Teoria das Organizações, de Caldas e Bertero - trechos escolhidos

CALDAS, M.P.; BERTERO, C.O. (Ed.). Teoria das Organizações. São Paulo: Atlas, 2007. 360p.

(Trechos que eu destaco como importantes para minha pesquisa.)

Este livro inicia a série RAE-Clássicos coordenada pela RAE-revista de administração de empresas da FGV, que tem como objetivo proporcionar à comunidade acadêmica brasileira acesso a textos clássicos e de difícil acesso na área, como essenciais matéria-prima para reflexão e orientação em seu trabalho de ensino e pesquisa. A obra reúne textos inéditos em língua portuguesa, freqüentemente referidos tanto na literatura internacional como na produção de autores brasileiros, mas que vão além das teorias e modelos mais básicos revistos em livros-texto e manuais de T.O. no Brasil, retratando o estado-da-arte do campo no fim do século XX e início do século XXI.

Parte I – Paradigmas em Estudos Organizacionais

1 CALDAS, Miguel P. “Paradigmas em estudos organizacionais: uma introdução à série.” In: Revista de Administração de Empresas São Paulo: RAE, vol. 45, n° 1, jan./mar. 2005, p. 57-57.

p.4 Nos últimos anos, tive contato frequente com as consequências negativas das deficiências de formação conceitual básica em teoria organizacional no Brasil. Como professor em cursos de mestrado e doutorado, não foram poucas as ocasiões em que me choquei ao ver alunos em situações quase absurdas, por pura falta de acesso a algumas referências básicas. Muitos desses alunos estudavam temas fundamentados em teorias das quais nunca haviam lido os principais expoentes, a não ser por meio de apuds; muitas vezes, porque tais clássicos nunca haviam sido publicados em português. Outros alunos, diante de seus problemas de pesquisa, propunham metodologias quantitativas e hipotético-dedutivas, embora sua base teórica indicasse uma orientação indutivista e de caráter subjetivo. Outros ainda manifestavam “gostar de etnografia” e queriam usá-la para testar hipóteses de base objetivista e funcional!

2 MORGAN, Gareth. “Paradigmas, metáforas e resolução de quebra-cabeças na teoria das organizações.” In: Revista de Administração de Empresas São Paulo: R A E, vol. 45, n° 1, jan./mar. 2005, pp. 58-71.

p.16 O paradigma funcionalista se baseia na pressuposição de que a sociedade tem existência concreta e real e um caráter sistêmico orientado para produzir um estado de coisas ordenado e regulado. Ele estimula uma abordagem para a teoria social que focaliza o entendimento do papel dos seres humanos na sociedade. O comportamento é sempre visto como algo que está contextualmente atado a um mundo real de relacionamentos sociais concretos e tangíveis. Os pressupostos ontológicos estimulam a crença na possibilidade de uma ciência social objetiva e isenta de conotações de valor, em que o cientista se distancia da cena que ele ou ela está analisando com o rigor e a técnica do método científico. A perspectiva funcionalista é fundamentalmente reguladora e prática, em sua orientação básica, e está interessada em compreender a sociedade de maneira que produza conhecimento empírico útil.

p.18 Para se compreender de que maneira se constrói a teoria científica como uma forma simbólica, deve-se prestar atenção ao papel da metáfora, pois o processo de concepção metafórica é um modo básico de simbolismo, central para o modo como os humanos modelam sua experiência e seu conhecimento do mundo em que vivem. A metáfora é com frequência considerada não mais que um artifício literário e descritivo para efeitos decorativos; mas ela é, fundamentalmente, uma forma criativa que produz seu efeito pela intersecção ou sobreposição de imagens. [...] O Oxford English Dictionary mostra que, antes de 1873, o termo organization era usado principalmente para descrever a ação de organizar ou o estado de estar organizado, particularmente em sentido biológico. Em 1916, o termo foi utilizado para ordenar e coordenar as partes em um todo sistêmico. Por volta de 1873, Herbert Spencer usou o termo para se referir a “um corpo, sistema ou sociedade organizados”. O estado de ser organizado em sentido biológico constituiu a base da metáfora da ação de criar arranjos ou de coordenar, em sentido geral, como também da metáfora do corpo, sistema ou sociedade, em sentido geral. O uso do termo organização para descrever uma instituição social é razoavelmente moderno e cria um novo significado pela extensão metafórica dos sentidos antigos.

