Conversa enluarada
“Nesse momento me calo
e a deixo falar por mim.”
(Thiago Amaral, “Voz da lua”)
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Meia-noite, à beira-mar,
em plena lua minguante,
eu ligo o alto-falante
e me desato a cantar.
Mas a platéia não há,
pois, com minha voz chinfrim,
cantando tão ruim assim,
pergunto à lua o que falo.
Nesse momento me calo
e a deixo falar por mim.
A lua diz: vá em frente!
a sua voz não é ruim.
Cantar ao mar é assim:
não há ruído que agüente.
Cantando pra mim somente
eu não sei mais como eu falo.
Nesse momento me calo
e a deixo falar por mim,
numa sonata sem fim,
e no murmúrio me embalo.
E, como que de um estalo,
eu solto a voz novamente.
A lua, toda contente,
acompanha quando eu falo.
Nesse momento me calo
e a deixo falar por mim,
pego logo um tamborim
e acompanho o seu cantar.
Vejo a platéia no mar
num aplauso sem mais fim.
Já madrugada, e, enfim,
eu ouço o cantar do galo.
Nesse momento me calo
e a deixo falar por mim,
mas o galo quer pôr fim
a esse nosso dueto.
Em noite escura um terceto
inicia o seu cantar.
O galo, junto ao luar,
e eu no mar... Que concerto!
Nesse momento me calo
e a deixo falar por mim,
lua que me trouxe, enfim,
pouco de paz. No seu halo
o São Jorge no cavalo
aplaude e sai, disparando.
O raio do sol chegando
e eu no mar, vendo a lua...
A minha alma se insinua
e eu finjo que estou cantando...