RIMAS ESPERTAS & MAIS

RIMAS ESPERTAS:

I -- LEÕES TONANTES

O bem do bem-te-vi é ser estrídulo,

como é crédulo quem pensa em seu aviso.

Quando reviso as histórias que me contam,

remontam nelas superstições também.

Que o bem-te-vi não soa para ti,

mas para si, marcando território.

Emunctório não usa em seus limites,

são seus bits e bytes que eu ouvi.

Não quer dizer que me assistiu ao crime,

ainda que assassine os próprios filhos,

nos trilhos andarilhos de meus versos.

Pois nem sequer percebe minha presença:

é vã a crença de que pássaros nos louvem,

apenas ouvem o que a vida lhes requer.

II – SONETO ESPANHOL

(Soneto em rimas falsas)

Eu quero recordar o amor perfei-

que me deste em momentos de descan-.

O ardor de meu peito fez-se man-

nesses instantes de total delei-.

O amor de outras mulheres eu rejei-

só de pensar em nosso amor mais san-.

Recusei outras horas deliran-

que passasse em qualquer estranho lei-.

E mesmo que este amor tenha passa-

eu não lastimo quaisquer outros amo-

que não tenha usufruído em consequên-

porque meu corpo e alma domina-

foram por ti em todos seus ardo-

por esse amor de ópio assim presen-.

III – SONETO EM RIMAS ALTERNADAS

Largo é o caminho que conduz à perdição,

amargo mais ainda é o seu retorno;

quem busca se furtar a tal castigo

tem vasto fardo a carregar consigo;

bela é a esperança dessa condição,

gela o fulgor de seu remorso morno;

santo o limiar que gera o novo abrigo,

canto esse dia em que estarei contigo;

vasta a demora nos campos do inconsciente,

casta a luxúria dos desencarnados,

triste a incerteza de qualquer futuro,

em riste a lança que propele a gente,

senda difícil a dos desencantados,

venda nos olhos para um fado obscuro.

IV – SONETO EM SINAFIA

E, todavia, a ninguém posso conde-

nar por sua falta de constân-

cia, na senda demarcada desde a infân-

cia, que a vida raramente irá reve-

lar, em sua busca de um pode-

rio, sem qualquer sombra de esperan-

ça, mas apenas o ideal que não se alcan-

ça, nos desvarios com que o mundo não cre-

dita o devido valor a quem mere-

ce, mais do que os outros, por originalida-

de, o mais alto lugar na socieda-

de e, no entretanto, é apenas despre-

zado, por mostrar misericór-

dia por quem talento possua bem menor.

V – SONETO EM ECOLALIA

Escuto o eco neste beco seco,

reverberando passos com abraços,

poucos abraços para tantos passos:

sinistro é o seco beco deste eco.

No carnaval, fatal é o reco-reco,

enquanto laços prendem os teus traços,

traços perdidos de teus olhos baços,

no vademeco da folia eu peco.

Nessa ilusão do coração em eco,

sangue vermelho no espelho do baraço,

no reverbero da saudade em jade.

Todo sonhar resseco neste beco,

no relho esguelho e mesmo velho eu caço

a idade jade pela eternidade.

VI – SONETO NEFELIBÁTICO

Grisáceo oleandro que, da vida impróduma,

glote feliz, em mariscal colime...

Natália rubra, carrascal sublime,

fatal segredo a apardulir incóluma.

Torpe descálida, surprenil fantáluma,

tom singeril em jolardim cravime,

margóis zortales, chaparral fertime,

com tal garrupa que saltara nárguma!...

Fedascitoso alvar que me soturva,

gargalo sucessivo de embolia,

fogosa essa razão de cordilheira,

que pela espalda inteira me golurva,

enquanto os baldaquins da trilogia

carlossinavam valardir porteira!...

(O movimento nefelibático surgiu na França entre o final do século XIX e o início do século XX. A ideologia era que, se um bom poema se presta a muitas interpretações individuais, o melhor é não dizer nada, dizendo tudo, para que todas as interpretações sejam possíveis. Aqui o que interessa é o som e não o significado, por isso seus adeptos diziam que uma Nefélia (nuvem) deveria ser declamada e não impressa.)

VII – SONETO EM METALEPSIA

O teu esforço ao longo dessa estrada,

a luta multifária pelo odor

de santidade, na ética incolor,

mortalha não evita e leva a nada.