p.21 Na teoria das organizações, a visão ortodoxa baseou-se de forma predominante nas metáforas da máquina e do organismo. [...] A consciência de que, em sua pesquisa específica, os cientistas em geral estão tentando operacionalizar uma metáfora serve como uma influência sensata para o comprometimento com a pesquisa empírica e a resolução de quebra-cabeças como um fim em si mesmo. Esta consciência enfatiza a necessidade de se lograr um firme entnedimento dos elos que existem entre teoria e método e a extensão das abordagens metodológicas para investigar diferentes pontos de vistas metafóricos (Morgan; Smircich, 1980).

p.22 Além do mais, o funcionamento de toda empresa burocrática é julgado em termos de suas eficiência, outro conceito que deriva da concepção mecânica de organização como um instrumento para alcançar fins predeterminados.

p.22 A outra metáfora central na teoria das organizações é a do organismo. O termo organismo veio a ser utilizado para se referir a qualquer sistema de partes mutuamente interligadas e dependentes, constituídas para compartilhar uma vida comum, e focaliza sua atenção sobre a natureza das atividades da vida. Vê-se o organismo, tipicamente, como uma combinação de elementos diferenciados, mas integrados, que tentam sobreviver no contexto de um ambiente mais amplo (Spencer, 1873, 1876-1896). São fortes e claras as ligações entre esta metáfora do organismo e grande parte da teoria contemporânea das organizações. A ênfase principal da abordagem de sistemas abertos, por exemplo, é a estreita relação interativa entre a organização e o ambiente e como a vida ou a sobrevivência da organização depende de conseguir uma relação apropriada. Os estudos de Hawthorne (...), as teorias funcionalistas estruturais de Selznick (...) e Parsons (...), a abordagem de sistemas socio-técnicos (...), a abordagem de sistemas gerais (...) e grande parte da moderna teoria da contingência (...) baseiam-se todos no desenvolvimento da metáfora do organismo. Enquanto na metáfora da máquina o conceito de organização é como uma estrutura um tanto estática e fechada, na metáfora do organismo o conceito de organização é como uma entidade viva, em constante fluxo e mutação, interagindo com seu ambiente na tentativa de satisfazer as suas necessidades. A relaçào entre organização e meio-ambiente enfatizava que certos tipos de organização são mais capazes de sobreviver em certos ambientes do que outros. [...]

p.23 Apesar de vários estudos terem gerado numerosos insights, que informaram nossa compreensão das organizações como máquinas ou organismos, deve-se reconhecer que o tipo de insights gerados é limitado pelas metáforas em que eles se baseiam. Recentemente, os teóricos organizacionais acabaram reconhecendo isso e se deram conta de que observar as organizações sob a ótica de novas metáforas torna possível entendê-las de novas maneiras. (...) A metáfora de sistema frouxamente acoplado, introduzida na teoria das organizações por Weick (1974, 1976), tenta especificamente se contrapor às pressuposições implícitas nas metáforas da máquina e do organismo de que as organizações são sistemas precisos, eficientes e bem coordenados. [...] Essas metáforas criam meios para enxergar as organizações e seu funcionamento de modo que as metáforas da máquina e do organismo não conseguem fazer. [...] p.24 Elas têm raízes nas ciências naturais e todas, de uma maneira ou de outra, enfatizam a ideia de que as organizações podem ser vistas como sistemas adaptáveis. (acoplamento frouxo é o tipo de mecanismo de adaptação ressaltado)

p.25 A metáfora da produção representada de sentido (Weick, 1977) oferece outra abordagem interpretativa para o estudo das organizações. (...) desenvolve insights relacionados, enfatizando de que modo as realidades são representadas pelos indivíduos por meio de racionalizações pós-eventos sobre o que ocorreu. Vistas em termos dessas metáforas, as realidades organizacionais devem ser entendidas como construções sociais contínuas, que emergem das hábeis realizações por meio das quais os membros organizacionais se impõem sobre seu mundo para criar uma estrutura sensível e de sentido. Da mesma forma que as outras metáforas interpretativas, elas enfatizam que a rotina, os aspectos tidos como certos da vida organizacional são menos concretos e reais do que parecem.

p.27 Enquanto a teoria funcionalista enfatiza que as organizações e seus membros podem orientar suas ações e comportamentos pelo propósito de atingir estados futuros, a teoria interpretativista enfatiza que as ações se orientam para dar sentido ao passado tanto quanto ao futuro. Enquanto a teoria funcionalista vê as organizações e seus membros como atores que interagem e se comportam num contexto ou ambiente de certo tipo, a teoria interpretativista questiona o status e a existência desses fatores contextuais, exceto como construções sociais compartilhadas dos indivíduos. A teoria funcionalista se fundamenta sobre premissas que a teoria interpretativista considera fundamentalmente equivocadas.

p.28 Há uma ordem, que a teoria interpretativista tenta compreender, e que a teoria funcionalista procura promover. (...)

