Mário Quintana - Frases Parte V
Amizade
Quando o silêncio a dois não se torna incômodo.
Dorme, ruazinha...
É tudo escuro...
E os meus passos, quem é que pode ouvi-los?
Dorme o teu sono sossegado e puro,
Com teus lampiões, com teus jardins tranquilos.
Dorme...
Não há ladrões, eu te asseguro...
Nem guardas para acaso persegui-los...
Na noite alta, como sobre um muro,
As estrelinhas cantam como grilos...
O vento está dormindo na calçada,
O vento enovelou-se como um cão...
Dorme, ruazinha...
Não há nada...
Só os meus passos...
Mas tão leves são
Que até parecem, pela madrugada,
Os da minha futura assombração...
Boas Maneiras
Os anjos não dão os ombros, não; quando querem mostrar indiferença os anjos dão as asas.
Verbetes
Infância - A vida em tecnicolor.
Velhice - A vida em preto-e-branco.
Verbete
Nós - o pronome do rebanho.
Viajar é mudar o cenário da solidão.
Nunca me acertei bem com os padres, os críticos e com os canudinhos de refresco.
Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso! Sou é caladão, introspectivo. Não sei porque sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros?
Conhecer a si mesmo e aos outros ...Ver o mal com mais clareza...ó triste e doloroso dom!
E sofrer mais que todos, no final sem o consolo de ter sido bom...
Arte de Fumar
Desconfia dos que não fumam:
esses não têm vida interior, não tem sentimentos.
O cigarro é uma maneira sutil, e disfarçada de suspirar.
Se tiver de me esquecer, me esqueça. Mas bem devagarinho.
A Psicanálise? Uma das mais fascinantes modalidades do gênero policial, em que o detetive procura desvendar um crime que o próprio criminoso ignora.
Para aqueles que atrapalham meu caminho: eu passarinho, eles passarão.
Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão.
No retrato que me faço
- traço a traço -
Às vezes me pinto nuvem
Às vezes me pinto árvore...
Nós só amamos os amigos mortos
e só as amadas mortas amam eternamente...
Pequeno Poema Didático
O tempo é indivisível. Diz,
Qual o sentido do calendário?
Tombam as folhas e fica a árvore,
Contra o vento incerto e vário.
A vida é indivisível. Mesmo
A que se julga mais dispersa
E pertence a um eterno diálogo
A mais inconsequente conversa
Todos os poemas são de um mesmo poema,
Todos os porres são o mesmo porre,
Não é de uma vez que se morre,
Todas as horas são extremas!
Poema transitório
Eu que na Era da fumaça: - trenzinho
Vagaroso com vagarosas paradas
Em cada estaçãozinha pobre
Para comprar
Pastéis
Pés-de-moleque
Sonhos
- principalmente sonhos!
porque as moças da cidade vinham
olhar o trem passar:
eles suspirando maravilhosas viagens
e a gente com um desejo súbito
de ficar ali morando sempre...
Nisto, o apito da locomotiva
e o trem se afastando
e o trem arquejando
é preciso partir
é preciso chegar
é preciso partir é preciso chegar...
Ah, como esta vida é urgente!
... no entanto
eu gostava era mesmo de partir...
e - até hoje – quando acaso embarco
para alguma parte
acomodo-me no meu lugar
fecho os olhos e sonho:
viajar, viajar
mas para parte nenhuma...
viajar indefinidamente...
como uma nave espacial perdida entre as estrelas.
O maior chato é o chato perguntativo. Prefiro o chato discursivo ou narrativo, que se pode ouvir pensando noutra coisa...
Diário de Viagem
O poeta foi visto por um rio,
por uma árvore,
por uma estrada...
Biografia
Entre o olhar suspeitoso da tia
E o olhar confiante do cão
O menino inventava a poesia...
Hai-Kai da Palavra Andorinha
A palavra andorinha
Freme devagarinho
E some em silêncio...
Hai-Kai da Cozinheira
A cozinheira preta preta
Preta e gorda
Com seu frescor sorriso de lua...
Hai-Kai de Outono
Uma borboleta amarela?
Ou uma folha seca
Que se desprendeu e não quis pousar?