DIÁRIO DA QUARENTENA - PARTE 18
Em época de coisas terrivelmente feias, é preciso falar sobre a beleza, sobre o que ela sopra em nós. A beleza não é algo em si. Está mais nas coisas, nos gestos, nos sentimentos, nas histórias, nos olhares. A beleza, às vezes, dura um segundo. Como disse um poeta africano, o segundo antes do primeiro beijo é maior que o beijo em si. Vejo uma beleza infinita no pássaro que voa, na tristeza do pássaro de gaiola. Vejo uma beleza infinita nas cores que duram minutos dentro de um pôr do sol. Vejo uma beleza infinita numa canção que não consigo parar de ouvir. Numa obra de arte. Nos olhos cansados de uma mulher muito velha. Na descoberta de algo simples feito por uma criança. Num parto. Numa partida. Num gol no último minuto. Num orgasmo sem culpa. Na nudez de um corpo. Num desejo secreto e inconfessável. Nas vozes de Deus, inclusive quando cala. Eis, para mim, a beleza, nas faces que posso tocar.