Madrépora gentil, condão de fada,

na contração dos músculos o suor,

a mente perfurada em jovem dor,

são dezenas de degraus nessa tua escada.

É o veleiro genitor que te aproxima

do novo século em senda peregrina,

sempre alargando o sulco de teus pés,

na escala multicor que assim se rima,

tear das Parcas decantando a sina

nesse fuso do que foste e agora és...

(A metalepsia se caracteriza pelas metáforas extremadas e constantes, prestando-se a um leque de interpretações quase nefelibático.)

VIII -- SONETO EM CACÓFATOS

Quem sabe estava a declarar sem jeito,

no vulgar dos "meus encantos por ti são";

por ela tido no mais veraz respeito,

por ela tinha a mais fiel paixão...

A pena dos que amam sem defeito

é a lua do céu tomar na mão:

tal cobiça por ti gela no meu peito,

a alma minha se escapou do coração...

Mas não posso conceber rota melhor:

se estampa nela o meu ideal mais puro:

a caça rola em vão e não me iludo.

Nessa coleta de um ideal maior,

vou desejar no ano que entra, tudo

de bom bastante para seu futuro!...

IX -- SONETO EM OXÍMOROS

Nesse frio quente que me envolve a alma,

eu me lavo, no cascalho do delírio:

o doce oceano beijo em meu martírio,

no verdor do deserto encontro a calma.

No orgulho da derrota, levo a palma,

no suave espinho de ressequido lírio;

eu me encaminho à luz de escuro círio

e meu concreto sonho a mente embalma.

E vivo nessa morte sem espera,

na demora imediata da inocência,

meu rosto ônix rosa e multicor.

No banho da fogueira, em dura cera,

no tranquilo ulular desta impaciência

por desalento entusiástico de amor.

X – SONETO EM METAFONIA

Um tempo houve em que querer eu quis

escrever "quiz" com <z>, por diletância;

ao invés de ter, eu tive por constância

de à regra me reglar: fazer não fiz.

Do fácil ao difícil, por um tris,

que nunca soube saber nem à distância;

trazer eu trouxe, em justa manigância,

o amargor da amargura em claro giz.

Assim se fez candor uma candura

e apenas em ditado é que se diz

que se eu sigo em seguimento do inimigo

melhor é que tê-lo ao longe, na lonjura;

e é nesse desfazer que não desfiz

que se conserva a amizade pelo amigo.

(Transposição ou substituição das vogais tônicas.)

XI – SONETO RACISTA (em versos brancos...)

Eu lembro o teu sorriso: aquela nesga

que surge entre nuvens cor de chumbo.

Dentes de sabre perfuram o meu peito

e mal respiro, no estertor de pua.

Eu lembro de teus olhos, contas verdes,

num alabastro perdido em supercílios.

Entre os pômulos da face bem maduros,

arfam narinas feitas de incerteza.

Teus cabelos uma teia de correntes:

dos brincos pendem lóbulos ferinos

e o pescoço corre ao vento, sem colares,

sob teus lábios famintos de amargura...

E é desse modo que recordo tuas feições,

como rosas de vidro esmigalhadas.

XII – POEMA ESPECULAR ou POEMA EM ÁRABE

EBARÁ ME AMEOP

:osrev etsed otnussa o oneuqep áreS

.otsixe euq ed eterbmel mu sanepa

,osrevnoc rodnelpse mu a anitsed es oãN

.otsiver euq saicnêdnet sà etnemos sam

semrofnocsed sotnemasnep sotnat oãS

.ohiltrap men euq ,lepap oa sodacilpa

semrofnoc siam otium ,sortuo otnauqnE

.ohlirt reuqes ,osnep omoc arienam à

:aigoloedi a é atse e osrev o é etsE

.aitnes euq o é ,ogid oãn osnep euq o

,leporuo o e odidrós o rigider A

.lepap on odnerrocse ,atierid oãm ahnim

XIII – SONETO INVERTIDO (ESPECTROS DIGITAIS X)

Alguns espectros são mais eletrizantes:

tomam conta dos teclados, triunfantes

e digitam tão somente o que eles querem.

Interferem em todos os programas,

sem interesse por alheias famas

e nos impõem somente o que nos derem.

Quais guerreiros de guêimes, avatares

desafiando, em combates singulares,

todos os monstros da antiga analogia,

nesses fáceis momentos de histeria...

