Para ler como um escritor - trechos escolhidos
Estes são os trechos que eu destaquei deste livro tão bom!
Aline Malanovicz.
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PROSE, Francine.
Para ler como um escritor:
um guia para quem gosta de livros
e para quem quer escrevê-los.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
PALAVRAS
p.16 (para SH) E procurar cada palavra relevante acabou tendo um divertido aspecto de caça ao tesouro, um trabalho de detetive emocionante. :-)
p.17 Começamos a querer informação, entretenimento, invenção, até verdade e beleza.
p.17 Quando criança, eu me sentia atraída pelas obras dos grandes autores infantis escapistas. Gostava de trocar meu mundo familiar pela Londres das quatro crianças cuja babá descia sobre suas vidas usando o guarda-chuva como pára-quedas, transformando em aventura mágica a mais rotineira saída para compras. Teria seguido com prazer o Coelho Branco por sua toca e tomado o chá com o Chapeleiro Louco. Gostava de romances em que crianças transpunham portais - um portão de jardim, um guarda-roupa - e mergulhavam num universo alternativo. // As crianças gostam da imaginação, com suas possibilidades caleidoscópicas e seu protesto contra a maneira como estamos sempre a lhes dizer exatamente o que é verdadeiro e o que é falso, o que é real e o que é ilusão. Talvez meu gosto pela leitura tivesse algo a ver com as limitações que descobria a cada dia: as paredes do tempo e do espaço, da ciência e da probabilidade, para não falar de todas as mensagens que captava da cultura.
p.21 É como ver alguém dançando e depois, secretamente, em nosso quarto, tentar alguns passos.
FRASES
p.48 definição de poesia de Emily Dickinson: "Se sinto fisicamente como se o topo da minha cabeça tivesse sido retirado, sei que é poesia."
p.53 Um amigo romancista compara as regras da gramática, da pontuação e do uso a uma espécie de etiqueta antiquada. Diz que escrever é um pouco como convidar alguém à sua casa. O escritor é o anfitrião, o leitor, o convidado, e você, o escritor, segue a etiqueta porque deseja que seus convidados se sintam mais à vontade, especialmente se planeja lhes servir algo que talvez não esperem.
p.64 O ritmo é quase tão importante em prosa quanto em poesia. Ouvi muitos escritores dizerem que prefeririam escolher a palavra ligeiramente errada que tornasse sua frase mais musical que aquela precisamente correta que a tornasse mais desajeitada e desgraciosa. // Leia o seu trabalho em voz alta, (...) Com muita probabilidade, a frase que você dificilmente consegue pronunciar sem tropeçar precisa ser retrabalhada para se tornar mais suave e fluente.
p.69 Vale a pena também notar como essas passagens dos contos de Joyce e Cheever empregam o ritmo e a cadência para indicar ao leitor que a história está terminando. É útil considerar os paralelos com a música, o modo como, no final de uma sinfonia, o andamento torna-se mais lento e os acordes ficam mais persistentes ou dramáticos, com sugestões que reverberam e ecoam depois que os músicos param de tocar. Experimente abrir seus livros favoritos e ler os finais em voz alta. É muito provável que você se veja lendo mais devagar, e talvez mais suavemente, à medida que as próprias frases comunicam a chegada de um final grandioso ou em surdina.
PARÁGRAFOS
p.77 o modo como não só a ênfase, mas o sentido implícito de uma frase pode mudar caso ela apareça no fim de um parágrafo ou no começo de outro.
p.81 Um amigo meu diz que um parágrafo de uma frase é como um soco, e ninguém gosta de ser socado. Usado em excesso, pode ser um tique irritante, a tentativa de um escritor preguiçoso de nos forçar a prestar atenção ou de injetar energia e vida em uma narrativa, ou de inflar falsamente a importância de frases que nossos olhos poderiam saltar inteiramente se estivessem colocadas, mais discreta e modestamente, dentro de um parágrafo mais longo.
NARRAÇÃO
p.94 (...) O Morro dos Ventos Uivantes (...) o romance é construído como uma série de bonecas russas embutidas umas dentro das outras.
p.102 ponto de vista de segunda pessoa (você-o-leitor) (...) pode nos fazer suspeitar que o estilo esteja sendo usado para substituir o conteúdo (livros de auto-ajuda).
PERSONAGENS
P.139 E assim começamos a intuir o dilema de nossa heroína: a necessidade de admitir que cometeu um erro acerca de si mesma, acerca do mundo e acerca do homem com quem se casou, e que deve reavaliar suas ideias da juventude sobre a importância relativa e a compatibilidade da bondade e da felicidade, do amor à boa vida e da auto-superação.
