ELE E J. L.

J.L. escreve o que eu creio que penso. Tem a vaidade de assinar os seus escritos e de divulgá-los pela Internet. Não é improvável que sonhe com uma publicação de suas obras em edição de capa dura para as bibliotecas e em brochura para a massa, agora que o sistema de consumo colocou a cultura nas bancas de jornal.

Durante cinqüenta anos J. L. vem escrevendo histórias. O teor destas foi se modificando com o passar do tempo e a ampliação de meu repertório de leituras. Como todos os escritores, especialmente aqueles – cada vez mais raros – que não passaram pela universidade, iniciou a carreira refazendo caminhos. Por um ano reescreveu a literatura do século XIX. Sua temática passou dos sentimentos individuais para as ações de massas; a forma acompanhou a mudança e da análise psicológica migrou para o relato de eventos promovidos por grupos. Os motivos são vários, vão da ação política – se bem considero que toda ação grupal é política – aos eventos esportivos, mormente o futebol. Escreve como se fosse um mero repórter. Pretende que a linguagem seja tão impessoal como a planta de um circuito elétrico e como na leitura deste permita o ingresso na história por qualquer lugar.

Eu fico na sombra colhendo os dados que ele transformará em ficção. Atuo como seu repórter, ele é meu redator, como agora, quando ele sintetiza em poucas linhas o que me custou anos de vida e reflexão. Se algo de nós dois permanecer depois de minha morte, será dele o mérito e a imagem. Às vezes me pergunto se eu de fato existo.

Ele faz questão de ignorar, violar, reverter as regras do bem escrever, como oportunamente lhe assinalou um escritor seu conhecido. Age como se tais regras não existissem ou como se quisesse fundar um novo sistema de linguagem. Seus textos são cada vez mais rarefeitos, herméticos, quase ilegíveis – muitas vezes custa-me reconhecer o motivo que lhe deu origem. Penso que todo ser é indecifrável. J.L. confirma esta crença através dos seus escritos uma vez que ele é feito de palavras.

Não sei se ele é meu amanuense ou se serei eu apenas seu escudeiro agora que anda às voltas com batalhas. Ele urde sua memória na memória dos seus leitores. Sinto que me concede o favor de deixar transparecer um esboço de mim nesta página.