Que até nos podem saltar dos monitores,

das mentes a tornarem-se os senhores,

até que os mortos perdidos no jamais

possam o mundo ocupar uma vez mais.

XIV – SONETO FURADO

Este será um soneto diferente:

o cartão é atravessado por um furo...

Escrever sobre ele será duro

para minha redação sempre frequente.

Versos inteiros de luz circunjacente

esbarram neste muro:

não sei se nem escuro,

apenas vejo ser frágil e impotente

para enxergar no buraco o que queria

e deixo a ti, leitora, imaginar

quais as palavras que ali cabem melhor...

Só vou deixar a falha na harmonia,

meu próprio coração a perfurar

para quem o possa encher de amor maior...

XV – SONETO EM 21 (RIMAS COROADAS)

até queria, em licantropia, ter meu prazer;

sentir a nota, pobre janota, no meu viver;

esmago o talo, feito um cavalo, posto a correr;

sou labareda, na minha vereda, sem padecer.

não sinto dor, pena de amor, no meu falar;

sou indiferente, quase doente, no meu cantar;

vida vazia, tudo o que cria, a desmoronar;

autoindulgente, frequentemente, a deblaterar.

se alguém me visse, nessa tolice, se espantaria;

não vivo a cena, somente a pena da aleivosia;

na mente rasa, ergo uma casa de alvenaria.

triste lembrança, memória cansa, sem alforria;

insisto só, movendo a mó, em nostalgia,

que não faz bem ao meu porém, mas é poesia.

num verso vago, como me apago, na indiferença;

seca minha vida, verde ferida, perdi minha crença,

em outro verso, condão disperso, de voz extensa.

e permaneço no véu espesso da saudação;

não busco nada, de asa cortada, na exaltação;

meu peito aberto, ventre deserto, falta emoção;

apenas bate, feito alicate, meu coração...

POEMAS EM METRO INGLÊS:

NORTHUMBERLAND I (Metro Inglês,2007)

Ao buscar hoje um novo ritmo a empreender,

Com um formato diferente a me envolver,

Fácil escolha foi o chamado "metro inglês",

Mesmo que um pouco inadequado ao português.

Este é o ritmo que adoto agora aqui,

Quatro batidas compassadas escrevi:

Mas nossas sílabas não aceitam a extensão;

Curtas palavras quase sempre no inglês são.

Só que, em português, quantas tentei

Maior têm comprimento e constatei:

Longa é a estrofe redigida em português,

Breve e concisa aquela feita em inglês...

Acho, entretanto, que é questão de se firmar

Ritmo qualquer nos dedos e ao guiar,

Qual sonho élfico de outra musa, minha canção

É autorizada em mais exata percussão.

NORTHUMBERLAND II

Em um momento de gentil meditação,

Quando à janela olhava, sem paixão,

Vi uma flor que para mim se abria:

Era uma flor azul, singela, e me sorria.

Foi em tal momento que recordei o outrora,

Quando, gentilmente, sorria nessa hora

Outra, porém vermelha, flor de melodia,

Clara em seu odor, serena em sua magia...

Pude, em tal instante, colher a meiga flor:

Quis, em minha loucura, guardar um tal amor.

Logo desbotou-se minha flor, de nostalgia:

Triste o cadáver da flor que ressequia.

Tive, em tal hora, noção que a flor azul

Nunca colhida por mim devia ser, exul;

Fosse, mui embora, secar-se no jardim,

Murcha não seria em dor feita por mim...

NORTHUMBERLAND III

Como é difícil o ritmo que achei

Nesta nova fase!... Talvez alcançarei

Dentro do coração o metro introjetar,

Fácil de novo tal jorro a me escoar.

Fujo ao costume e o esforço na canção

Mata a costumeira fluência da ilusão;

Poucas palavras para iniciar e igual

Raro é verso de tônica que no fim seja normal...

Mas eu vou insistir, todavia, e tentar,

Mais como um exercício que estro revelar;

Vou às colinas azuis subir menhir,

Cinza dos céus para a mente recobrir.

Sinto nos ossos as mil brumas de lá:

Neve constante que em meu peito está.

Gelo nas veias a Inglaterra me forjou,

Versos de vento que a geada já branqueou.

