As Mulheres e a Filosofia - trechos escolhidos

As Mulheres e a Filosofia

Marcia Tiburi, Magali de Menezes, Edla Eggert

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"Toda beleza é difícil." Esboço de crítica sobre as relações entre metafísica, estética e mulheres na filosofia (Marcia Tiburi)

p. 36: É certo que a teologia judaico-cristã está na base do pensamento medieval e compõe a cena de uma pecaminosidade da carne. [...] O próprio pecado original é reinterpretado como pecado sexual, perdendo a conotação do desafio intelectual, e as mulheres, como representantes da corporeidade (posto que destituídas da "alma" em sentido masculino - a RATIO é VIRILIS, o feminino é ligado ao APPETITUS...), serão concebidas como Eva, a homônimas de toda feiticeira. Nada disso é espantoso se nos damos conta de que, num contexto de superstição, o mundo precisa ser explicado a qualquer custo, e a eleição de um bode expiatório pode resolver todo o mistério do mal manifesto na loucura e em outras doenças [...].

p.41: Giogione pintará a primeira Vênus adormecida em 1505, abrindo caminho para a predominância do papel decorativo, ocioso e passivo da mulher, que "sonha desapossada de si" e é oferecida "ao sonho de posse dos homens". [...] Cinderela, Bela Adormecida, Branca de Neve confirmam o tom ideológico que deve vir a presidir as fantasias que norteiam as relações entre os sexos.

p. 42: Temos, assim, inaugurada a modernidade e o ideal do "belo sexo", ou "a continuação da dominação masculina e da negaçao da mulher por outros meios", pois esse ideal de beleza a tornará mulher-objeto e nada acrescentará em termos de direitos a ela devidos.

p. 42: Não há nada mais feio para Kant do que uma mulher intelectual, que deveria usar barba, pois sua aparência está em desacordo com sua essência, que deve consistir não no racionar, mas no sentir.

p. 43: A mulher na velhice teria perdido todo o seu valor, como objeto (sempre novo e inteiro ou pelo menos bem conservado) para o outro sexo, a partir de cujo olhar ela adquiriria sentido.

p. 44: Encontramos hoje uma apologia do corpo masculinizado, o corpo sem gorduras, [...] o mais próximo dos padrões geométricos da racionalidade ilustrada.

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"O feminino e a representação da figura da mulher na filosofia de Kant" (Bárbara Valle)

p. 72: A persistência de conceitos como o "belo sexo" é paradoxal no sentido em que este século das Luzes combate qualquer opinião que não seja fundamentada na razão. Kant será um dos defensores da teoria do belo sexo, no qual a mulher teria como fim agradar o homem, ser um mero adorno e ajudar na perpetuação da espécie.

p. 74: Assim a mulher pertencerá à natureza e o homem à cultura, segundo a lógica iluminista. Esta relação mulher-natureza vai ser tão estreita, que metaforicamente a natureza pode ser considerada como uma mulher.

p. 86: A Idade Média temia a beleza feminina, pois por meio dela era exercido um poder das mulheres sobre os homens. No Renascimento, [...] ser bela tornou-se uma obrigação, já que a fealdade era associada não só à inferioridade social, mas também ao vício.

(A beleza feminina só existiria na juventude, e a razão, somente na idade madura, então não haveria mulheres belas e inteligentes.) :P

p. 87: Para Naomi Wolf (1992), o mito da beleza é usado contra as mulheres, [...] Quanto mais obstáculos foram vencidos pelas mulheres, mais rígidas, pesadas e cruéis foram as imagens de beleza feminina impostas à mulher.

p. 88: O fato de as mulheres competirem entre si através da "beleza" é o inverso da forma pela qual a seleção natural afeta outros mamíferos. [...] "O mito da beleza na realidade sempre determina o comportamento, não a aparência." A juventude e (até recentemente) a virgindade foram "bonitas" nas mulheres por representar a ignorância sexual e a falta de experiência. O envelhecimento na mulher é "feio" porque as mulheres adquirem poder com o passar do tempo e porque os elos entre as gerações devem ser rompidos. [...] Atualmente (século XXI), a cultura estereotipa as mulheres para que se adeqúem ao mito, nivelando o que é feminino em beleza-sem-inteligência ou inteligência-sem-beleza. É permitido às mulheres uma mente ou um corpo, mas não os dois ao mesmo tempo. Esta é a concepção do século XVIII, que considera que o homem é a causa final da mulher. :P

p. 89: Kant não foi senão o reflexo do seu século XVIII.

