querubim
por sorte ou azar, destino ou coincidência nasceu em um dia cinza, de chuva e frio, esse mesmo acaso, como sendo uma maldição, sentou sua mão sobre o jovem querubim recém rebento e sentenciou: olhos argênteos e visão limitadas às cores das fumaças e cinzas.
assim foi o rebento do jovem menino alado, já predestinado a não ver as cores do mundo, contudo um dia por mera curiosidade ao ouvir falar de um vulcão que tinha a lava mais vermelha de todos os vermelhos já vistos, não pode se conter e se pôs a voar ao destino flamejante, sua surpresa só não foi maior que a satisfação em perceber que via aquela cor, um rio rubro que pintava as encostas da montanha e as pupilas do querubim.
então é isso? só verei o vermelho? mas por que esse vermelho e não os outros?
decidido a manter a visão de tão bela cor, pensou em uma solução e cortando os céus foi ao encontro de pandora, suplicou por ajuda, explicou que precisava de uma arca, baú, ou uma caixa!! para guardar um pouco da cor que lhe encantara
pandora lhe disse que pegasse a caixa do tamanho que quisesse, ofereceu: veja, nessa caixa cabem todas as cores do mundo, nessa outra cabem apenas 500, essa aqui tem capacidade para 100 cores, qual delas você prefere? certamente quererá ter outras cores em sua coleção!
querubim pensou, considerou, conjecturou, calculou e proferiu: preciso de uma caixa para 7 cores,
apenas 7, 7 são suficientes!
pandora incrédula não se conteve e questionou,
- mas porque 7?
- pense bem na magia desse número pandora:
ouço a música composta por sete notas musicais
vivendo em um dos sete continentes, sensacionais
voando sobre sete mares, de tamanhos desiguais
evitando qualquer um dos sete pecados capitais
pegou a caixa e se foi, pandora não lhe viu mais...
saiu com sua caixa desbravando o mundo, procurou por cores únicas, viajou de pomares em pomares até que encontrou os damascos mais laranjas de todos os laranjas já vistos, adoçou sua visão e guardou um pouco da cor em sua caixa ao lado do seu vermelho afogueado.
seguindo sua busca o pequeno querubim ignorou os conselhos dos serafins e desafiando o destino de ícaro resolveu viajar em direção ao pôr-do-sol desértico nas savanas em busca da próxima cor de sua coleção, quase queimou os olhos mas encontrou o sol mais amarelo de todos os amarelos já vistos, tostou as mãos mas colheu um pouco da cor e depositou em sua caixa ao lado do cítrico laranja.
sua próxima viajem levou o menino alado ao coração das selvas subtropicais, desbravou matas, mangues, montanhas, rios e encontrou pousada sobre a límpida água cristalina uma imensa folha de vitória-régia, a folha mais verde de todos os verdes já vistos, a cor refrescante foi uma alento a pequena caixa, se acomodando ao lado do solar amarelo.
estendendo sua viagem tropical, passou pelas mornas e cerúleas águas caribenhas, salgando, mergulhando e bebendo da cor descoberta, o oceano mais azul de todos os azuis já vistos, molhou a caixa e se postou lado ao verde botânico.
passando sobre belas montanhas encrespadas viu alguns flashes de brilhos escapados pelas reentrâncias das pedras, cavou, martelou, puxou, desceu e encontrou cristais e pedras preciosas mais anis de todos os anis já vistos, era o segundo azul de sua caixa e combinou muito com o seu irmão salgado.
como restava apenas um espaço em sua caixa o pequeno querubim resolveu dar um descanso às suas asas e repousou em um verdejante gramado, que para ele continuava cor de fumaça, diferente das cores cintilantes de sua caixa. pensou em tirar uns momentos de repouso sobre a relva, deitou de lado e viu algo que não pode crer, encontrou sem procurar a sua última cor, um pequeníssimo ramo, frágil galho da lavanda mais violeta de todas as violetas já vistas.
com a satisfação de abrir sua caixa e poder ver as cores mais cores de todas as cores já vistas nosso pequeno amigo alado não cabia em si de emoção, finalmente podia limpar a fuligem de seu olhar prateado quando quisesse.
pegou sua caixa-fortuna-das-cores e rumou céus afora para ir contar à pandora sua boa nova, era tanta a emoção que o jovem querubim não reparou em uma imensa nuvem encapelada que cruzava o claríssimo infinito como um trem sem freios, quando deu-se por conta não teve tempo de evitar o atropelamento celeste.
esmagado pela gigante branca (que ironia) o querubim pereceu, e não mais foi visto, fora engolido pelo mar branco, formado por todas as cores...
da pequena caixa além da lembrança das cores colhidas, restou o rastro-testamento, enquanto a nuvem seguia seu caminho infinito, arrastava em seus trilhos a caixa aberta, vazando de cores no céu, um caminho a ser colorido.
ironicamente, o querubim que nasceu em um dia escuro se foi em um dia claro, e aquele que veio ao mundo condenado a não ver as cores, entrou para memória da história no exato instante que no céu nasceu o primeiro arco-íris.
@sao_so_letras