DETALHES
GESTO
p.207 Escritores cobrem páginas com reações habituais (seu coração bateu forte, ele torceu as mãos) para situações habituais. Mas, a menos que o personagem faça algo inesperado ou inusitado, ou verdadeiramente importante para a narrativa, o leitor suporá essa reação, sem precisar ser informado sobre ela. Ao ouvir que seu sócio acabou de cometer assassinato, um homem poderia ficar inteiramente transtornado, e podemos intuir isso sem precisar ouvir sobre a rapidez de seus batimentos cardíacos ou a umidade de suas palmas. Por outro lado, se ele fica contente ao saber que o sócio foi pego, ou se ele próprio é o assassino, e sorri... bem, isso é outra história.
p.224 Dickens por vezes inclui gestos que são menos revelações de personalidade do que truques mnemônicos jeitosos, destinados a nos ajudar a não perder de vista um grande elenco de personagens: este pestaneja, aquele se contorce, este coxeia, aquele repete a mesma expressão vezes sem fim.
APRENDENDO COM TCHEKHOV
p.230 o mais importante (...) era observação e consciência. Mantenha os olhos abertos, veja com clareza, pense sobre o que vê, pergunte a si mesmo o que isso significa.
p.239 (Tchekhov)
É hora de os escritores admitirem que nada neste mundo faz sentido. Só tolos e charlatães pensam que sabem e compreendem tudo. Quanto mais estúpidos são, mais amplos supõem ser seus horizontes. E se um artista decide declarar que não entende nada do que vê -- isto por si só constitui uma considerável clareza na esfera do pensamento e um grande passo adiante.
p.242 Eu deveria ter dito aos meus alunos "Voltem! Cometi um erro. Esqueçam a observação, a consciência, a perceptividade. Esqueçam a vida. Leiam Tchekhov, leiam todos os contos. Admitam que não compreendem nada da vida, nada do que veem. Depois saiam e olhem para o mundo."
LER EM BUSCA DE CORAGEM
p.243 O medo de escrever mal, de revelar algo que gostaríamos de manter oculto, de cair no conceito dos outros, de violar nossos próprios padrões elevados, ou de descobrir algo sobre nós mesmos que preferiríamos ignorar são apenas alguns dos fantasmas amedrontadores o suficiente para levar o escritor a se perguntar se não haveria emprego disponível como lavador de janelas de arranha-céus.
p.243 A literatura é uma fonte inesgotável de coragem e confirmação.
p.244 A literatura não só infringe regras como nos faz compreender que 'não existe nenhuma regra'.
p.251 No filme de Robert Altman 'O jogador', um produtor vulgar diz do que um filme precisa para ser feito em Hollywood: "Astros, risadas, violência, nudez, sexo e finais felizes. Especialmente finais felizes."
POSFÁCIO À MODA DA CASA (Ítalo Moriconi)
p.267 Como leitores, nos vemos tão atraídos pelos sofrimentos de Iracema e pelas aventuras de Rodrigo Cambará quanto por lendas míticas de povos distantes; tão atraídos pelos sonhos de Policarpo Quaresma e pelo ciúme fatal de Paulo Honório quanto pelos enredos elaborados dos clássicos maiores da cultura ocidental, de trágicos gregos a Shakespeare, de Flaubert a Jorge Luis Borges.
p.268 Para E.M.Forster, escrevendo em 1927, nenhum autor em língua inglesa podia equiparar-se a Tolstoi, Dostoievski e Proust, cada um desses por motivos diferentes.
p.271 (...) nasce o livro de crônicas, essa instituição editorial tão brasileira.
p.278 Originadas em qualquer tempo, clássicas são as obras imperdíveis, aquelas que sabemos que vale a pena ler, mesmo não as tendo ainda lido.
p.279 Não basta ter uma boa história para contar. O xis da questão é COMO ela será contada. É o COMO que convence.
p.282 (...) a postura predominante hoje é o lastro autobiográfico. Nossos novos escritores escrevem sobre seus próprios mundos. (...) Na aposta ficcional clássica, o que interessa é a verossimilhança do texto, e não a suposta autenticidade da experiência de vida do autor.
p.289 Por trás do narrador onisciente em terceira pessoa está o "era uma vez" que é a base cultural profunda do impulso narrativo. Mas o narrador em primeira pessoa ganha importância à medida que a intimidade do ponto de vista afirma-se como componente decisivo no desejo de literatura na modernidade.
p.290 (...) o drama de Dom Casmurro (...) não existiria nos tempos atuais, pois bastaria fazer um exame de DNA.
p.297 Dom Casmurro, Capítulo CXXXI: "As pessoas valem o que vale a afeição da gente, e é daí que mestre Povo tirou aquele adágio que quem o feio ama bonito lhe parece."
p.303 O imperativo da leitura de nossos clássicos e cults. (...) Nossos ritmos são só nossos, nossas palavras idem. Existe uma lógica de pensar que é nossa. (...) Alma da linguagem.