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"Notas sobre a mulher na obra de Kierkegaard" (Álvaro Valls)

p. 91: Língua dinamarquesa não tem masculino/feminino, só neutro e comum. :-)

p. 99: Nas OBRAS DO AMOR de 1847, Kierkegaard já dizia, pensando nessa forma, que só pode desesperar quem já está desesperado. A perda só nos faz desesperar porque depositávamos toda a nossa esperança em algo de temporal.

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"Benjamin e o feminino: um nome, o nome (Olgária Matos)

p. 110: O olhar, benjaminiano, feminino, é abrangente, móvel, trazendo consigo uma intensidade própria, que faz dele um "modo de ver". O ponto de vista, cartesiano, masculino, ao contrário, é fixo, imóvel como o da perspectiva geométrico-cartesiana: examina, compara, esquadrinha, mede, separa. (olho obj.<> olhar subj.)

p. 114: Hermógenes discorre sobre a inadequação e arbitrariedade das palavras com respeito à natureza das coisas que designam. (Marcelo, marmelo, martelo!) Se as palavras fossem essências universais, deveriam designar os mesmos seres em todas as línguas com a mesma palavra - o que, por não ocorrer, resulta em que a nomeação é artifiício e convenção.

p. 120: A imaginação produz um "efeito sensível da idéia", "produz mimeticamente em nós o que provocam as imagens, percepções ou a presença da coisa evocada". (Grimaldi, O Ciúme, 1994, p.45)

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"Antígona: hermenêutica do público e do privado" (Cecília Pires)

p. 125: Enterrar o irmão, contrariando o tirano Creonte, e obedecer ao próprio sentimento de fraternidade, dirigida pelas leis do OIKÓS, faz de Antígona uma figura de rara tenacidade e convicção. A consciência individual se sobrepõe à norma do Estado.

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"As mulheres e a filosofia na Idade Média" (Alfredo Culleton)

p. 136: As adjetivações atribuídas à Idade Média pelo senso comum coincidem com as dadas às mulheres, sempre consideradas obscuras no que refere à razão, sempre consideradas irracionais.

p. 138: o intelectual medieval pensa a virtude, o conhecimento e o prazer.

p. 139: A Idade Média era estéril, devendo morrer, portanto, pelo riso dos humanistas, ou pela cólera dos reformadores, antes de nos fazerem morrer de tédio.

p. 141: Três são as imagens de mulher que destacamos na Idade Média: - tentadora, introdutora do pecado no mundo (Eva); rainha do céu, mãe do próprio Deus, redentora (Maria); pecadora resgatada (Madalena).

p. 142: Mas o fato é que na Idade Média se pensa de uma maneira diferente à da lógica ou da razão-cálculo (Descartes), a questão seria muito mais a de um pensamento que podemos chamar de ANALÓGICO. [...] O pensamento analógico é tão racional e idôneo desde o ponto de vista filosófico quanto a razão-cálculo moderna, e tem algumas características particulares, como a de ser multifacetado, reticular e hipertextual. Por isso tornam-se muito importantes a imagem, os símbolos, a intenção. A compreensão de algo não pode ser separada de um todo, o que soa também como fenomenológico e hermenêutico.

