A roupa nova do rei (outra versão)
A roupa nova do rei (outra versão)
Os reis que eu conheço são os reis inventados nas estórias e são donos das pessoas e da vontade das pessoas de maneira que tem que ter sempre os seus desejos atendidos mesmo que impossíveis. O único poder maior do que o poder dos reis inventados é o poder da natureza que decide quando chove e quando faz sol, quando é noite e quando é dia.
Essa estória de rei não fui eu que inventei, mas mostra como os escritores inventavam que os reis eram.
Não me contaram quando nem onde, mas que existiu um desses reis inventados muito vaidoso e tudo que o reino produzia o rei gastava com roupas bonitas e caras enfeitadas com muito ouro e pedras preciosas. O povo do reino daquele rei mal tinha para comer e beber e viviam em cabanas precárias e sem nenhum conforto porque tudo que faziam o rei confiscava em forma de impostos para gastar com sua caríssima mania de se vestir.
Outra coisa comum nos reis das estórias, é a falta do que fazer e por isso sempre estão fazendo alguma coisa para evitar o tédio. Como ele não podia fazer o sol brilhar a noite pra poder passar mais tempo diante do espelho experimentando roupas, nem parar a chuva para poder passear nos jardins e o povo ver como era elegante e bem vestido, o nosso rei decidiu que seria o dono da roupa mais bonita e cara do mundo. Chamou seus soldados e criados de confiança e ordenou-lhes que encontrassem o melhor alfaiate do mundo e o trouxessem sem demora ao palácio.
Poucas horas depois diante do rei o alfaiate que se apresentava como o melhor do mundo dizia: — Saiba ó magnífica majestade que eu posso costurar para vossa alteza a roupa mais deslumbrante, mais cara e preciosa que o mundo já viu e ainda com uma vantagem enorme que é poder testar a honestidade e o caráter dos seus súditos porque só as pessoas honestas, sinceras e de bom coração poderão ver a roupa.
— O tecido é feito de seda, mas não é qualquer seda. As lagartas que fabricam esse fio são alimentadas com folhas de ouro no lugar de folhas de amoreira então produzem casulos dourados. — Uma fada minha amiga desenrola os fios do casulo e tece o pano, e como todo mundo sabe mãos de fada são as mais delicadas e habilidosas do mundo.
— Por ser feito por mãos de fada, o tecido é mágico e não é qualquer um que pode ver, apenas pessoas honestas sinceras e de bom coração.
O rei como todo bom rei inventado disse: — Muito bem, considere-se contratado.
— Se a roupa ficar boa, como recompensa permitirei que viva aqui no palácio para me servir, porém se eu não gostar ordenarei que seja enviado as masmorras onde receberá apenas um copo de água e um pedaço de pão velho uma vez por dia até o fim da sua vida.
Assim eram os reis das estórias, a recompensa parecia mais um castigo e o castigo era o mais cruel que o escritor podia imaginar.
O trato feito entre o rei e o costureiro, não deveria ser chamado de trato ou contrato, porque o rei simplesmente ordenou que seria assim e ao alfaiate só restava obedecer.
O que o rei não sabia era que o alfaiate nada tinha de alfaiate. Era apenas um súdito inteligente aborrecido com os caprichos do monarca e decidido a castiga-lo.
Todo dia o alfaiate pedia ao rei: — Majestade, minhas lagartas estão com fome. — Dê-me o ouro do seu tesouro para que eu as alimente e elas continuem a fiar.
Quando o rei exigia visitar o local onde as lagartas fiavam, o malandro levava o rei e os nobres que viviam a sua volta até uma sala vazia do palácio que ele reservou para esse fim.
— Olhe, meu rei. — Veja aquela lagarta velha com pelos prateados nas costas. — Aquela é a nossa melhor fiandeira. — Ela já estava para virar borboleta, mas quando ela soube que íamos costurar para o rei ela adiou sua metamorfose para ter a honra de participar da confecção da vossa roupa.
Ela disse que melhor do que voar livre de flor em flor saboreando o delicioso néctar e as refrescantes gotas de puríssimo orvalho nas manhãs ensolaradas de primavera, é ver sua alteza feliz vestindo a roupa mais bonita e preciosa do mundo.
— Olhe as outras também como trabalham sem parar! — Cada uma dando o melhor de si para o esplendor de vossa majestade.
— Veja como a minha querida amiga fada cantarola feliz enquanto transforma o fio em tecido. — Ela disse que o sonho da vida dela é fazer um tecido digno de vestir vossa alteza.
O rei olhava e via apenas uma sala vazia, mas fingia que via o que o costureiro descrevia para não passar por desonesto, insincero e de mau coração aos olhos daqueles que o acompanhavam durante essas visitas e fingiam ver tudo para também não se passarem por desonestos, insinceros e de mau coração.