3 LEWIS, Marianne W. e GRIMES, Andrew J. “Metatriangulação: a construção de teorias a partir de múltiplos paradigmas.” In: Revista de Administração de Empresas São Paulo: R A E, vol. 45, n° 1, jan./mar. 2005, pp. 72-91.

p.37 Burrel e Morgan (1979) definiram os paradigmas como ideologias, ontologias, epistemologias e metodologias estreitamente acopladas, que guiam os modos de análise organizacional. A tipologia deles descreve criticamente quatro paradigmas pela polarização das premissas relativas à natureza das ciências sociais (objetividade / subjetividade) e da sociedade (regulação / mudança radical). A objetividade pressupõe que há uma realidade externa, com relações determinísticas e previsíveis, enquanto a subjetividade presume construções sociais contextualmente limitadas e fluidas. A regulação pressupõe relações sociais harmônicas e ordenadas, ao passo que a mudança radical presume assimetrias de poder e conflito. (...)

p.43 Processos de construção teórica pelo paradigma único (atividade indutiva tradicional): Fase I (Fundamentos): especificar pergunta de pesquisa; rever bibliografia relevante; escolher fonte de dados; FASE II (Análise de dados): desenhar o processo de análise; codificar dados de modo sistemático; tabular e/ou apresentar análise; FASE III (Construção de teorias): desenvolver e testar proposições; construir teoria; avaliar teoria resultante.

p.46 O reconhecimento do paradigma de um autor (...) pode ser uma tarefa árdua e questionável. Smircich (1983) notou que não somente os autores poucas vezes enunciam seus paradigmas, mas muitas vezes os escolhem de forma inconsciente.

p.47

Tecnologia de Produção Avançada (TPA)

Interpretativista: construção constante de experiências intersubjetivas

Funcionalista: sistema de produção para aumentar a eficiência e a adaptabilidade

Implantação

Interpretativista: processo de fazer sentido e de aprender enquanto atores usam e vivenciam a TPA

Funcionalista: processo de determinismo tecnológico, refreado pelas condições competitivas e organizacionais

Questões-chave

Interpretativista: Como os atores desenvolvem entendimentos compartilhados de TPA? Como as normas culturais, os mitos e os símbolos influenciaram as interpretações?

Funcionalista: Como as diferentes especificações de projeto da TPA influenciaram o controle e a flexibilidade da produção? Que métodos levam à implementação efetiva?

Teorias

Interpretativista: Teoria interacionista simbólica e teoria da construção social

Funcionalista: Contingência, sistemas e teorias tradicionais da engenharia

p.48 No campo da TPA, os estudos de casos se tornaram o “modo predominante de investigação” (Dean et al., 1992, p.204).

p.48-49 Traduzir uma teoria de visão de mundo para a nossa própria língua não significa torná-la nossa. Para isso, é preciso que nos tornemos nativos, que nos descubramos pensando nessa língua que antes era estranha, e não meramente traduzindo-a (Kuhn, 1970, p.204).

p.50 As análises funcionalistas versaram sobre a natureza dos sistemas técnicos e sociais (...) As análises interpretativistas ressaltaram as normas culturais que influenciaram os significados compartilhados (...). Abordar a análise com várias questões em mente pode ajudar os teóricos a abrir os dados e a ver com maior profundidade analítica.

p.52 A construção teória a partir de dados exige que os teóricos deem “saltos criativos” – fujam do que é simplificado e esperado e expliquem os fenômenos sob nova ótica (Mintzberg, 1979, p.584).

p.56 Articular auto-reflexão crítica. A metatriangulação termina com uma crítica da teoria resultante e do processo de construção teórica. (...) Para respeitar os objetivos de paradigmas variados, a metatriangulação envolve critérios amplos: criatividade, relevância e inclusividade.

p.57 A metatriangulação segue muitas prescrições de Weick (1989) sobre construção teórica, utilizando a “imaginação disciplinada”, elevando deliberada e incrivelmente a quantidade e a diversidade de literatura revista, de métodos analíticos usados e de conjecturas examinadas. (...)

p.58 Bouchikhi (1998) sustentou que os teóricos, ao empregar paradigmas múltiplos, podem ajudar os atores organizacionais a compreender e administrar demandas que, isoladamente, parecem lógicas, mas, se vistas em conjunto, são contraditórias ou aburdas –, por exemplo, a necessidade de controle E flexibilidade, a coordenação coletiva E a expressão individual, sistemas internos seguros E sistemas externos abertos, continuidade E mudança, e tomada de decisão E descoberta afortunada ao acaso.

