Lichtenberg — Aforismos III — Exercícios de tradução

Não é curioso que uma tradução literal quase sempre seja ruim? Todavia, tudo se pode traduzir bem; daí se pode dizer que tanto se entende um idioma quanto se conhece o povo que o fala.

A escrita é excelente para despertar o sistema que dorme em cada homem; qualquer um que já tenha escrito terá notado que ao escrever sempre se desperta algo que até então conhecíamos de um modo impreciso e que, no entanto, jazia dentro de nós.

É fascinante escutar uma mulher estrangeira cometer erros no nosso idioma com seus belos lábios. O mesmo não é válido para um homem.

Dizer muito em poucas palavras não significa fazer primeiro um ensaio e depois cortar os parágrafos, porém refletir sobre o assunto e expressar o melhor da reflexão, de tal modo que o leitor inteligente distingua que algo ali está suprimido; significa, na verdade, dar a entender, com um mínimo de palavras, que se pensou muito.

Um erro que o mal escritor e o escritor meramente engenhoso têm em comum consiste em mais que iluminar o tema, usá-lo para mostrar a si mesmos. Conhece-se assim o escritor e nada além do escritor. Ainda que em algumas ocasiões seja muito difícil suprimir um parágrafo engenhoso, deve-se fazê-lo se tal parágrafo não é substancial. Esta crucificação faz com que pouco a pouco o engenho se acostume às rédeas que a razão lhe deve colocar.

Aquele teve o efeito que em general tem os bons livros. Tornou mais tontos os tontos, mais inteligentes os inteligentes, e os milhares restantes saíram ilesos.

Shakespeare não teve anunciações. Tudo o que disse, aprendeu e experimentou. Se desejais que vossas obras se assemelhem às dele, como um ovo ao outro, deveis aprender e experimentar, caso contrário, não conseguireis nada.

A observação e o conhecimento do mundo são a base de tudo, deve-se ter observado muito para poder usar as observações alheias como se fossem próprias, de outro modo só são lidas e ficam na memória sem misturar-se ao sangue. Toda leitura dos antigos é vã se não se a pratica desse modo.

Uma excelente observação do senhor Hartley é que, dado que pensamos com palavras, a diferenciação os idiomas corrige os juízos falsos. Vale à pena refletir sobre isto. Até que ponto a aprendizagem de outros idiomas esclarece os conceitos que formulamos no nosso? Um bom tema.

Quando se começa a ver tudo em tudo, a maneira de se expressar normalmente se torna mais obscura. Começa-se a falar com língua de anjo.

É uma sorte que o vazio de idéias não tenha as mesmas conseqüências que o vazio de ar; caso contrário, as cabeças que se aventuram em livros que não entendem seriam comprimidas.

Em todo momento, fazemos algo algo que ignoramos. Esta capacidade irá aumentando até que chegue o dia em que o homem faça tudo sem saber; mesmo sua razão será a de um animal pensante. A razão tende ao animal.

Está de acordo com a ordem da natureza que os animais desdentados tenham chifres, o que há então de estranho em que às vezes o mesmo suceda a homens e mulheres de idade avançada?

O excesso de leitura nos brindou com uma barbárie ilustrada.

Descobrir pequenos erros é uma atividade de mentes medíocres. As cabeças mais dotadas não mencionam pequenos erros; em todo caso, fazem críticas gerais. E os grandes espíritos criam sem criticar.

Os gregos possuíam um conhecimento humano que nós parecemos incapazes de alcançar sem antes transitar pela reparadora hibernação de uma nova barbárie.

Não é que os oráculos tenham deixado de falar: os homens é que deixaram de escutá-los.

Conheço o gesto da atenção fingida; é o grau mais baixo da distração.

As muitas leituras são daninhas ao pensamento. De todos os intelectuais que conheci, os mais notáveis eram aqueles que haviam lido menos.

Na verdade há muitos homens que lêem apenas para não pensar.

Não são as mentiras francas, mas sim as refinadas falsidades que entorpecem a expressão da verdade.

O máximo a que pode chegar um medíocre é a descobrir os erros daqueles que o superam.

Há os ineptos entusiastas. Gente muito perigosa.

Nada obstrui tanto o avanço da ciência como acreditar que se sabe aquilo que ainda não se sabe. É esse o erro no qual incorrem os entusiastas inventores de hipóteses.

Também os grandes homens se equivocam, e alguns com tanta freqüência que alguém pode sentir-se tentado a considerá-los pequenos.

Essa é uma das coisas mais miseráveis que surgiram da tinta e da pluma de um ganso.

Quase todos os eruditos são mais supersticiosos do que confessam, e inclusive daquilo que eles mesmos pensam. É difícil libertar-se dos maus hábitos por completo. A única possibilidade é ocultá-los e evitar o seu mau efeito.

Não parava de buscar citações: todo o que lia passava de um livro a outro sem deter-se em sua cabeça.

Creio que Rousseau disse: “um menino que só conhece seus pais, nem a estes conhece bem”. Esta idéia se pode aplicar a muitos outros conhecimentos, de fato a todos aqueles que têm um caráter puro: quem só entende de química, nem disso entende bem.

No mundo se encontra com maior freqüência o conselho que o consolo.

É certo que já não queimamos bruxas, todavia queimamos cada carta na qual se diz uma verdade incômoda.

Quase todos os homens fundam seu ceticismo a respeito de uma coisa na fé cega em outra.