NORTHUMBERLAND IV

Fui à árvore da poesia, em que colhi

Luz irrequieta, que me lembrou de ti.

Fruta madura é o verso mais feroz,

Ácido e triste, o mais perfeito algoz.

Antes já esperei gozar de seu sabor

Doce em seu sumo, qual ideal de amor.

Era fruto ainda verde e o poema surgiu

Qual simples véu de aroma e assim sumiu.

Mas eu fui buscar nos galhos, outrossim,

Mais poema que sabor trouxesse a mim.

Vã foi a busca, pois qualquer dos sóis

Tinha o gosto vazio de espuma de arrebóis.

Meus versos são agora qual fruto temporão

Tão ácido esse amor que brota ao coração,

Sem que outras almas veja sentir sabor igual

Tão velha a dança antiga do engodo natural.

NORTHUMBERLAND V

Tens para mim sabor de pedra e pó:

Sofro por ti a cada vez que fico só.

Foi transitório brilho, somente exaltação:

Quis o teu corpo, perdi teu coração.

Pois sempre é assim - a carne vista nua

Alma não é. Verruma como pua

Tal percepção. A sombra já se esvai:

Tem-se o corpo somente e a alma sai.

Cai pelos dedos, se escorre pelo chão:

Corre qual sombra, perdida na paixão.

Pouco nos resta da ilusão de um dia:

Corpo sem alma é apenas dor vazia.

Quem não tem alma, com carne satisfaz

Tudo que a carne quer e a ela assim compraz.

Quem como eu, no entanto, a sombra quis,

Só conseguiu arco-íris diluído em chafariz.

NORTHUMBERLAND VI

Almas perdidas em um rolo de cordão,

Almas libertas por varinha de condão.

Voltam as almas para mim nos fios,

Voltam as fadas no fluir dos rios.

Cantam as sombras perdidas pelo chão,

Cantam as fadas ao som do coração.

Morrem sementes ao longo de meus cios,

Morrem as fadas em tais sonhos esguios.

Sofrem meus dedos com ternura audaz,

Sofre minha pena no som que se desfaz.

Almas escorrem negras no papel,

Fadas escorrem brancas no cinzel.

Choram os deuses no degredo do olvidar,

Choram os anjos na sombra do sonhar.

Penso, entretanto, em meus momentos sós

Quanto essas almas se emaranham em seus nós.

NORTHUMBERLAND VII

Bastos cabelos lisos a escorrer,

Lisos nos ombros, negros a tremer,

Unjo de sangue o ventre que me dá,

Unge de aroma o sonho feito já.

Li seu destino nas folhas de meu chá:

Sempre com o meu entrelaçado está.

Vasta essa vida ao longo do temor,

Vasto o temor em tempo de calor...

Rico é o silêncio na descrição do amor,

Pobre a palavra em tanto mais ardor.

Cobre meu corpo altissonante luz,

Cobre seu corpo a saudação da cruz.

Mas efervesce à cor dessa elegia:

Notas de prata esparzindo melodia,

Negros cabelos os ombros a esconder,

Brancos desejos de pálido prazer.

NORTHUMBERLAND VIII

Tens a impressão de que este mundo é teu,

tens sensação de que algo sucedeu,

algo que o sonho transmutou em real:

tal ouro feito palha ou luz cheirando mal.

Não te enganaste, o mundo ainda tens;

Sim, mas não tens controle desses bens.

Ainda existe em ti remorso ou negação,

Algo deseja em ti tua própria punição.

Esse pois, é o motivo porque o mundo não é

Dúctil em tuas mãos e te magoa até.

Há mil desejos na alma, além do conhecer:

Buscas o mal para ti, sem nem sequer saber.

Toma nas mãos então os desejos que não vês:

São bem profundos, governam o quanto crês.

Controla cada um, domina o teu querer:

Mesmo o destino é sonho e deve obedecer...

NORTHUMBERLAND IX

Cedo o dia morre, lentamente, e o pó

Traga suas sombras, atadas por um nó,

Trágico em zelo, firme em sua paixão,

Tigre na sombra leste, um tigre de ilusão.

Trigo ensilado e moído, em pó de giz,

Trigo de cálcio e gesso, almofariz,

Onde almas hirsutas lentamente moem,

Quais emoções que mansamente doem.

Tempo de olvido dos sonhos e seu voo,

Hora de abismo em que ilusões eu coo,

Quando a tarde se escoa e o tempo rói,

Quando a pena se expande e o coração se mói.

