De tudo e nada um pouco

Não devemos nos envergonhar da escravidão, de nossa humanidade, assim nunca poderemos superá-la...

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Nós modernos não somos melhores do que a antiga humanidade, a vergonha que sentimos desse fato é nossa refutação.

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O sentimento de que nós estamos melhor informados em matéria de bem e mal do que nossos ancestrais é um preconceito.

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Só por que hoje vemos de determinada perspectiva significa que sempre foi assim?

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A ideia do homem concebido livre é um entrave para a compreensão da história. Esse sujeito livre é uma invenção moderna, não um fato eterno. Agora nos envergonhamos de nossa história pois imaginamos o homem antigo como se fosse nós. Falta de sentido histórico.

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Julgamos a história da perspectiva moral de nosso tempo, logo toda a história torna-se um reflexo de nossa moral.

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"Envergonho-me da escravidão": esse senso de superioridade é ridículo, como se não fôssemos parte de uma mesma humanidade.

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Negamos o passado porque fazemos deste um reflexo de nós, com isso negamos a nós mesmos.

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Pensar o homem de tempos antigos livre como nós nos sentimos livres é um erro grosseiro. Um descaso com o devir. Tudo veio a ser, nem sempre foi assim.

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O sujeito moderno nasceu com a modernidade; o corpo foi sempre matéria, mas a alma sempre será modelada pelo pensamento do tempo. Ela é fluída.

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Minha moral: "e agora, o que fazer para melhorar-nos?" - Nada.

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Não temos que melhorar a humanidade, temos que superar.

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A história é a história dos erros. Cada época é preconceituosa com seu passado, faz dele um reflexo de si mesmo.

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Em sociedades liberais os períodos de pacificidade geram um aumento populacional inevitável.

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Na baixa idade média inicia-se a busca pela expansão de territórios, não pela glória, pelo poder, o gosto pela guerra, e sim pela penúria, pelo excesso populacional. Fomos obrigados a conquistar territórios por causa da exigência de alimento. Darwin apenas refletiu sua idiossincrasia para suas observações. Ali onde ele viu "luta pela sobrevivência" bem poderia haver outras interpretações.

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Já faz dois mil anos que nada muda. Por que será? Até quando vai durar esse sujeito moderno, independente, livre?

- O quê? Eu próprio sou seu fim?!

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Em que consiste minha nova linguagem: ironia.

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Ninguém é livre nem determinado - "Hein? E então?" Queres uma resposta, senhor erudito? Seu preguiçoso! A vida não é um argumento. Viva!

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Retirei a cortina da corrupção psicológica do mundo. O que vejo? Um mundo sem preconceito. Natureza.

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Somos só o que cada um de nós poderia ser em relação a tudo que foi é e será.

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Caráter? Que é isso? É de comer?

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"Sou inconsequente pois poderia fazer de outro modo? Por que não me disse antes? Por que o sermão vem sempre depois do ato? Por que nunca antes? - Ops, é porque já foi, não poderia ser de outro jeito."

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Se foi, foi. Tinha de ser? Não. Mas agora é. Tem como repetir? Não. Não há nunca dois momentos iguais. Tudo que acontece eterniza.

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Só é para sempre aquilo que não dura para sempre. O que não pode ser mudado é eterno.

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"Eu sou fruto do meu passado" - como se com isso quisesse dizer que o presente só existe por causa daquele passado. Mas isso é um erro de perspectiva. O presente é a condição para que o passado exista. Tudo acontece Agora. Como poderia o que não existe mais condicionar o que existe!

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"Passado" é uma abstração da mente para fins de inteligibilidade. Nada foi. Tudo é, continua sendo.

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- Só há um instante, este que sempre retorna.

- Mas agora é já um outro instante, tudo mudou. - Mas continua sendo, não foi. Apenas modificou-se. Se este instante fosse não seríamos mais. O tempo é eterno. Eterno retorno do mesmo.

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"Antes e depois" são abstrações mentais, nenhum fato em si. Manifestações mentais não podem ser causas.

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O que retorna não é o mesmo momento, não existem dois momentos iguais. É o mesmo instante. O tempo é um círculo.

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Minha filosofia: insistencialismo.

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Como extrair força do sofrimento? Sofrendo. Ora, mas isso é inevitável. Justamente. Por que não tirar disso um proveito?

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O que não mata torna mais forte: Magoaram-lhe? Compense a injúria com um presente, uma amostra de gratidão. - Para o mestrado em sofrimento.

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Meu novo método de viver: nenhuma objeção ao sofrimento, principalmente o voluntário. Em caso de monotonia soprar, soprar muito, até pegarmos fogo.

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Mudar a maneira de interpretar para mudar a maneira de agir. Não é a dor o problema da vida, mas a falta de sentido dela...

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"Só o amor salva" - Não. Coragem, coragem para viver.

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"Só o amor salva" - de quê? Da vida?! Não quero ser salvo. Quero integrar-me cada vez mais à vida.

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A falta de uma papel ativo na sociedade inspira a sensação de inutilidade, deixando no lugar uma espécie de vazio, um nefasto sentimento de solidão que permite outras coisas como instintos e emoções peçam atenção. Esse é o efeito do utilitarismo, base de nosso convívio social. Quem aprendeu a agir por prescrições não superou sua animalidade, apenas a esqueceu, mas fica a um passa de lembra-la. Basta que lhes tirem as prescrições...

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Em todas as sociedades aristocráticas antigas que por muito tempo lutaram contra condições desfavoráveis, por consequência tornavam o homem mais duro, forte, profundo, interessante. Mas quando alcançava-se a paz e não mais necessitava-se da dureza de sua moralidade condicionante não tardava para que a anarquia se instalasse. Não há paz que não seja um prelúdio da guerra. E o prelúdio da morte é a paz universal.