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"Os desencontros e paradoxos de logos e sofia: um conflito anthropo-lógico ou gineo-simbólico?" (Castor Ruiz)

p. 146: Por princípio, os filósofos compactuaram com um consenso universal de que o feminino não é um objeto filosófico importante a ser pensado. Na maioria dos casos, assumiram a postura preconceituosa de que o feminino está numa relação de inferioridade natural ao longo da história da filosofia [..] como um axioma lógico. Devemos falar estritamente de saber (lógico) e não de sabedoria (simbólica).

p. 147: Sofia é a grande paixão mal-resolvida dos filó/sofos, ou melhor, filó/logos. Preferiram o Logos e os pré-conceitos, masculinos, viris, à Sofia, rejeitada por ser feminina.

p. 148: O exemplo mais representativo da relação trágica entre o feminino e a filosofia está na história da filósofa Hipátia (370-415d.C), grande matemática e eminente pensadora, era referência intelectual para toda a Alexandria (Egito), que na época era a capital mundial do saber, e foi linchada publicamente por ser filósofa. Essa tragédia representa o cômico do viril e o drama do feminino.

p. 153: Baruc Spinoza: É por uma lei natural, por uma instituição que as mulheres estão sob a dependência dos homens? Porque se não é por uma instituição humana, seguramente nenhuma razão nos obriga a excluir as mulheres do governo. (Mas Spinoza afirma que existe a tal lei natural da superioridade masculina.)

p. 158: John Locke (Segundo Tratado del Governo Civil, 1997) inverte os argumentos naturalistas e religiosos da inferioridade da mulher e certifica que "se nos assessorarmos na razão e na revelação, observaremos que a mãe possui o mesmo título (que o pai)." (Mas Locke se (nos) trai logo depois.)

p. 161: Na história da humanidade aconteceu todo tipo de revoluções sociais, mas nunca a das mulheres. [..] É uma Loucura, não lógica, imaginar a presença igualitária da mulher no conjunto das relações sociais. Os interesses filo-econômicos e filo-políticos do Logos prevalecem sobre as potencialidades criadoras da Sofia.

p. 162: São muitas vozes (filo-sofistas e filo-lógicas) unidas, coerentes, uniformes, gritando a mesma sinfonia argumentativa de que a mulher é inferior ao varão e de que o feminino é um subproduto do masculino.

p. 170: Sócrates (A República): Por conseguinte, se pedimos às mulheres os mesmos serviços que aos homens, é necessário dar-lhes a mesma educação.

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"A consideração da pluralidade humana" (Eugênia Wagner)

p. 177: O labor das mulheres e dos escravos liberou os cidadãos e os filósofos daqueles afazeres. [...] Para Arendt, e este é um dos pontos de sua discordância em relação a Marx, a exploração não pode ser caracterizada como uma exploração especial no capitalismo pelo fato de adquirir a forma de valor ou de mais-valia, como se o trabalho que não gerasse mercadorias não estivesse assentado também na exploração.

p. 178: Durante séculos, as mulheres estiveram confinadas ao sombrio mundo da esfera privada, sem acesso, portanto, ao tempo livre de que desfrutaram os filósofos contemplativos, de modo que se há algum segredo a respeito da ausência das mulheres no rol de filósofos que pertencem à tradição de pensamento ocidental, [...] a desqualificação, em nossos dias, das mulheres filósofas ou das mulheres pensadoras em geral é, na melhor das hipóteses, o resultado de desconhecimento da História.

p. 178: Os preconceitos presentes na tradição de pensamento ocidental podem ser conhecidos a partir do livro "Le Betisier des Philosophes" (Roche, Barrère, 1997), que arrola alguns dos disparates emitidos pelos filósofos tradicionais. Este livro faz referência a diferentes preconceitos expressos pelos filósofos contra as mulheres, os negros, o povo, os franceses, os ingleses, os indianos, entre outros.

p. 178: Vive la petite différence! (Hannah Arendt, Rosa Luxemburgo)

p. 179: A realização singular de cada mulher [...] revela a contribuição das mulheres à pluralidade do mundo.

