A Morte de Ivan Ilitch

Piotr Ivânovitch sabia que, assim como antes fora necessário fazer o sinal da cruz, agora era preciso apertar aquela mão, suspirar e dizer: "Pêsames!". E foi o que fez. E, depois de fazê-lo, sentiu que obtivera o efeito desejado: todos ficaram comovidos.

Ivan Ilitch morria aos quarenta e cinco anos, juiz do Foro Criminal. Era filho de um funcionário, que fizera em Petersburgo, em diferentes ministérios e departamentos, aquele tipo de carreira que leva as pessoas a uma situação da qual elas, por mais evidente que seja a sua incapacidade para qualquer função de efetiva importância, não podem ser expulsas, em virtude dos muitos anos de serviço e dos postos alcançados, por este motivo, recebem cargos inventados, fictícios, e uns não fictícios milhares de rublos, de seis a dez, com que vivem até a idade provecta.

Ivan Ilitch, quando vivo, nunca abusava do seu poder; pelo contrário, procurava suavizar a expressão desse poder; mas a consciência desse poder, a possibilidade de suavizá-lo constituíam para ele o principal interesse e a atração do seu novo cargo.

Na realidade, sua vida era como a de todas as pessoas não muito ricas, mas que desejam parecê-lo e por isto apenas se parecem tanto entre si; aquilo que todas as pessoas de determinado tipo fazem para se parecer com todas as pessoas de determinado tipo, para se sentirem confortáveis consigo mesmas.

Assim adoptou essa atitude em relação à vida de casado. Exigia da vida familiar apenas os confortos - o jantar, a esposa em casa, a cama - que ela lhe podia dar, e principalmente, uma decência exterior, determinada pela opinião pública. Porém sua esposa chegou à conclusão que o marido tinha um carácter horrível e fazia a infelicidade da sua vida e passou a ter pena de si mesma. E quanto mais pena tinha de si mesma, mais odiava o marido. Começou a desejar que ele morresse, mas isso era uma coisa que não poderia desejar porque nesse caso não haveria ordenado.

E com o passar do tempo, quanto mais longe da infância, quanto mais perto do presente, tanto mais insignificantes e duvidosas eram as alegrias. Considerava-se horrivelmente infeliz por essa mesma razão de que nem mesmo a sua morte dele poderia salvá-lo, irritava-se e ocultava a sua irritação, e essa oculta irritação dele aumentava a irritação de sua esposa.

Aquilo que mais o atormentava era a mentira, aquela mentira que por qualquer razão era aceite por todos, segundo a qual ele estava apenas doente e não estava a morrer... O que mais atormentava Ivan Ilitch era que ninguém tivesse pena dele como ele queria que tivessem... Como se a morte fosse uma aventura própria apenas de Ivan Ilitch, mas completamente alheia a ele próprio. Chorou pelo seu desamparo, pela sua horrível solidão, pela crueldade dos homens, pela crueldade de Deus, pela ausência de Deus.

A Morte de Ivan Ilitch, Liev Tolstói