Seja este maneirismo um verso racional,

Morre a luz igualmente, no dia natural,

Fica dentro de mim o som desta canção,

Sombra de poeira morta na palma de minha mão.

NORTHUMBERLAND X

Gado, afinal, somos nós, pura ilusão:

Gula dos deuses, enfim, sem compaixão.

Pútrido é o sonho destes vermes nus:

Pálidos cérebros fabricando pus.

Trágico aroma que me aplica o pó:

Sal como a estátua da mulher de Ló.

Casta, afinal, até o fim dos dias:

Torpe esse aroma de carne em maresias.

Deles é a escolha e a refeição será

Velhos, crianças... A quem atingirá

Essa indiscreta chamada para o além?

Mesmo o meu nome listará também.

Nada a dizer. Não é minha a parusia:

Sei somente que um dia meu corpo jazeria.

Sobre a mesa bendita descansaria assim,

Junto aos demais, fatiado, dos deuses no festim.

NORTHUMBERLAND XI

Flor da flor que enflora a flor,

Amor que ama pelo amor do amor,

Frágil final será o frágil, afinal,

Fixo no espaço da cólera real.

Vejo em tal sina contrita afirmação,

Amo o amor sem que amor seja paixão,

Cheiro a flor dessa flor sem desejar

Minha seja tal flor em dom sem par.

Troço de mim assim, preso em zombar

Fútil querer que nada quer ganhar,

Busco somente a flor da inspiração:

Amar o amor tão simples da ilusão...

Tenho no peito a cólera de escol,

Sonho ser luz no parto do arrebol,

Menos poeta sendo e mais conquistador,

Rubro no sangue rubro dessa flor.

NORTHUMBERLAND XII

Trago em meus dedos o sumo do cipó,

Grude de seiva que não permite só

Ter de um momento a liberdade assim:

Rende-se o canto e sou atuado, enfim.

Vozes estranhas de minha boca soam,

Antes meus dedos cantam que revoam.

Busco em revolta a este metro governar

Logo dominam e voltam a falar...

Sou o magnético apelo do irreal,

Sou o digital profeta do virtual:

Nesses hipertextos insiro meus papões

Vida nova lhes dou no mundo de ilusões.

Fios desta teia alimentam cascarões,

Caçam incautos que buscam emoções.

Sou carrasco de mim,que aranhas eu estou

Pondo sempre na teia em que inseto eu sou.

NORTHUMBERLAND XIII

Tenho nos lábios a prece dos faróis,

Trago na boca o odor dos girassóis,

Vivo em tremura de um vasto trampolim,

Nesse imperfeito retorno de alevim.

Custo a colher a espiga do trigal,

Busco fazer o bem, mas faço o mal,

Calo o meu sonho e sonho que calei,

Falo a tristeza mais triste que falei.

Choco essa bênção na bênção do chorar,

Vendo minha alma, sem alma para dar,

Jogo minha vida no jogo do viver,

Largo meu sangue ás seringas do poder.

Faço o que posso e posso só o que fiz,

Quero o que tenho e tenho o que não quis,

Pouso afinal no cacto da ilusão,

Toco em meu peito e não encontro coração.

NORTHUMBERLAND XIV

Qual assecla do mal eu vivo aqui,

Alma de fonte a procurar por ti,

Quando escorreste entre meus dedos,fui

Vidro em estilhas que da ampulheta flui.

Breve deixei a experiência para trás,

Sombra de pólen serei que o vento traz,

Pólen sem sombra que a vida deslocou,

Ser deslocado na sombra que restou.

Sangro nos dedos e a tinta se refaz,

Verde da alma nos tempos de rapaz,

Branco meu sangue esparzido no trigal,

Negro meu sangue em maldição final...

Árduos os termos externados neste nó,

Jogos apenas de palavras, que enfim,só

Brinco alinhando em versos dezesseis

Cetros rompidos de esquecidos reis.

NORTHUMBERLAND XV

Quero completa a série destes crus

Sonhos vazios em esqueletos nus;

Não que me aflija a vida no que faz,

Nem pelo fim: tampouco em horas más.

Basta este impulso, esta febre em sua cor,

Nuance refletida em película incolor,

Casca de vento, um mar que se faz pó,

Troncos de vida em luta contra o enxó.