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Desconfio de todo aquele que quer a paz acima da guerra, a paz longa.

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Armadilha para ratos: Se pudéssemos passar sem violência, bom para nós. Mas não podemos. Por isso devemos estimulá-la? Ou negá-la?

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Violência é uma consequência, não causa. Só é caótico quem perde seu cais de vista.

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Quando o Estado abolir todas as distinções e desigualdades será o fim da vida, o início do vazio, o grande Em vão - e quem sabe o nascimento de uma nova vida.

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Lá onde a vida declina começa o reino da liberdade.

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Quando todas as esperanças acabam nasce uma nova esperança - uma vida sem amanhã.

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Quem vive para a vida não vive pra amanhã. Viver o instante sem pensar no depois e, por consequência, colher os melhores frutos é mestre na arte de viver.

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Quem deseja viver o agora apenas para tirar dele o mel da vida não vive intensamente, não chora todas as suas lágrimas, nem todos os seus risos, mas seja dito em sua defesa contra os escravos do futuro, é um corajoso inconsequente.

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A causa do sofrimento não está lá fora; não é a corrupção, a ganância, a violência, a vontade de poder, a miséria as causas do sofrimento. Sofrimento é consequência. O desprazer surge quando perdemos potência. Dito moralmente - sofremos quando perdemos nossa paz.

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O que temos a perder que já não esteja perdido?

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Entre homem e animal só existe uma diferença de nome. Somos todos conduzidos pela mesma exterioridade das estrelas. A grande ironia está na linguagem. Por vermos nomes em tudo parece que conhecemos tudo. O homem diz "eu", o pássaro canta. Por isso devemos pressupor que sabemos mais que os pássaros? Quanta pressuposição!

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O que é "inconsciente"? Existe no corpo alguma coisa que seja incorpórea, um conjunto de sensações flutuando algures no corpo, algo como uma - alma?! Que está "lá"? Existe sensação incorpórea? Eu só vejo corpo e nada mais. Isso que chamamos de "interior" bem poderia ser o efeito do corpo, logo, não poderia causar nada, tipo - uma depressão. Poderíamos chamar sensações de extensões do corpo.

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"Depressão é uma doença da alma" : - será? Isso já é poesia, não ciência. Depressão está mais para uma doença do corpo; o corpo que não suporta um certo limite de tensão, pois o que seria o sofrimento senão uma forte tensão.

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O ser humano precisa de uma razão para saber por que sofre, mesmo que estas não sejam as verdadeiras razões.

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Inventamos uma série de interpretações para fenômenos puramente físicos. Aquilo que é consequência nós interpretamos como causa, assim o terapeuta imagina, por meio da linguagem, que de fato existam aqueles motivos os quais ele encontra na linguagem, logo, existe inconsciente.

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Um homem que tem uma fisiologia privilegiada não teria necessidade de paliativos, de argumentos e razões. Ele vê o fato, não como uma razão, ele sente. Ele não busca a causa, ele enfrenta o fato. Ele aguenta em si uma multidão de sofrimento, não apenas isso, ele tira proveito da situação.

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Quando começamos a buscar uma causa ou meios para adoçar nossas misérias interiores, significa que perdemos a força de resistência.

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Quando a tristeza se instala significa que a força de resistência do corpo enfraqueceu, ele torna-se incapaz de assimilar a tensão. Não se trata de não sofrer, mas o quanto aguentamos sofrer, que tipo de uso fazemos do sofrimento, se o usamos para nos fortalecer ou se queremos fugir dele para algum estado de paz - para isso as razões.

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Quanto mais fundo viajamos na história mais identificamos a abundância do corpo humano em força; quanto mais modernos nos tornamos menor se torna a resistência do corpo.

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Herdamos uma cultura do esgotamento, ou melhor, um corpo anêmico. O corpo desesperou do corpo. Inventamos causas imaginárias para o sofrimento, logo, aplicamos uma cura que faz apenas amortecer o corpo enfraquecido, ao invés de fortalecê-lo. Falta-nos uma psicologia do corpo, que eleve o orgulho da força ao extremo do prazer da superação. O que não nos mata só nos torna mais fortes - já diria Nietzsche.

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A que se deve isso? Em que momento da história o corpo é interpretado como de pouca importância? Que se reflita sobre isso...

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Conceitos são ferramentas do corpo, assim como os dentes e garras são para o leão.

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Para uma rápida ilustração do poder artístico da natureza: sonhos, visões, sensações, pensamentos são extensões corporais. Mas não há uma causalidade de um para outro, não existe "um para outro". Tudo é corpo. É assim que cada cultura expressa suas singulares visões, profecias e manifestações espirituais.

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A linguagem é o roteiro que em nós a natureza ensaia suas fantasias, sonhos e visões místicas.

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O teólogo afirmador da vida:

- Não creio em espírito, amigo. Mas creio em Deus. Creio não, eu sei. Também não creio que seremos julgamos pelos nossos atos depois da morte. Não há "depois". Deus nos deu a vida por amor. Tu achas que a vida é dura? Nem em sonhos tu poderia imaginar a infinita dor do Senhor. Sim, Deus sofre. Da infinita dor e do eterno amor veio nossa boa e velha vida. A dor de Deus é não ser mortal. Por amor nos deu a única coisa que ele não pode ter - a morte. Mas quem está pronto para receber estes ensinamentos? Quem percebeu o milagre que somos? A invenção do espírito é o maior pecado contra a vontade de Deus.

Quem tem ouvidos que ouça. Pois não é sempre que falo como crente.

Fiódor
Enviado por Fiódor em 26/04/2020
Reeditado em 29/04/2020
Código do texto: T6929035
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