p.58 Enquanto a construção teórica é sempre um processo de atribuição de sentido, influenciado pelos pressupostos subjacentes dos teóricos (Weick, 1989), a natureza inerentemente provocativa da investigação mutiparadigmática gira em torno da pergunta: “É possível que você, algum dia, se livre do paradigma que, atualmente, o governa, de seu paradigma familiar?”

p.61 O nosso relato interpretativista representou os significados locais da TPA e do trabalho, que emergiram das experiências dos atores com a TPA e entre cada um deles. Os atores procuraram fazer sentido de suas tarefas computadorizadas mais conceituais e ambíguas. A comunicação aberta entre as subculturas ocupacionais às vezes serviu para desenvolver linguagens novas e compartilhadas e habilidades conceituais. Entretanto, as subculturas dos operadores e dos projetistas, com frequência, filtraram as interações sociais através de seus esquemas interpretativos conflitantes. Na medida em que se intensificava a ansiedade em relação às mudanças, as subculturas interpretavam os problemas de produção e os comportamentos recíprocos, de maneira a reafirmar suas normas e crenças nas respectivas competências ocupacionais, promovendo desentendimentos entre as subculturas.

Parte II – Introdução ao Paradigma Funcionalista

4 CALDAS, Migual P.; FACHIN, Roberto. “Paradigma funcionalista: desenvolvimento de teorias e institucionalismo nos anos 1980 e 1990”.

p.73 Na tradição funcionalista dominante até o início da década de 1980, dominada pelo imperativo objetivista-racional de teorias como contingencialismo e economia organizacinal, os atores organizacionais seriam objetivos e racionais. Como tal, não apenas respondem a ditames técnicos e ambientais, mas o fazem como “instrumentos” de eficiência e racionalidade, em prol de objetivos organizacionais compartilhados e incontestes. Desde o início da década de 1970, novas perspectivas passaram a questionar essa natureza exclusivamente técnica e racional do ator organizacional, e a salientar elementos políticos, cognitivos, e mesmo culturais ou normativos do ambiente, que limitariam a ação organizacional racional e neutra, e favoreceriam outros elementos internos e externos da ação organizacional.

5 Debates e perspectivas centrais na teoria das organizações (W. Graham Astley e Andrew H. Van de Ven)

p.80 Nos últimos anos, aumentou o pluralismo teórico na literatura organizacional, o que reflete em parte a conscientização crescente sobre a complexidade das organizações e em parte o refinamento dos interesses e das preocupações dos teóricos a seu respeito. De um lado, esse pluralismo teórico deve ser estimulado, para que os pesquisadores descubram novos aspectos da vida organizacional e agucem sua indagação crítica. Mas, por outro, esse pluralismo fomenta uma compartimentalização teórica excessiva, e fica fácil perder de vista como as várias escolas de pensamento se relacionam. É a interação entre as diferentes perspectivas que facilita ao estudioso chegar a um entendimento mais compreensivo da vida organizacional, uma vez que toda e qualquer escola individual de pensamento oferece, invariavelmente, apenas uma explicação parcial da realidade. Além disso, a justaposição das diferentes escolas de pensamento realça as visões de mundo contrastantes que estão por trás dos principais debates que caracterizam a teoria organizacional contemporânea.

p.81 (...) Uma certa integração seria, assim, desejável, mas, ao mesmo tempo, deve ser uma integração que preserve a distintividade das diferentes perspectivas analíticas envolvidas. Sustentamos que essa integração é possível se houver o reconhecimento de que as diferentes perspectivas podem apresentar descrições bem diferentes do mesmo fenômeno organizacional, sem que se anulem mutuamente.

p.83 Visão sistêmico-estrutural: o funcionalismo estrutural e a teoria de sistemas foram as escolas dominantes do pensamento organizacional (Silverman, 1970). (...) elas compartilham uma orientação determinista segundo a qual se considera que o comportamento organizacional é moldado por uma série de mecanismos impessoais que atuam como restrições externas sobre os atores. Presume-se que os elementos estruturais são inter-relacionados de tal forma que, instrumentalmente, eles servem para alcançar as metas organizacionais e são, portanto, “funcionais”. Os componentes básicos da estrutura são os papéis. Os papéis predefinem o conjunto de expectativas comportamentais, bem como de obrigações e responsabilidades associadas a uma certa posição. [...]

