca,
encostada que estava numa estaca,
esperando o pior acontecer.
Procurei lhe dar água pra beber,
mas a vaca não quis. Sem mais ação,
uma vaca olhava para o chão
procurando uma folha pra comer
num terreno rachado. O que fazer,
se não tenho mais nada de ração?
Não tem palha, nem palma, não tem grão,
não tem nada que eu possa amenizar
a miséria da seca. Eu quis plantar,
mas o vento queimou a plantação.
Uma vaca faminta olhava o chão
procurando uma folha pra comer,
mas a grama queimou. Sobreviver
no sertão sem a chuva é ruim demais,
a chegar tirar toda a nossa paz,
e sem chuva e sem paz não há prazer.
Sem qualquer esperança em ver chover
no terreno escaldante do sertão,
uma vaca faminta olhava o chão
procurando uma folha pra comer,
porque água não tinha pra beber
e uma nuvem no céu jamais se via.
O calor aumentava essa agonia
e a coitada da vaca, angustiada,
arrancava do chão mais quase nada,
esperando o sol pôr-se ao fim do dia.
Uma vaca faminta olhava o chão
procurando uma folha pra comer,
e um bezerro tentava, sem saber
que seu leite secou. Nessa aflição,
vendo filho sem leite e sem ração
e o sol quente queimando o que existia,
ela, exausta e faminta, ao fim do dia,
entregou-se ao destino e foi ao chão.
Não havia mais folha nem mais grão,
só a morte a findar essa agonia.
22/03/2025
(Dia mundial da água)