A Testemunha Que Não Fala

Na pequena cidade de São Silvestre, onde os dias eram longos e as noites tranquilas, vivia uma coruja chamada Aurora. Ela era conhecida por todos como a guardiã da sabedoria, pois suas grandes asas carregavam não apenas o vento da noite, mas também os segredos que observava do alto das árvores. Aurora era a testemunha silenciosa de tudo o que acontecia no vilarejo, mas havia uma regra que sempre seguia: nunca falar. Seu silêncio era sua virtude, pois ela sabia que palavras, uma vez proferidas, não podiam ser desfeitas.

Certa noite, sob a luz pálida da lua, um jovem chamado Marcos caminhava pelas trilhas da floresta. Ele estava perturbado, carregando em seu coração o peso da desconfiança. Tinha um amigo de infância, Ricardo, com quem sempre dividia tudo. Contudo, uma semente de dúvida havia sido plantada em seu coração, e agora cresceu, enraizando-se em sua mente.

Enquanto caminhava, Marcos ouviu o som suave das asas de Aurora, que voava de galho em galho, observando-o. Ele sabia que a coruja era sabia e, em sua angústia, sentia que talvez ela pudesse guiá-lo. Decidiu parar e falar com ela, na esperança de encontrar respostas para sua inquietação.

“Aurora, sei que pode me ouvir”, disse Marcos, olhando para cima. “Meu coração está dividido, e a desconfiança em relação ao meu amigo me consome. Como posso ter certeza de que ele não me trairá?”

Aurora permanece em silêncio, apenas fixando seus olhos penetrantes em Marcos. Ela sabia que, se falasse, poderia tanto aliviar quanto destruir. As palavras, quando usadas sem cuidado, eram como lâminas afiadas.

Marcos, frustrado pelo silêncio da coruja, continuou “Você sabe de algo que eu não sei? Ele já me traiu? Você está guardando algum segredo que eu deva temer?”

A coruja, com seus olhos sábios, inspirou o jovem por mais alguns momentos e, então, alçou voo, deixando-o sozinho com seus pensamentos.

No dia seguinte, Marcos encontrou Ricardo no campo. A dúvida ainda pesava em seu coração, mas, desta vez, ele decidiu agir. Com a mente envolta na escuridão da desconfiança, então confrontou Ricardo, acusando-o de traição, sem provas, sem fundamento, apenas com base na sombra que cresceu em seu próprio coração.

Ricardo, questionado e ferido pelas acusações, tentou se defender, mas as palavras de Marcos eram cortantes e implacáveis. O que antes era uma amizade inabalável começou a ruir, não por causa de um ato de traição, mas por causa de um medo não fundamentado. A confiança, uma vez abalada, feriu ambos, deixando cicatrizes que nunca poderiam se curar.

Aurora, de volta ao seu ninho, observava tudo de longe. Ela sabia que a confiança é um fio delicado, que quando rompido, pode deixar um rastro de dor. O silêncio que manteve foi sua forma de ensinar uma lição: às vezes, as respostas que buscamos não estão nas palavras dos outros, e sim no que carregamos em nossos próprios corações.

Assim, a coruja continua a ser a testemunha que não fala, pois entendeu que a confiança é como um vaso de cristal – uma vez quebrado, nunca mais é o mesmo, e seu valor está na delicadeza com que é tratado. A cidade de São Silvestre, naquele momento, aprendeu que a confiança, quando machucada, pode transformar até as mais belas amizades em memórias de dor.

E a lição de Aurora ficou marcada nas noites seguintes, em cada som de asas que rasgava o silêncio da floresta: as palavras têm poder, mas o silêncio também pode ser uma resposta. A melhor resposta.

Junior Lima (Messias)
Enviado por Junior Lima (Messias) em 21/08/2024
Reeditado em 21/08/2024
Código do texto: T8134083
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