p.84 Visão da escolha estratégica: As críticas à abordagem sistêmico-estrutural surgiram sob a forma de um “quadro-ação de referência” defendido por quem adere a uma orientação de viés voluntarista (Silverman, 1970). Este ponto de vista é utilizado para atacar as abordagens sistêmicas e estruturais-funcionais, por inferirem estas a existência de mecanismos auto-reguladores que servem às “necessidades” e “funções” do sistema. Este é o problema da reificação. Em contraste, de acordo com a teoria da ação, as organizações são continuamente construídas, mantidas e alteradas pelas definições da situação feitas pelos atores – os significados e interpretações subjetivos que os atores imputam a seus mundos quando negociam e representam suas circunstâncias organizacionais. Foi nesse sentido que emergiram várias abordagens, a saber: de intercâmbio, simbólica, de interação, de ordem negociada, fenomenológica (Weick, 1979) e etnometodológica. [...]

p.86

Visão sistêmico-estrutural Visão de escolha estratégica

Escolas Teoria de sistemas, funcionalismo estrutural, teoria da contingência Teoria da ação, teoria de decisão contemporânea, gestão estratégica

Estrutura Posições e papéis hierarquicamente ordenados para lograr eficientemente a função do sistema Pessoas e seus relacionamentos organizados e socializados para servir às escolhas e propósitos dos detentores do poder

Mudança Dividir e integrar papéis para adaptar os subsistemas às mudanças no ambiente, tecnologia, tamanho e necessidades de recursos Ambiente e estrutura são representados e incorporam os sentidos da ação das pessoas que detêm poder

Comportamento Determinado, restrito e adaptável Construído, autônomo e representado

Papel do gestor Reativo Proativo

p.88 (...) “as duas sociologias” de Dawe (1970): uma que vê a ação individual como se derivasse do sistema social, outra que vê o sistema social como se derivasse da ação individual. [...] contrastando um “argumento sistêmico” (visão sistêmico-estrutural) a um “argumento estratégico” (visão da escolha estratégica). (...)

p.89 Para os teóricos contemporâneos da decisão, que usam modelos de ação como referência, esta “racionalidade” é apenas um verniz mistificador, que obscurece os elementos irracionais que permeiam a tomada de decisão. March e Olsen (1976) e Weick (1979) sugeriram que a tomada de decisão não é concebida como algo planejado de modo racional para o alcance instrumental dos objetivos organizacionais; pelo contrário, os eventos podem preceder os objetivos. Os objetivos podem ser reconstruções imaginativas, que atribuem ordem e racionalidade aos atos e decisões depois que eles já ocorreram. Os arranjos organizacionais, portanto, não devem ser mal-interpretados como se fossem funcional e logicamente necessários. Eles se tornam indispensáveis apenas em virtude de nossas reflexões conscientes, que sobrepõem a qualidade da lógica a uma ordem já estabelecida. Eis aí a dialética: é o sistema racionalmente planejado e construído, ou é a ação que simplesmente emerge para ser em seguida racionalizada?

p.94 O contraste entre as visões da seleção natural e da escolha estratégica se cristaliza na modificação feita por Weick (1979) no modelo de variação-seleção-e-retenção utilizado pelos ecologistas populacionais (por exemplo, Aldrich, 1979), que ele re-rotula como um modelo de “representação-seleção-e-retenção”. A substituição feita por Weick da variação pela representação significa que “os gestores constroem, rearranjam, selecionam e demolem muitas características ‘objetivas’ que os cercam”, na medida em que, literalmente, definem e criam suas próprias restrições (Weick, 1979, p.164). Os critérios de seleção não estão tão incorporados nas condições ambientais externas quanto repousam nos próprios membros organizacionais. A seleção acontece na medida em que os indivíduos aplicam significado e extraem sentido de seus dados brutos representados. Esses padrões de dados que se ajustam a seus esquemas de interpretação e repertórios cognitivos são acolhidos, enquanto o resto é excluído, eliminado. Os critérios de seleção são, dessa forma, específicos para os indivíduos particulares de organizações isoladas, e não transmitidos a espécies inteiras de organizações enquanto restrições de nicho. Mais uma vez, o processo de retenção não é inerente às características do ambiente, mas a “mapas causais”, construídos a partir da experiência passada dos indivíduos. Esses mapas causais realimentam processos de representação e seleção, provendo-os com sugestões, padroes de atenção e processos de exame e monitoração, todos os quais desempenham um papel ativo na construção de um ambiente “artificial” a partir do ambiente objetivo. Consequentemente, Weick insiste que ambientes significativos são produtos da organização, não insumos dela, como argumentariam os ecologistas populacionais. O modelo da variação-seleção-e-retenção parece, assim, também compatível, ao mesmo tempo, com as visões da seleção natural e da escolha estratégica.

