AS AVENTURAS NO JARDIM DA D. CARMEM – EPISÓDIO 9 - O CAMALEÃO EM APUROS
- Vamos lá, precisamos sair daqui. O fogo está se alastrando muito rápido. – O Saguim aflito implorava para o Camaleão andar rápido, enquanto um foco de incêndio se alastrava por uma parte da floresta, justamente onde eles estavam.
- Calma, estou indo. – Falou o Camaleão calmamente. – Espere aí, para onde vamos? O bosque é pequeno, se o fogo queimar tudo ficaremos sem casa. E agora, o que faremos? – Choramingou.
- Calma, daremos um jeito. Apresse o passo para sairmos antes que piore, não importa para onde vamos– O Saguim falou tranquilizando-o.
E assim seguiram, o Saguim e seu Camaleão, para qualquer lugar que eles não virassem churrasco. Apesar da amizade dos dois, o Camaleão não era de muitos amigos, referia ficar camuflado a fazer amizades, que segundo ele, sem futuro. Mas, o Saguim pela sua insistência conquistou com muita luta a amizade do Camaleão. Por ser órfão sentiu-se solitário e decidiu que conquistar a amizade daquele carrancudo seria a melhor coisa a se fazer.
***
- Cheiro de fumaça! – Exclamou D. Joaninha.
- Verdade, parece que alguém tocou fogo no bosque. Coitados dos animais que vivem por lá. – Respondeu preocupada D. Abelha. – Espero que o fogo não chegue até aqui, seria um desastre.
- Ô de casa!!! – Chegou já fazendo barulho o Beija-flor atras do néctar presentes nas flores onde elas estavam conversando.
- Meu amigo, vá com calma, deixe um pouquinho do néctar para mim. -Disse espantada a D. Abelha
- Eu sei minha cara Abelha, ainda tenho um pouquinho de juízo. – Falou todo engraçadinho. – Tem um grande foco de incêndio no lado oeste do bosque.
- Estávamos comentando exatamente sobre isso. A fumaça já está chegando aqui no Jardim. – D. Joaninha respondeu meio preocupada.
- Do lado de onde está o foco de incêndio quase não tem animais habitando. É escasso de comida. – Beija-flor complementou enquanto sugava o néctar da flor mais próxima.
A fumaça aumentou, o céu estava cinza e alguns insetos voadores começaram a ir atrás de refúgio no Jardim. Como os residentes fixos eram amigáveis, acolheram numa boa os visitantes. Eram Mariposas, Borboletas, Cigarras, Pirilampos, Lagartas; todos aqueles que encontraram forças para chegarem até lá no Jardim pedir ajuda. Um mutirão foi formado para prestar auxílio, acomodando-os em um lugar seguro. As formigas escoteiras organizaram os lugares para acolhida dos refugiados do incêndio. E as operárias trabalharam duro para que a acolhida desse certo.
- Nosso Jardim não poderá acomodar, caso ocorra, animais de grande porte. Temos vagas apenas para os insetos e vertebrados menores. – D. Aranha, como líder resolveu pôr ordem antes que alguma surpresa viesse acontecer.
Do outro lado da floresta, a fumaça estava insuportável, um grupo de saguins arruaceiros agitados, decidiram sair enquanto era tempo. Pularam de alho em galho, um atrás do outro. De repente deram de cara com algo escondido na folhagem, era o Camaleão Zé camuflado.
- Ai que susto! Seu Zé por que você está aqui escondido? Todos estão migrando para outro lugar sem fogo. – Perguntou o líder do bando.
Todo chateado, o Camaleão saiu das folhagens e respondeu:
- Vão me julgando, bando de bichos feios, estou aqui escondendo-me do gavião que sobrevoou várias vezes bem pertinho dessa árvore. Tive medo e então fiquei escondido debaixo das folhas. O meu amigo Saguim deixou-me sozinho, acho que o fogo o alcançou.
- Como sempre mal-humorado. Pois é melhor o senhor decidir, se não vai virar churrasco de Camaleão igual o seu amigo. – O Saguim aconselhou-o a sair dali o quanto antes. Seguiram caminho pulando pelas árvores, deixando o Zé para trás.
A fumaça aumentou rapidamente, o Camaleão Zé, em seu passo lento foi para o chão na tentativa de ficar a salvo do fogo. Cansado, com sede e sozinho, pois o macaquinho o deixou a própria sorte, pensava se sairia vivo dali. Ele não era tão ligeiro, sem contar que corria o risco de virar alimento para aquele fogo que não parava de se alastrar. Já quase desfalecido viu não muito longe dali uma fileira de casas no fim da trilha que dava acesso ao bosque. Notou que o vento estava contrário, portanto, o fogo não iria alcançar as casas. Ele resolveu que ali conseguiria salvar-se, pois dava para ver um pequeno jardim com árvores frondosas e roseiras e outros tipos de plantas. Daria tranquilamente para se camuflar caso aquele gavião aparecesse.
