Se eu pudesse não via um peregrino

É tão triste ver cama numa rua,

De jornais, de estopa ou papelão,

E sobre ela deitado, um cidadão

Tendo como lençol a luz da lua.

Tá à mostra a verdade nua e crua

De um país onde os homens do poder

Sabem tudo, mas fingem não saber,

Pois não querem mudar esse destino...

"Se eu pudesse não via um peregrino

Esmolando na rua pra comer".

Vemos tantas famílias esquecidas,

Ao relento, morando nas calçadas.

Sem comida, sem lar, desamparadas

Com sintomas de noites mal dormidas.

A angústia que ronda as suas vidas

Faz a gente que passa padecer,

Mas tem gente que olha e não quer ver,

Não tem pena, sequer, d'um pequenino...

"Se eu pudesse não via um peregrino

Esmolando na rua pra comer".

Quem carrega na mente a fantasia

De achar que é um ser superior

Nunca pensa no pobre sofredor

Que nas ruas esmola dia a dia.

Nas conversas pratica a hipocrisia,

Mas na prática em nada quer ceder,

Não divide o que tem sem merecer

E acredita obter perdão divino...

"Se eu pudesse não via um peregrino

Esmolando na rua pra comer".

Glosas: Ismael Gaião

Mote: Andrade Pessoa