— Sinta o tecido como é macio e delicado. — Duque e duquesa, Marquês e marquesa, Conde e condessa, Visconde e viscondessa, Barão e baronesa, Generais e capitães aproximem-se! — Toquem! — Vejam esse tom dourado refletindo o sol que entra pela janela!
E todos se fingiam, maravilhados com o tecido que ninguém via, feito com o fio de seda dourado que não existia, mas consumia o tesouro do rei.
O alfaiate devolvia secretamente o ouro que ele tirava do rei aos súditos do reino e verdadeiros donos e prosseguia com a farsa.
Assim as semanas passavam, até quando o rei disse:
— O meu aniversário está próximo. — Eu ordeno que a roupa nova fique pronta até lá porque eu quero vesti-la nesse dia.
— Mas que maravilha majestade! Disse o malandro. — Vossa majestade como sempre surpreende seus súditos com novidades. — Essa de organizar um desfile em sua homenagem no dia do seu aniversário então, é sensacional!
— Verdade! Disse o rei assumindo a autoria da ideia do desfile que sequer passara por sua cabeça ociosa real.
— Desfilarei pela principal avenida do reino vestindo a roupa mais bonita do mundo no dia do meu aniversário e todos os súditos do reino devem comparecer para me ver e admirar.
— Duque e duquesa, Marquês e marquesa, Conde e condessa, Visconde e viscondessa, Barão e baronesa, Generais e capitães! — Ordeno-lhes que organizem o melhor desfile que esse reino já viu para o dia do meu aniversário.
E assim, montaram camarotes para a nobreza, convocaram a banda marcial do reino, avisaram os pipoqueiros, vendedores de algodão doce, quebra queixo e maçãs do amor, para o evento destinado a entrar para a estória do reino do rei vaidoso. Os sorveteiros não foram convocados porque ainda não existiam os sorvetes.
— Duque e duquesa, Marquês e marquesa, Conde e condessa, Visconde e viscondessa, Barão e baronesa, Generais e capitães! — Vistam suas melhores roupas, se enfeitem com suas melhores joias e fiquem a postos para me aplaudir e elogiar quando eu caminhar pela avenida. Ordenou o rei.
— Generais e capitães! — Mandem que os soldados se misturem ao povo e se acharem alguém desonesto, insincero e de mau coração que não pode ver a roupa ou esteja descontente com o desfile, chicoteiem-no e joguem-no nas masmorras.
Na noite anterior ao dia do desfile o rei não dormiu de ansiedade e contrariedade por não poder ordenar a natureza que fizesse amanhecer mais cedo já que ela não se submetia aos caprichos reais.
Quando no dia do aniversário do rei os primeiros raios de sol iluminaram as ruas do reino o rei ordenou que o alfaiate o vestisse com a roupa nova.
— Duque e duquesa, Marquês e marquesa, Conde e condessa, Visconde e viscondessa, Barão e baronesa, Generais e capitães! — Vejam como estou bonito com minha roupa mais bonita do mundo!
— Estás deslumbrante, ó magnifico! Disseram em coro os Duques e duquesas, Marqueses e marquesas, Condes e condessas, Viscondes e viscondessas, Barões e baronesas, Generais e capitães olhando para o rei só de cuecas fazendo pose para o espelho. — Somos realmente privilegiados por sermos os primeiros a contemplar o rei mais bonito do mundo vestindo a roupa mais bonita do mundo.
— Depressa! — Mandem que atirem pétalas de flores ao longo de toda a avenida até formar um espesso tapete de flores para que meus pés reais não toquem o chão por onde a plebe caminha.
— Depois tomem seus lugares e aplaudam com vontade quando eu passar.
E tudo devidamente ordenado e exigido, deu-se o mais memorável desfile do mundo. A multidão aplaudia e elogiava sem cessar o monarca caminhando todo pomposo pela avenida vestindo apenas cuecas e a coroa, até que os aplausos e elogios se converteram em risos de zombaria quando uma criança desconhecendo a declaração do malandro alfaiate de que só veriam a roupa os honestos, sinceros e de bom coração, com toda sua honestidade sinceridade e bom coração, gritou para a multidão:
— Olhem lá! — O rei está nu! —Viva o rei peladão!
A verdade é que as estórias não acabavam assim, olha lá o peladão e pronto, faltou o final feliz.
Após esse vexame o rei se deu conta de toda sua mesquinhez e arrogância, se arrependeu e se redimiu devolvendo ao povo as riquezas confiscadas e governando dali em diante com honestidade, sinceridade e bom coração fazendo daquele reino o melhor reino do mundo para todos que lá viviam.
Ao malandro que se fingia de alfaiate o rei pediu, porque já aprendera a pedir e não só ordenar, que permanecesse no palácio como seu conselheiro real e o alertasse sempre que ele cometesse algum ato de vaidade ou egoísmo.
E assim todos os personagens dessa estória ficaram felizes para sempre.