Subiu lentamente no muro, escalando-o de maneira discreta. Chegando no topo, agarrou-se a uma cerejeira em globo que ficava próximo ao muro. Ele estivera marrom, agora totalmente verde. O bom de ser um lagarto arborícola era a facilidade de mudar de cor, sempre em vantagem sobre os inimigos.
- Detesto mudar de lugar, mas infelizmente fui obrigado pelo fogo e agora estou tentando adaptar-me a esta árvore. – Falou para si mesmo enquanto meditava sobre sua nova situação. Lá de cima da árvore, viu uma movimentação a uns 10m de onde estava. Alguns insetos e aves estavam juntos a acolher alguns animaizinhos da floresta que assim como ele, fugiam do fogo. Pensou em falar alguma coisa, mas achou melhor ficar calado. Estava com muita fome, olhou ao redor e mais acima tinha algumas abelhas sobrevoando umas pequenas flores que brotavam da árvore. Aproximou-se devagarinho e com sua língua elástica e comprida, fisgou quatro abelhas de uma vez só. Não matou a fome, apenas aliviou a dor que sentia no estômago.
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- Socorro, socorro!! – Uma abelha operária vinha voando apressada em direção ao grupo que estava reunido embaixo de uma roseira. – Por favor, tem um monstro na cerejeira. – Avisou aos outros.
- O quê? Não entendi! – Respondeu D. Joaninha para os que estavam perto.
- Acho que aconteceu alguma coisa muito grave. É nítido o seu desespero. – Disse também a Aranha preocupada.
- Calma Operária, explique-nos devagar. – D. Abelha que também estava próxima quis saber o que houve com uma de suas subordinadas.
- Um ser enorme engoliu algumas abelhas que estavam comigo colhendo néctar na cerejeira. Não deu para ver direito que bicho é. – Explicou calmamente a Abelha Operária.
Após as explicações, o grupo resolveu tomar as devidas providências. O Pardal quando soube através de outros insetos que havia um intruso no Jardim, ofereceu-se para ir à cerejeira saber exatamente qual bicho estava na árvore, pois, a fofoca espalhou-se rapidamente e cada um que dissesse um bicho diferente causando um certo alvoroço no Jardim da D. Carmem.
O Pardal devagar voou em direção a cerejeira procurando o intruso. Inicialmente não viu nada estranho, achou até que aquela Abelha Operária estivesse equivocada. Até que já pensando em desistir de procurar por um possível invasor, percebeu algo se mexendo entre as folhas, foi para mais perto e o achou: um camaleão-pantera camuflado entre as flores da cerejeira.
- Ahá, então é você o causador por todo o alvoroço aqui no jardim? Tem vergonha disso não, senhor Camaleão Zé? – O pássaro já o conhecia da floresta. O réptil era um velho conhecido do Pardal.
- Vim fugindo do fogo, alastrou-se rapidamente e atingiu minha casa. Não tive outra escolha a não ser vir para cá. – Olhou-o em silêncio. Falou: - Mas que alvoroço? Até agora não vi ninguém, apenas fiz uma refeição rápida e ainda estou com fome.
- Continua sínico mesmo! Aqui neste jardim é proibido comer os insetos e os não insetos. Vivemos em paz e harmonia, por sua causa os moradores daqui estão em pânico achando que existe um monstro na árvore. – Irritado agiu de forma impulsiva. – Pois pode arranjar outro lugar para ficar, aqui não cabe você.
- Sr. Pardal, eu não tenho para onde ir. Deixe-me ficar aqui, você sabe que não costumo mudar de casa, foi uma urgência. – Suplicou o Camaleão Zé.
O lagarto era conhecido do Pardal há muito tempo, realmente ele não é de confusão, mas tem uma fome descontrolada. O medo é que se deixá-lo ficar, ele acabe por comer sem limite provocando um caos no Jardim. Teria que haver um jeito de ajudá-lo. Primeiro haveria de convencer os outros de que não se tratava de um monstro.
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D. Aranha, Joaninha, Abelha, algumas Formigas, todos, inclusive os demais insetos estavam esperando pelo Pardal. Já passava do meio-dia e nada dele aparecer com notícias.
- Será que o monstro comeu o nosso amigo? – Ansiosa Joaninha exclamou aflita. – Meu Santo mosquito, que não tenha acontecido nada.
- Deixa de falar bobagem Joaninha, ele deve estar a caminho. – Rebateu o Bicho-pau escorado num galho ouvindo tudo.