p. 181: Somente quando as coisas podem ser vistas por muitas pessoas, numa variedade de aspectos, sem mudar de identidade, de sorte que os que estão à sua volta sabem que vêem o mesmo na mais completa diversidade, pode a realidade do mundo manifestar-se de maneira real e fidedigna. O único atributo do mundo que nos permite avaliar sua realidade é o fato de ser comum a todos nós. É por isso que a identidade de uma pessoa só pode ser conhecida quando esta se manifesta pela ação e pela palavra em meio ao testemunho de outras pessoas, em meio à convivência humana.

p. 182: Enquanto lugar da pluralidade humana, que permite aos que nele convivem o abandono do viés do ponto de vista único, o espaço público-político constitui-se como LOCUS privilegiado da negação do preconceito, da discriminação e da intolerância.

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"A linguagem e as mulheres" (Henriette Karam)

"Tolerar a existência do outro e permitir que ele seja diferente ainda é muito pouco. Quando se tolera, apenas se concede, e essa não é uma relação de igualdade, mas de superioridade de um sobre o outro. Deveríamos criar uma relação entre as pessoas, da qual estivessem excluídas a tolerância e a intolerância (José Saramago)

p. 188: Fica evidente que a afirmação da existência de um sentimento de inveja do pênis como constitutivo da mulher busca preservar o sentimento narcísico masculino. Afinal, permite que os homens permaneçam iludidos de que o castrado é o outro.

p. 189: A partir da segunda metade do século XX, não só aumenta significativamente o número de mulheres escritoras, como iremos encontrar o que ficou denominado de "escritura feminista". Sua característica essencial é de oposição à lógica do discurso fálico [...] em que surge uma linguagem que rompe com as estruturas e a sintaxe até então convencionadas e apresenta novas perspectivas de significação. Multiplicidade, pluralidade, diversidade, intersubjetividade.

p. 191: Nesse re-inventar a linguagem, as mulheres se re-inventam como mulheres e re-inventam o significado do feminino na cultura a partir de uma nova construção de discurso, não mais comprometido com o masculino, o que propicia a constituição de um laço social que não pretende a exclusão do outro e que se caracteriza por seu aspecto de congregador das diferenças, estabelecendo outras formas de laço social.

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"Narrativa: uma filosofia a partir da experiência das mulheres?" (Edla Eggert)

p. 193: O movimento feminista questionou a carga opressora física, econômica, emocional, cultural, social.

p. 195: Acredito que não precisamos seguir Maria - aquela que guardou seus pensamentos e todas as suas experiências no coração e em silêncio.

p. 197: A simultaneidade como um reconhecimento de uma habilidade aprendida forçadamente e desenvolvida na história do fazer para que outras pessoas possam pensar.

p. 198: A teóloga Rebecca Chopp afirma que, no processo educativo na prática femininsta, é preciso o exercício da IMAGINAÇÃO, do DIÁLOGO e da JUSTIÇA.

p. 202: Constituir narrativas que rompam com os deslizes da racionalidade patriarcal, eis a questão! Constituir um olhar flutuante que pondere a viabilidade do deslizamento de olhares [...] tudo isso alisado na figura de um texto escrito por mulheres e lido por homens e mulheres atônitos com tanto conhecimento armazenado, empoderado, mas esquecido nos alicerces de uma ciência capenga, um direito cego, uma teologia irrespirável e de uma filosofia caolha.

p. 202: Escrever é confrontar nossos próprios demônios, olhá-los de frente e viver para falar sobre eles. [...] Uma mulher que escreve tem poder. [...] A escrita me salva da complacência que me amedronta. Porque devo manter vivo o espírito de minha revolta e a mim mesma também. Porque o mundo que crio na escrita compensa o que o mundo real não me dá. (Gloria Anzaldua. Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo. Revista Estudos Femininos. 2000.)