p.99 Ação individual vs. Ação coletiva: O axioma básico do comportamento racional é “maximizar” ou, pelo menos, “satisfazer” interesses próprios (Simon, 1976). Aceita-se uma ordem de preferência consistente, em que os indivíduos ou organizações têm uma função ojetiva claramente específica da qual conseguem selecionar a melhor alternativa de uma série delas. “Enquanto aceitarmos que as organizações possuem objetivos e que estes objetivos têm algumas propriedades clássicas de estabilidade, precisão e consistência, podemos concordar que a organização é um tipo de ator racional” (March, 1981, p.215). De fato, toda a teoria do comportamento racional nas organizações se apoia na premissa de que os seus participantes compartilham objetivos comuns, sem o que, pois, o “trabalho em equipe de molde cooperativo” não seria possível (Simon, 1976). / Mas os stakeholders organizacionais, com frequência, possuem objetivos conflitantes, particularmente em situações de escassez. (...) É nesse sentido que Macur Olsen (1965) argumentou que, por causa do “problema do parasita”, não há justificativa racional para os indivíduos contribuírem para os “bens coletivos”. Nos pequenos grupos, ou oligarquias, os indivíduos podem querer contribuir voluntariamente para lograr bens coletivos, por causa da norma comum da reciprocidade, confiança interpessoal, amizade, pressão social ou preocupação altruística em favor do bem-estar do grupo todo. Entretanto, nos grupos grandes esses incentivos diminuem e o problema da geração da ação coletiva se torna cada vez mais agudo. Para Olsen (1965, p.51), “somente um incentivo individual e ‘seletivo’ estimulará um indivíduo racional, num grupo latente, a atuar por influência do grupo”.

p.101 Assim, os padrões normativos de interação interorganizacional estão impregnados daquilo que Durkheim (1933) chamou de “base moral dos contratos sociais”. Isto é, as normas adquirem antes um senso de moralidade do que de mero pragmatismo, de tal modo que os tomadores de decisão organizacionais se sentem compelidos a aquiescer a elas. No entanto, a obrigação moral não deve ser interpretada como uma restrição externa, pois ela é uma força libertadora, segundo Commons e Durkheim. Ao possibilitar padrões estáveis de associação coletiva, ela livra as organizações da necessidade de criar novos padrões de atuação para cada situação que enfrentam. O cumprimento das normas é antes voluntário do que forçado. Isso significa a adoção de uma orientação coletiva, com a qual os gestores e suas organizações se identificam.

p.105 Discussão – Formas estruturais e ação de pessoal: (...) As organizações, afinal de contas, não são fenômenos puramente objetivos, nem puramente subjetivos. Elas são sistemas objetivos na medida em que exibem estruturas que são apenas em parte modificáveis pelas ações de pessoal, mas elas são subjetivas na medida em que essas estruturas abrigam indivíduos que atuam à base de suas próprias percepções e atuam de forma previsível tanto quanto imprevisível. As questões e problemas de interesse se voltam, então, para o modo como as formas estruturais e as ações de pessoal se inter-relacionam e produzem tensões que estimulam mudanças ao longo do tempo.

p.106 (...) Estes modelos são restritos demais. Como afirmou Weick (1979, p.52), “Quando dois eventos quaisquer se relacionam de forma independente, indicar um dos dois como ‘causa’ e o outro como ‘efeito’ é uma designação arbitrária”. A maior parte dos teóricos e “gestores se metem em encrenca, porque se esquecem de pensar de forma circular [...]. Os problemas persistem, porque os gestores (e teóricos) continuam a acreditar que há coisas como causação unidirecional, variáveis dependentes e independentes, origens e conclusões” (Weick, 1979, p.52). Além disso, nos esforços para identificar as causas e os efeitos últimos, as partes mais interessantes das questões supras tendem a ser ignoradas – a saber, a investigação do processo pelo qual os elos se desenvolvem nas relações circulares. Dizer que A causa B e que B causa A é uma predição, mas é intelectualmente estéril, até que se possam explciar os processos pelos quais as relações recíprocas se desenvolvem ao longo do tempo.

6 Jaula de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais (Paul J. DiMaggio e Walter W. Powell)

p.126 Num campo organizacional, os indivíduos passam por uma socialização preventiva das expectativas comuns sobre seu comportamento pessoal, o estilo próprio de vestuário, o vocabulário organizacional (Cicourel, 1970; Williamson, 1975) e os métodos padrão de falar, fazer piadas ou de se dirigir aos outros (Ouchi, 1980). (...) a seleção de pessoal (...) na medida em que os executivos e funcionários-chave procedem das mesmas universidades e são selecionados a partir de um conjunto comum de atributos, eles tenderão a enxergar os problemas de uma maneira semelhante, a considerar como normativamente sancionados e legitimados os mesmos procedimentos, estruturas e políticas, e abordarão as decisões de uma maneira muito similar.

p.131 (...) processos normativos encontrados nas organizações profissionais. Hipótese A-5: Quanto maior for a confiança em credenciais acadêmicas para a escolha do pessoal gerencial e funcional, tanto maior será a chance de a organização se tornar semelhante às outras de seu campo. Os candidatos com credenciais acadêmicas já sofreram um processo de socialização em programas universitários e, portanto, devem ter internalizado, com mais probabilidade que os outros, as normas dominantes e os modelos organizacionais vigentes.

