FILIGRANAS À-TOA (II)

1. Aceito que me contestem, e o faço até de bom grado, que ninguém é mesmo dono da verdade. A crítica que constrói é, de fato, uma ajuda solidária. E quem a rejeitar comete o erro de ser um mal-agradecido.

2. Rechaço, com veemência, quando ouço de preconceituosos, que toda mulher de cabelo tinto de vermelho leva inclinação para puta. Para a mulher, a filha e as amigas eu só digo o que elas querem ouvir: – Vocês é que sabem!

3. Aprovo que, em tudo que se pense, diga ou se faça, haja uma parada estratégica, a fim de logo pular-se para o degrau de cima. Mas para movimentar algo é preciso que se impulsione o primeiro movimento; o resto vem como movimentação própria do movimento inicial.

4. Não gostaria de censurar nada nem ninguém, em princípio, e por princípios, mas censuro, de cipó na mão, as bestas maledicentes que espalham aos quatro cantos do vento que todo servidor público é malandro e pende para a banda corrupta da sociedade. Sem aquele simplório mal-pago, que bota os burros de carga para ir andando, o Estado burguês nem existiria.

5. Admito rever, revisar e revisitar os meus pontos de vista. Isto não mexe com o pano de fundo do bom-senso do indivíduo. Parecer nenhum é causa pétrea, definitivo, bem-criado e já acabado, feito pão de forma.

6. Rejeito as coisas fora de seus devidos lugares. Gavetas mal fechadas, pipocas pelo sofá e armários entreabertos? Onde falta o mínimo de ordem, na estética, aí a desordem vem e diz – “aqui mesmo é que vou montar o meu rancho” – e não quer sair nunca mais.

7. Apoio, de peito aberto, a independência total dos povos em seus limites nacionais e territoriais, sem a interferência bélica de quaisquer alienígenas, por mais que se propale que aquela guerra tal está sendo feita em nome de causas justas e humanitárias. Ditadores? Há-os até em nome da Liberdade, e todos vocês sabem de quem eu estou falando. As antigas e, com mais força, as modernas invasões que se têm feito, atualmente, são um estupro de lesa-humanidade.

8. Recrimino os pobres de espírito, os atos pequenos e as ações maldosas, alinhavadas com subterfúgios e mesquinharia. Onde floresce a mediocridade de tudo isso, aí é um campo fértil para verdejar o falso mito.

9. Bato palmas para os regimes abertos, onde prevaleçam os quereres da maioria. A democracia é um credo muito acertado para o povo, também desde que este não se torne massa-bruta e de manobra na mão dos minoritários que, mesmo de passagem, estejam no ápice do poder.

10. Sem remorso algum, chicoteio fortemente as privatizações indiscriminadas da tal globalização, aqui encetadas pelo neoliberalismo. Aquilo foi uma burrice que dói até na consciência de um asno. Apequenar o Estado a ponto de os governantes se limitarem apenas às arrecadações fabulosas, sem o ônus de ter que gerir bem a coisa pública, inclusive nas partes mais espinhosas da máquina estatal, isto aí tudo é um forte indício de preguiça administrativa e/ou ganância endócrina partidária.

11. Apoio as restrições que se fazem à utilização do fumo e do álcool, desde que o primeiro já seja banido logo das prateleiras do mercado, ainda ontem. O que não presta nem deve ficar exposto aos olhares por mais durante 24 horas.

12. Abomino os falsos, os invejosos e os que detratam a vida alheia com a maior gratuidade. Mas invejosos e hipócritas são o alvo melhor das minhas aversões.

13. Dou mil e mais para as pessoas francas, que se desabotoam sem fazer como a vaquinha malhada, na hora da ordenha, que velhacamente esconde o leite.

14. Não gosto nem pouco que me falem baixinho, ao ouvido. Ou o gajo fala alto, para os ouvidos do mundo, então que ali mesmo faça boca de siri. Quem estiver pelas cercanias vai pensar que lhe estamos é a declarar uma guerra silenciosa.

15. Aprecio a pontualidade, à maneira britânica, mas também, às vezes, ajo mais à brasileira, vez que nasci brasileiro, e com o maior descuido no ajuste dos horários.

Fort., 1º/09/2010.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 01/09/2010
Reeditado em 08/12/2010
Código do texto: T2472153
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