Pedras combatem a um furacão sutil,

Secas as águas em vastidão senil,

Águas de pedra em apagada luz,

Cegos violentos contemplam corpos nus.

Foi-se, afinal, a chance de perder

Foice cortou a chance do viver:

Túrgido o seio de onde brota em vão

Cáustico sonho de um mudo coração.

NORTHUMBERLAND XVI

Vibra que vibra, a treva se faz luz:

Somos um só, tu e eu, estamos nus

Diante dos deuses, que insolentes riem,

Trazem novelos nas mãos,em que desfiem

Vidas inúteis que só pensam ter valor:

Somos um só, tu e eu, pensando amor;

Temos falsas escolhas, sem opção sequer,

Mostram passagens apenas para ver

Qual nossa escolha em direção ao pantanal:

Sendas que vão e que voltam, afinal,

Sempre a destino certo, vivemos na ilusão,

Só linha e anzol na boca é o que nos dão.

"Moscas nas mãos de meninos malvados",

Qual referiam os romanos em ditados,

Tudo pensado, num esporte sem paixão:

Um breve instante para os deuses distração.

NORTHUMBERLAND XVII

Grades de argila atolam os meus pés.

Grelhas de barro, estigmas de fés,

Dogmas rasos de esperanças vãs,

Chuvas de poeira em mil balangandãs.

Ventos imóveis de oxímoro sofrer,

Quando impregnava sinafia o meu querer;

Quero das lavas de ontem seu calor,

Raios desfeitos em gelo multicor.

Quase o esforço se esgota e fico só:

Pois ato derradeiro e duradouro nó:

Lúdica tortura engana o meu sonhar,

Sólida a graça de um dia terminar.

Quântico o ar e entrópico meu caos,

Tristes os dias, os belos dias maus,

Fátuo o meu fogo, escolho desse mar,

Plácido de espuma no escuro meu cantar.

NORTHUMBERLAND XVIII

Toco em meu peito e caem borbotões,

Brancos os pelos, brancas ilusões;

Caem-me as penas, já uma vez falei,

Qual almocreve, minhas asas rejuntei.

Fiz escambos e trocas, barganhei

Penas por penas, consolos amputei;

Pelos pelos dei pelos, é fraca sua raiz

Pelas dores dei dores e mágoas que não quis.

Quis embora trocar talvezes por poréns,

Dei certo por incerto, em busca de tambéns;

Tive chance afinal de conservar o apenas,

Quando os olhos abri,alçando-me as antenas.

Caem meus pelos como caem ilusões,

Caem da alma células, paixões,

Custam-me penas os pelos por si sós,

Custam-me pelos as penas de meus dós.

NORTHUMBERLAND XIX

Traz-me agora o teu beijo num botão:

Fende os lábios e me solta o coração

Sujo de ódio e medo, solta a luz,

Livre da sombra, que clara me conduz.

Traz-me agora o teu sonho na tua mão:

Abre-me os dedos e a chave da ilusão

Dá-me no instante em que começo a ver

Quanto és preciosa, porém não posso ter.

Quero tua alma, mas não me dás sequer

Sombra de carne ou um ideal qualquer.

Curto é o desejo em preito seminal,

Longa a saudade em hino contratual.

Vida que é vida é vida junto a ti:

Morte que é morte é morte neste aqui.

Ama o que eu amo, em prova derradeira,

Vê o quanto vales e dá-me a vida inteira!

NORTHUMBERLAND XX

Brava a bonança feita de amplidão:

Custa tão caro trocar meu coração!

Quero porém por tua alma barganhar:

Alma por alma em dupla alma alcançar!

Quando a alma se dá, a alma que se tem,

Vácuo se forma ao peito,se não ganhar também;

Quando alma se ganha,a alma que se dá

Retorna mais ditosa em funcho e manacá...

Entre as escolhas do mundo,eu já a minha fiz:

Troco frutos de sangue pelo amor que quis;

É cesto de incertezas, em dádiva total,

Graças completas dou por beijo terminal.

Nácar e anêmona, o cheiro vem de ti

Cássia e cardamomo o meu amor aqui:

Sombra inconsútil, tentáculos de sol,

Morro afinal em ti,que o beijo teu é anzol!

William Lagos
Enviado por William Lagos em 23/05/2011
Código do texto: T2987123
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