Parte III – O Paradigma Funcionalista no Final do Século XX

7 Ecologistas e economistas organizacionais: o paradigma funcionalista em expansão no final do século XX (Miguel P. caldas e Miguel Pina e Cunha)

8 Ecologia de população das organizações (Michael T. Hannan e John Freeman)

p.159 O enfoque mais comum é sobre a organização e seu ambiente. De fato, essa escolha é tão difundida que parece haver uma compreensão tácita de que as organizações individuais são as unidades apropriadas para o estudo das relações entre a organização e o ambiente.

9 Produção, custos de informação e organização econômica (Armen A. Alchian e Harold Demsetz)

Parte IV – O Paradigma Interpretacionista

10 Paradigma interpretacionista: a busca de superação do objetivismo funcionalista nos anos 1980 e 1990 (Sylvia Constant Vergara e Miguel P. Caldas)

p.224 O que marca a diferença entre o funcionalismo e essas duas vertentes principais que a ele se opuseram nas últimas décadas é nítido, e, mais uma vez, pode-se entendê-la pelo marco de Burrell e Morgan (1979) (...): fundamentalmente, o interpretacionismo questiona o objetivismo arraigado na doutrina funcionalista, enquanto a vertente crítica combate sua tendência à regulação e à manutenção da ordem social, ou seja, a sua falta de engajamento em prol da mudança social.

p.224 A compreensão do interpretacionismo em análise organizacional: (...) a essência da crítica interpretacionista está no objetivismo exacerbado, e até certo ponto limitante, do funcionalismo. Para os funcionalistas, as organizações são objetos tangíveis, concretos e objetivos. Para os interpretacionistas, as organizações são processos que surgem das ações intencionais das pessoas, individualmente ou em harmonia com outras. Elas interagem entre si na tentativa de interpretar e dar sentido ao seu mundo. A realidade social é, então, uma rede de representações complexas e subjetivas.

p.225 (...) três importantes enfoques interpretacionistas: o solipsismo, a fenomenologia, e a hermenêutica.

p.225 Realismo e idealismo: Os racionalistas e os idealistas têm servido de suporte ao estudo das organizações. Os primeiros, iluminando o funcionalismo, tão caro à prática da Administração, bem como pesquisas cuja metodologia é amparada pelos pressupostos positivistas. Os idealistas, por seu turno, têm iluminado reações ao funcionalismo/positivismo. Veja-se, por exemplo, os trabalhos de David Silverman, de Karl Weick e os da linha marxista. Silverman, em The Theory of Organization (1971), apresenta uma teoria com enfoque subjetivista, orientada para uma interpretação da ação humana. Weick, cuja influência em estudos organizacionais tem sido expressiva, argumenta em sua clássica obra The Social Psychology of Organizing (1969) que as organizações são processos de natureza dinâmica e fluida. Tais processos, produzidos pela ação humana, mudam cooperativa e conflitantemente. Organizações são verbos, não substantivos. (...) O texto Daft e Weick (1984) deve ser visto como uma amostra a esse tipo de orientação interpretacionista, subjetiva e fluida, da interação humana em organizações.

p.226 Pesquisas empíricas de cunho objetivista buscam identificar relações entre variáveis, estabelecem hipóteses, testam-nas, utilizam critérios probabilísticos para a definição de amostras, usam instrumentos estruturados para a coleta de dados e técnicas estatísticas para o seu tratamento. Buscam a generalização. Pesquisas empíricas de cunho subjetivista contemplam a visão de mundo dos sujeitos, definem amostras intencionais, selecionadas por tipicidade ou por acessibilidade, obtêm os dados por meio de técnicas pouco estruturadas e os tratam por meio de análise de cunho interpretativo. Os resultados obtidos não são generalizáveis.

p.227 Paradigma interpretacionista: Na visão de Burrell e Morgan (1979), o paradigma interpretacionista abraça um amplo espectro de pensamentos filosóficos e sociológicos que compartilham a característica comum de tentar compreender e explicar o mundo social a partir do ponto de vista das pessoas envolvidas nos processos sociais. Incluem nele o solipsismo, a fenomenologia e a hermenêutica. Embora com características distintivas, esses pensamentos têm em comum a preocupação em compreender a experiência subjetiva dos indivíduos. Suas teorias são construídas não do ponto de vista do observador da ação; antes, daquele que age. A realidade social, para eles, é um processo emergente, uma extensão da consciência humana e da experiência subjetiva.