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"Espaço público, gênero e políticas feministas" (Jussara Reis Prá)

p. 204: A ação política das mulheres contribuiu de maneira decisiva para reduzir as assimetrias e as desigualdades de gênero.

p. 208: Para alcançar cargos mais altos nas hierarquias de poder, as mulheres brasileiras precisam resistir ao forte traço cultural que ainda não admite, com facilidade, sua presença nessas posições de decisão e comando.

p. 211: Muitas conquistas! :-) união estável, planejamento familiar (esterilização voluntária), cotas, PRONAF mulher...

p. 212: Há tendência observada nos governos de subordinar as políticas sociais ao crescimento econômico.

p. 219: A trajetória das mulheres na esfera pública retrata uma exclusão histórica, ao que se somam circunstâncias que produzem a construção de estereótipos que servem para fixas o papel social destinado às mulheres, o que, de maneira alguma, resulta na aceitação de uma situação subordinada.

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"Qual cidadania desejamos?" (Marie Jane Carvalho)

p. 225: A luta pela eliminação das discriminações de gênero e de raça é um projeto educativo a ser instituído por todos aqueles que se preocupam com a democracia e a cidadania.

p. 226: Para as feministas, que utilizam o marxismo como matriz interpretativa, a educação representa uma interface importante de mobilidade social para as mulheres e, conseqüentemente, de poder nas relações sociais, na medida em ue nos permite ter controle sobre nossa vida e destino.

p. 230: Não há nada na natureza que impeça os pais de compartilharem a criação de seus filhos, embora a organização social e a vida econômica trabalhem contra isso. Isso implica mudanças culturais e estruturais que tornem conciliáveis o público e o privado, que possibilitem aos pais e mães harmonizarem emprego e vida doméstica, permitindo-lhes dividir os custos, compartilhar o cuidado com os filhos e desfrutar das recompensas emocionais.

p. 234: Promover a igualdade, a cooperação, o respeito mútuo e as responsabilidades compartilhadas entre meninas e meninos desde o nível da pré-escola e, em especial, assegurar que os meninos tenham as habilidades necessárias para cuidar de suas próprias necessidades domésticas e compartilhar a responsabilidade pelo trabalho doméstico e pelo cuidado dos dependentes.

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"Identidade e diferença: da mera identificação ao diferencial de gênero" (Ricardo Timm de Souza)

p. 240: O problema do ser humano é antes a identificação de sua mera identidade com todo o sentido de sua subjetividade ou com o sentido da realidade enquanto tal.

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"A ética da não-violência como uma ética feminina" (Suzana Albornoz)

p. 247: Antígona resume uma posição ética, aliás, "A" posição ética, por oposição à política e à codificação jurídica.

p. 249: Tanto o feminismo como a ecologia ou seus parceiros na cena contemporânea são utopias engajadas que não buscam a tomada direta do poder político, mas se põem no papel de sentinelas, salvaguardas de determinados princípios e valores, padrões e formas de comportamentos, modos de agir, ou seja, mais precisamente, normas éticas. [...] A essência da ética da não-violência pode ser vista como o modo feminino de ser.

p. 250: Mostra-se o caminho da afirmação do modo feminino de ser e de cuidar do ser.

p. 253: As relações interpessoais que afetam as relações familiares e entre homens e mulheres, a não-interferência violenta se torna o conteúdo da atitude antiautoritária que acompanha o feminismo, a ecologia, o respeito aos Direitos Humanos, o pacifismo.

p. 254: A atitude ética da não-violência, histórica e essencialmente, é oposta à "lógica" do Estado, que desemboca na (lógica) da guerra, feita da substância ética marcada pela virilidade.

