A velhice e as perdas naturais


A VELHICE é o prêmio dos que souberam administrar
E vencer as etapas da vida com sabedoria, e com
AS PERDAS NATURAIS, registrou uma biblioteca de experiências e exemplos para os que ainda vão chegar lá.

COM CARINHO
ANGELICA GOUVEA

 

 

 

O tempo passou e a velhice chegou. E agora?

 

A juventude é um período que favorece muitas fugas. A vitalidade do corpo, a vida agitada, os muitos compromissos, as múltiplas possibilidades, tudo faz com que esse tempo da vida seja naturalmente dinâmico. A impulsividade é a marca dessa fase.

 

Com o passar do tempo, essa dinâmica vai se transformando. Vamos ficando mais lentos, mais criteriosos, e o leque que antes era formado de inúmeras possibilidades vai se tornando mais estreito.

 

São as estações da vida e suas mudanças constantes. São os encaminhamentos naturais do tempo a nos conduzir ao lugar da pergunta - E agora? O tempo passou e a velhice chegou. E agora?

 

A escritora mineira Adélia Prado fala, de forma muito interessante, dos impactos da velhice na vida humana. No poema “Pedido de adoção”, a escritora identifica na personagem a saudade de ter a mãe. Esta orfandade é reconhecida no auge da velhice, momento da vida em que os limites a aprisionam fazendo-a querer os mesmos cuidados que as crianças. Veja com que beleza e simplicidade a autora faz a leitura desse sentimento.

 

Estou com muita saudade

de ter mãe,

pele vincada,

cabelos para trás,

os dedos cheios de nós,

tão velha,

quase podendo ser a mãe de Deus,

– não fosse tão pecadora.

Mas esta velha sou eu,

minha mãe morreu na roça,

os olhos cheios de brilho,

a cara cheia de susto.

Ó meu Deus, pensava

que só de crianças se falava:

as órfãs.

 

O sentimento da orfandade lhe confere a coragem de querer o retorno no tempo, de driblar a crueza de sua idade e reivindicar o direito de ter um colo onde deitar a cabeça e receber os cuidados maternos.

 

A personagem manifesta o desejo de voltar a se enrolar no tecido da descendência, como se quisesse suturar sua carne já envelhecida à carne jovem de sua mãe, que só existe em suas saudades, e assim rejuvenescer.

 

É a personagem diante do fato inevitável de que o tempo passou e que agora, velha, como um dia estivera sua mãe, reconhece em sua alma a mesma condição em que costumamos classificar as crianças órfãs.

 

A personagem e a velhice. Destino inevitável que os pés humanos encontrarão ao longo da existência. Não há outro jeito. É regra da vida. Envelhecer é um processo natural. O corpo que antes possuía uma vitalidade extraordinária, aos poucos, bem aos poucos, vai se curvando aos ditames do tempo. Estamos expostos aos efeitos do chronos, o tempo que passa.

 

Desde o nascimento, o corpo se encaminha para o seu processo final. Nasce direcionado para o fim, uma vez que o seu percurso terá como meta a sua desmaterialização.

 

Durante esse percurso viverá as diversas fases da vida, extraindo de cada uma delas suas possibilidades e seus limites.

 

 

(Trecho do livro "Quando o sofrimento bater à sua porta" de padre Fábio de Melo)

 

 

 

Foto

Padre Fábio de Melo

Padre Fábio de Melo é professor no curso de teologia, cantor, compositor, escritor e apresentador do programa "Direção espiritual" na TV Canção Nova