p.228 O interacionismo simbólico tem suas origens no trabalho de George Herbert Mead (1863-1947), porém esse termo (interacionismo simbólico) foi cunhado por Herbert Blumer, seguidor de Mead (Blumer, 1986). Ao trabalho de Blumer se contrapõe o trabalho de Manford Kuhn. O primeiro personifica a Escola de Chicago e o segundo, a de Iowa (Fine, 1993; Haguette, 1987). (...) eles têm em comum a crença segundo a qual a pessoa age em relação a algo – pessoas ou coisas –, com base nos significados que esse algo tem para ela. Tal significado não só se origina de algum tipo de interação social, como também é estabelecido e modificado pela interpretação das pessoas sobre outras pessoas e coisas (Blumer, 1986; Bryman, 1995). As situações de interação são construções fenomenológicas (Denzin, 1983). O interacionismo simbólico sublinha o aspecto subjetivo do comportamento humano presente no grupo social e tem como princípio fundamental que pessoas, individual ou grupalmente, existem em ação. É o organizing, de que nos fala Weick. [...] (diferentemente da etnometodologia,) o interacionismo simbólico focaliza o contexto social no qual os indivíduos, ao interagir, empregam uma variedade de práticas para criar e manter definições particulares do mundo; realidades e fatos são criações sociais.

p.229 Pesquisa organizacional interpretacionista no Brasil: Se a incipiente produção com inspiração interpretacionista no Brasil já mostra grande riqueza, parece óbvio que em termos de direção de pesquisa futura o interpretacionismo tem significativo potencial de contribuição à área de estudos organizacionais no país. As direções e caminhos dessa produção são inúmeros, e se revelam em diversas dimensões. É bem verdade que ainda há um grande volume de trabalhos de orientação subjetivista que, talvez pela carência de referencial alternativo à hegemonia objetivista, inadequadamente utilizam a base funcionalista, sempre mais acessível e bem recebida no país. Também há aqueles cujos autores afirmam usar tal ou qual método sem que, no entanto, essa afirmação se confirme aos olhos do leitor atento. A exploração mais detida do referencial interpretacionista poderia dar a muitos desses autores maior conforto epistemológico, maior adequação metodológica, bem como maior profundidade e ressonância às suas conclusões.

p.230 (...) Podemos nos perguntar: O que é uma organização? Empaticamente nos colocando como interpretacionistas, dizemos: organizações são processos, são teias de significados, de representações, de interpretações, de interações, de visões compartilhadas dos aspectos objetivos e subjetivos que compõem a realidade de pessoas, de movimento, de ações de pessoas individual, grupal e socialmente consideradas. Não é sem alguma razão que muitos pesquisadores, motivados a estudar diversidade, paradoxo, cultura, poder, processos de comunicação, organizações culturais (altamente simbólicas) e organizações prestadoras de serviço, têm abraçado essa corrente de base subjetivista. / No entanto, o esforço agora é de superar a dicotomia objetivismo/subjetivismo.

GODOY, A.S. Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. RAE – revista de administração de empresas, v.35, n.2, p.57-63, 1995.

MENDONÇA, J.R.C. Interacionismo simbólico: uma sugestão metodológica para a pesquisa em Administração. In: ENANPAD, 25., 2001, Campinas. Anais... Campinas, ANPAD, 2001.

MOREIRA, D.A. Pesquisa em administração: origens, usos e variantes do método fenomenológico. In: ENANPAD, 26., 2002, Salvador. Anais... Salvador: ANPAD, 2002.

MOREIRA, D.A. O método fenomenológico na pesquisa. São Paulo: Pioneira Thomson, 2004.

11 Organizações como sistemas interpretativos: em busca de um modelo (Richard L. Daft e Karl E. Weick)

12 O melancólico declínio, o misterioso desaparecimento e o glorioso triunfo do interacionismo simbólico (Gary Alan Fine)

Parte V – Abordagens Críticas e Pós-modernas

13 Teoria crítica e pós-modernismo: principais alternativas à hegemonia funcionalista (Marcelo Milano Falcão Vieira e Miguel P. Caldas)

14 Modernismo, pós modernismo e análise organizacional: uma introdução (Robert Cooper e Gibson Burrell)

15 Hora da verdade: condições e prospectos para os estudos críticos de gestão (Valérie Fournier e Chris Grey)