Intimidades 600
Tenho, bem medidos, cem anos. Talvez mais. A idade, disse o sábio, não é contada em anos de existência, é contada em vivência. Depois de rebentar a guerra os meus quinze anos perderam inocência e mesmo sem barba amadureci até saber ver, sofrer, amar e morrer como um homem de quarenta. Depois, longe do medo, alisei-me de corpo e alma, conheci-te e rejuvenesci até ser um jovem maduro. Pensava menos na guerra e mais no amor, menos no futuro e mais no prazer de então. E vivi muita gente, muitas formas de estar. Fui aonde quis, onde estava o sonho e voltei. Em cada caso cresci, em cada luta envelheci, em cada dor aprendi a tolerância e a fraternidade. E… tenho hoje muitos anos. Diria, contando a fome, a doença e a guerra, a perda de gente e da terra, mais de cem. Fui feliz também e esses tempos não contam. É justa esta idade. Faltam muitos para cem.