SAUDADE
SAUDADE
(Eliozani Miranda, 01/10/2010)
Por algum ângulo da vida a saudade pode ser vista como fragmento do passado; como um vestígio de esperança que poderá acabar a partir do momento em que se colocar ela como item dispensável a felicidade. Daí então a pessoa se sente liberto para ingressar numa nova batalha com a garra e a energia suficientes para a obtenção da almejada vitória!
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MINHA MÃEZINHA
1 - Minha mãezinha
Vou contar a sua história
Pois o pessoal de fora
Nunca ouviu falar
Nem a senhora
Tem resposta da pergunta
Pois o fato assim assusta
Quem escuta
E quem conta
Começa chorar
2 – Uma mulher de 32 anos
Recém chegada em Rondônia
Perde seu marido
Tendo cinco filhos pra criar
Como é que fica os caçulas
De dois e quatro anos
Sem o pai pra ajudar?
E os mais velhos
De 10, 11 e 12 anos
Juntamente com a senhora
Precisavam trabalhar
3 – Enquanto isso
Os dois menores
Na sombra do bacurí
Vendo os irmãos e a senhora
Roçar ou carpir
Assim aprendemos
Limpar a Terra
Com enxada e veneno
Mesmo sendo tão pequenos
Tinha que produzir
4 – É bem assim
Que se vira lá na roça
Onde a criança trabalha
Sem botina pra calçar
Bater a foice
Puxar enxada
Passar veneno
Não é coisa de pequeno
Mas se a vida assim obriga
A Justiça tem que aceitar
5 – O nosso rancho era
Coberto de tabuinha
Piso não se tinha
E o fogão era de lenha
Fora da cozinha
Também não tinha energia
Nem lampião pra clarear
Pois lá no campo
Sem os olhos do Estado
É bem mais complicado
Ninguém pode evitar
6 – Se hoje o meu juízo
Tem um pouco
De poeira ou de veneno
É porque cresci
Quase morrendo
Vendo a senhora
Chorar e sofrer
Não suportava
Ver a senhora
Trabalhando no Sol quente
Juntamente com a gente
Quase a morrer
7 – Minha Mãezinha
Amo muito a senhora
Não foi escolha minha
Se estou agora
Tão longe de você
A culpa é toda da Justiça
Que sem saber da nossa história
Ajudou a polícia me prender
A Justiça me colocou
Nessa gaiola
Como posso ir embora
Ficar perto de você?
8 – E o meu Paizinho
Que tão cedo
Foi-se embora
Pois quarenta e dois anos
É muito jovem pra morrer
E quem não sabe
Que o sonho de todo pai
É ver seu filho crescer?
9 – Minha Mãezinha
Hoje a senhora
É uma viúva idosa
Que vive aí sozinha
Sem compreender
Talvez essa é a sina
ou destino da senhora
Que até hoje
Ainda chora
Ao ver seu filho sofrer
10 – Minha Mãezinha
Eu canto e grito
Rasgo a garganta
Falo pra todo mundo
Que tenho muito orgulho
Dos meus irmãos
E muito mais de você
Estou aqui vivendo
Noutro mundo
Não é porque sou vagabundo
É por causa de um Direito
Que eu estava a exercer
11 – É que portanto
Eu não sou adestrado
A permanecer calado
Face a Impetulância
Do Estado
Que sem nenhum diálogo
Manda a Autoridade
Abusada
Me torturar
E me prender
12 – Eu sou trabalhador
Preso injustiçado
E o meu trabalho lá fora
Não tem dia, nem tem hora
Pra começar ou parar
Sou Motorista Profissional
De Categoria Qualificado
Sou Intelectual, Graduado
Carreteiro, quase Advogado
Sou Bacharel
Igual ao Magistrado
Pra que me prender?
Meu sonho de menino
Era de ser Carreteiro
Fui fazer isso primeiro
Antes de fazer
O Exame da OAB
13 – Eu não sou Médico
Minha Mãezinha querida
Mas sei um pouco
De cada coisa nessa vida
Pois o mundo é uma
Escola que ensina
Se me irrita
Meu juízo desatina
E isso tudo pode ser
Resultado do passado
Oriundo do uso
Da maldita lamparina
14 – Daquele fogo
Que quase nada ilumina
Um objeto alimentado
Com querosene
Óleo Diesel ou gasolina
E a fumaça
Expelida pela queima
Do produto que empreteia
E entope as narinas
Prejudica criança e adulto
Levando ao uso de medicamento
Forte e controlado
Pois é manipulado
Com certa dose de cocaína
15 – E bem por isso
Não se encontra
Em qualquer esquina
Ou qualquer lugar
É preciso ter receita
De Médico especializado
Senão fica sem comprar
16 – E o Psiquiatra
É o Profissional
Quase raro no Estado
Não se tem pra esses lados
Pois aqui é a Fronteira
Da Bolívia e Brasil
E por enquanto nem se fala
No Psiquiatra Forense
E que, portanto, para isso
Concurso nunca existiu
E se tivesse, pra mim não seria
O meu caso não atenderia
Pois a Lei para isso não previu
Seria apenas
Para os casos que tratasse
Na Vara da Infância
E da Família
Foi a Lei que decidiu
17 – Minha Mãezinha
Tudo que tenho
Aqui falado
Pode ser bem lembrado
Por sua filha, minha irmã
Que é Professora Graduada
É Letrada, Bacharel
Quase Advogada
Ela no EXAME foi aprovada
Mas ainda não foi inscrita
Pois a OAB não lhe dá
A Carta que permita
Pela Incompatibilidade do Cargo
Que a senhora não entende
Mas sabe disso os Doutores
De todo o Brasil
18 – O Psiquiatra pode ignorar
Meu conhecimento
Ou minha Sabedoria
Reprovar minha Teoria
E até não se importar
Pois leciono Disciplina
Diferente à tudo
Que na Escola se ensina
E as Faculdades
Deixam muito a desejar
19 – E quanto ao uso
Da maldita Lamparina
Que quase nada ilumina
Pois é objeto inadequado
Para clarear
Minha irmã, na época
Era ainda, menina pequenina
Talvez possa se lembrar
E o doutor sabe muito bem
Que toda droga
Terminada em “ína”
Vem da mesma fonte
E serve para viciar
20 – Por isso não adianta
Receitar Olanzapina
Ou Lamotrigina
Pra que eu faça
O tal uso contínuo
Pois vejo desnecessário
Por isso não vou tomar
21 – Eu não sou louco
Na cadeia faço música
Canto e fico meio rouco
É meu trabalho artístico
E disso o senhor
Deve saber
Ao menos um pouco
Que a Literatura
Não é coisa de doido
E que a Lei não proíbe
Meu direito de cantar
E quem disso tiver
Alguma dúvida
É só pesquisar
Pra se informar
Qual é o problema?
22 - Minha Mãezinha
Hoje a senhora
É uma idosa
Que vive aí sozinha
Sem compreender
Talvez essa é a sina
ou destino da senhora
Que até hoje
Ainda chora
Ao ver seu filho sofrer …
Cadeia de Costa Marques, Rondônia, Brasil
24 de janeiro de 2018
Eliozani Miranda Costa (Mirandão)