Mais insetos chegavam e uma aglomeração formava-se embaixo da Cerejeira. Passados alguns minutos, o Pardal apareceu voando rápido até pousar num tijolo esquecido, preparando-se para relatar tudo para D. Aranha e D. Abelha:
- Bem, realmente existe um ser na árvore, especificamente um réptil maior que todos nós. – Falou em alto e bom som.
Um burburinho formou-se e o desespero tomou conta deles. Após muita insistência, o silêncio foi estabelecido e ele continuou:
- Calma, o indivíduo em questão é um camaleão-pantera conhecido por Zé. Ele tem o hábito de mudar de cor para proteger-se dos inimigos, por isso as abelhas não o viram camuflado entre as flores de cerejeira. Não costuma arranjar confusão, o fato de ele ter comido algumas Abelhas-Operárias não o torna um monstro. – Olhou para todos continuou. – O Lagarto veio parar aqui devido ao fogo que consumiu toda sua moradia, o pé de manga onde morava foi destruído pelo fogo e o coitado não tem para onde ir. – Olhou para D. Aranha, líder do Jardim, e só com o olhar implorou para que ele ficasse naquela árvore.
- Não sei se será uma boa ideia deixá-lo morar aqui. Ele é um predador de insetos e sei perfeitamente do que ele gosta de comer. – Meditou um pouco para decidir o que fazer. – Pardal traga-o aqui, preciso vê-lo para decidir qual a melhor solução.
Em menos de um minuto lá estava o Camaleão todo envergonhado diante de tantos insetos, parecia até um tribunal onde o réu seria ele. Antes que o condenassem, tomou fôlego e falou bem baixo apenas para D. Aranha ouvir:
-Quero pedir desculpas pela intromissão e por me alimentar daquelas inocentes Abelhas. Não foi minha intenção provocar a fúria de vocês. No meu cardápio entra todo tipo de inseto, porém estou disposto a entrar num acordo em troca de uma moradia segura. – Assim que terminou, escondeu-se em um arbusto próximo. O tumulto recomeçou e xingaram o coitado de tudo que não presta.
Imediatamente, D. Aranha exigiu que todos ficassem quietos. Pensou numa melhor solução. Chamou o Pardal mais uma vez e outros bichos que o conheciam para dar a palavra final.
- Queridos habitantes do jardim, estou aqui para comunicá-los sobre a decisão que tomei em relação ao nosso invasor, Camaleão-Pantera. Para defender-se do fogo na floresta veio parar em nosso jardim à procura de refúgio. Porém, sabemos que a base da sua alimentação é insetos, desta maneira seria um risco deixá-lo aqui conosco. – Pausou e olhou para o aglomerado de seres que a ouvia atentamente. – Logo, houve uma longa conversa com ele sobre sua possível permanência aqui no Jardim, vários questionamentos foram expostos para que uma decisão séria fosse tomada sem prejudicar ninguém.
Enquanto a reunião seguia, o réptil camuflado nos arbusto esperou sua vez de falar. D. Aranha pediu que ele viesse de onde estava escondido para terminar o pronunciamento. Notou um recuo de alguns e tranquilizou-os dizendo:
- Calma, não irei machucá-los. Apesar da minha aparência e fama de comedor de insetos, peço perdão novamente pela vida das quatro abelhas-operárias. Prometo que não tocarei em nenhum ser vivo deste Jardim. Quanto a fome que sinto sempre, irei supri-la fora dos muros do jardim. – Esperou alguém manifestar-se, dessa vez permaneceram em silêncio. – Peço a todos um voto de confiança, pois dou minha palavra de que serei honesto para cumpri-la. – Esperou a ordem e voltou para seu lugar.
Todos os habitantes do jardim ficaram atônitos com a humildade do Camaleão. Ele simplesmente depois de falar ajoelhou-se esperando a permissão da líder, D. Aranha. A essa altura, todos já se convenceram de que ele não descumpriria sua palavra.
- Como vocês viram e ouviram, o nosso invasor deu sua palavra de que não causará danos a nossa convivência aqui. Então, diante disso tudo que acabaram de presenciar, decreto a permanência do recém-chegado Camaleão-pantera no nosso amado Jardim. – Palmas, batidas de asas e caldas foram ouvidas após o veredito da Aranha.
Os dias se passaram em plena alegria para alguns e insatisfação para outros que apesar da paz, não confiavam inteiramente no novato. Ele por sua vez, só saía da Cerejeira, lugar que escolheu como casa, para comer. E de onde ele ficava dava para ver tudo de cima, tornando-se assim o vigia oficial do Jardim junto com o Pardal que avisavam de algum perigo iminente.
Quem vê cara, não vê coração!
Débora Oriente