Intimidades 768
Faça-me, de si, um retrato, disse-me. Pela primeira vez em muito tempo me olhei. Primeiro na água de um charco como Narciso, depois no vidro polido de uma janela e, ganhando alento, no espelho grande do átrio. Tinha de me ver para me contar. Tinha de me saber. Tinha de excluir o que não aceitava sem parecer que me escondia na boca cerrada, no desespero que ali estava, firme no olhar, vago no cabelo desalinhado, seco nas palavras que tantas vezes feriam como pedradas certeiras. E fui-me decantando. Aliviei as rugas, ignorei o cinzento dos meus dias, inventei-me em roupa lavada. Depois de me afirmar nu calei o ventre, as coxas magras, a barbela, a desilusão de tantas horas e, em desespero de causa, escrevi: com amor rejuvenesço sempre. Um dia, voltei adolescente para casa.