Papo de Coruja
-- Pense no que lhe digo-- Dizia a coruja para a árvore-- Você precisa entender que o seu todo é constituído pelo conjunto de partes que lhe formam. Algumas você gosta mais, outras você gosta menos, mas todas elas fazem de você quem você é.
A árvore dava de ombros, balançando seus galhos para lá e para cá, sem responder palavra alguma.
A coruja, então, continuou:
-- Você pode se apaixonar pelo azul do céu e esticar seus galhos para a imensa amplidão, deixar que os passarinhos levem suas sementes e crie outras filiais longe de você, mas na tentativa de se esticar tanto não despreze a terra de tal maneira que suas raízes saltem para fora. O azul do céu é bonito, a canção do vento é atraente, mas a terra é o que te mantém firme. Não a despreze. O mesmo vento que te seduz assobiando canções que fazem seus galhos dançarem, pode ser o mesmo vento que arranca suas raízes da terra e leva você para lugares onde talvez você queira estar, mas não deveria estar, porque quando se expõe demais torna-se vulnerável. O vento lhe seduz, mas você pode não gostar de todas as faces que ele tem.
A árvore ouvindo, parou de se agitar, enquanto a coruja continuava a falar:
--A seiva que percorre o seu corpo traz consigo a herança da terra. Sua constituição é muito do que a terra lhe oferece. A quantos ataques você enfrentou e sobreviveu? Verões cujo sol queimava suas folhas, pragas que tentavam sugar sua seiva e destruir suas folhas,chuvas intensas que lhe deixavam embriagada de água. Quantas vezes você pensou que nem sequer frutificaria!
Hoje você é árvore frondosa, você é o resultado de tudo que suportou. Se não tivesse sofrido intempéries, certamente seria uma árvore mais fraca. Mas sua casca grossa, seus galhos fortes, sua sombra frondosa é a soma de tudo que você viveu e continua vivendo.
A árvore sacudiu-se interagindo com a coruja e a ave continuou:
--Por outro lado, não é porque você decide valorizar a terra que você deve se tornar uma acumuladora. Sacuda seus galhos e deixe que as folhas amarelas caiam, que estas sim, o vento leve. Permita-se o renovo! Deixe que outras folhas brotem, não fique olhando para o chão reclamando das folhas que caíram, dos frutos que não amadureceram. Invista seus sentimentos e suas energias para produzir novos frutos maiores e melhores do que aqueles.
Debaixo da árvore, estava sentado um homem que entendia a linguagem dos pássaros e pensando sobre si mesmo, constatou que não valia a pena viver carregado de folhas velhas, lamentando o que poderia ter dado certo e não deu. Que não adiantaria culpar a terra, sua família, suas raízes não seriam os motivos absolutos por sua falta sucesso, o que quer que ele considerasse sucesso. Não adiantaria viver acumulando magoas e ressentimentos, nem lastimar as oportunidades perdidas. Não adiantaria pensar que para ser feliz precisaria viver aventuras em desprezo de suas bases, mas que poderia crescer com mais segurança sabendo de seus alicerces. Ficou refletindo que o mundo que seduz pode ser o mesmo que destrói.
Ele, então, interagiu com a coruja:
--É... Dona Coruja, há muito o que se aproveitar da sua prosa.
Naquele momento, a coruja se espantou de que um humano lhe entendesse, bateu asas e voou. Já o homem assustou-se do sonho que teve enquanto tirava uma soneca debaixo da árvore.Levantou-se e , doravante, seguiu um novo caminho proposto em seu coração.