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"O corpo e o cosmo" (Wanda Deifelt)

p. 255: Existe, na realidade contemporânea, uma fragmentação entre mente e corpo, razão e sentimento, cultura e natureza, que se originou na antigüidade e se manteve inquestionável até recentemente. Esses postulados dualistas, que estabelecem uma dicotomia entre corpo e razão/espírito (como formulada por Hegel e Kant), acentuaram a primazia do intelecto sobre o corpo, do mundo das idéias sobre o mundo material.

p. 258: A partir da teoria feminista, a corporeidade supera as dicotomias entre corpo e alma, razão e paixão, porque percebe o ser humano integralmente.

p. 259: A Filosofia clássica e a Teologia patrística corroboraram para a disseminação de um dualismo hierárquico. O corpo - e tudo a ele relacionado - foi relegado ao universo privado, ao passo que a cultura e a mente foram associadas ao universo público. A teoria feminista mostrou que os dualismos existentes foram especialmente perniciosos às mulheres. A mulher foi identificada com o corpo. Os corpos das mulheres foram objetificados e suas experiências negligenciadas. O homem, por sua vez, foi identificado com a cultura. A sua proximidade com a cultura e o universo público foi instrumental para assegurar o seu domínio e poder. Nesta lógica, ao divinizar a alma e demonizar o corpo, a mulher foi identificada com pecado, luxúria, fraqueza, em suma, tudo que deveria ser repudiado.

p. 260: Dentro da teoria feminista, já na década de 1960 se apontava que as mulheres tendem a gravitar em torno de outros seres humanos para encontrar seu próprio valor. Negar a si e afirmar os outros, no entanto, leva a uma existência fragmentada.

p. 260: Simone de Beauvoir (frase célebre): Não nascemos, mas somos feitas mulheres. Gênero é uma construção social.

p. 264: A prática de Jesus, de dialogar, ensinar, curar e andar em companhia de mulheres, valorizando-as, representa ainda hoje um questionamento ao modelo eclesiástico que se estabeleceu no período pós-Constantino (após 313, com o Édito de Milão). [...] O corpo passou a ser visto, na teologia cristã, como sinônimo de pecado, queda, afastamento de Deus. Esqueceu-se, paulatinamente, a tradição semítica, em que o corpo é boa criação de Deus, morada do Espírito. Esqueceu-se também o cerne da Cristologia, onde o Verbo se fez carne para habitar entre nós. Nesse princípio, a encarnação passou a ser uma casualidade, e não uma afirmação central de fé, como deveria ser.

p. 265: A sociedade consumista cultura o corpo, mas como objeto. Neste modelo, o corpo é valorizado, mas é igualmente dissociado da dimensão afetiva e subjetiva.

p. 266: As mulheres dependem da aprovação de seu corpo para sua autovalorização. [..] O "corpo expropriado" mostra que muitas mulheres continuam a ver seus corpos como uma propriedade que não é sua, mas de algum homem que as domina.

p. 267: O que a Filosofia pode fazer é mostrar que o corpo é um cosmo, um universo que ainda precisa ser melhor interpretado. [...] O desfio da filosofia contemporânea é a inclusão do corpo e de sua rede de relações dentro do pensamento, visando à totalidade da existência. [...] A filosofia não é a razão pura refletindo sobre si mesma. O processo cognitivo se dá pela razão em sintonia com o corpo. [...] O que se propõe é uma desconstrução da teoria que reduz a mulher ao corpo, impedindo-a de desenvolver também sua capacidade racional. [..] A leitura feita pela teoria feminista, a partir dos corpos das mulheres, é feita também a partir da experiência de escravidão, abuso e pobreza presentes nas experiências de outros grupos sociais.

p. 270: "A Igreja diz: o corpo é uma culpa. A ciência diz: o corpo é uma máquina. A publicidade diz: o corpo é um negócio. O corpo diz: eu sou uma festa."

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"Feminismo no plural" (Télia Negrão)

p. 278: No mundo de hoje, as próprias mulheres conquistaram o patamar de que "não há tópicos que sejam exclusivos das mulheres, nem há temas sobre os quais estejam proibidas de opinar, pois tudo nos diz respeito." [..] "Ver o mundo através dos olhos das mulheres." (Beijing, 1995)

19.02.2008

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(Confira também as opiniões de Sofia na resenha de:

GAARDER, Jostein. "O mundo de Sofia: romance da história da filosofia". 35. reimpr. São Paulo: Cia. das Letras, 1999.)