O velho e a tartaruga

Era para ser só mais uma caminhada do Velho Bá.

Rotineiramente, após a sonhada aposentadoria, o Velho Bá saía para as suas caminhadas. Um percurso fácil, se não fosse pela subida bastante íngreme até o início da trilha. Costumava fazer suas caminhadas numa mata ciliar cercada por pequenos córregos e um bonito lago. Um ecossistema riquíssimo. Sapos, tartarugas, peixes, marrecos e patos selvagens viviam em harmonia no bonito lago. Ninguém pescava ali, o Velho Bá cuidava do lago e dos animais como se fossem dele. Já saía de casa com pequenas porções de ração para os peixes, folhas verdes para as tartarugas e milho e pães dormido para as aves. Costumava conversar com os animais enquanto os alimentava.

_ E aí, as folhas estão macias tartaruguinhas? Vocês sapinhos, não precisam, sabem procurar sua própria comida, vê se comem todas as moscas que aparecem por aqui! Tchau! Amanhã estarei de volta!

Assim seguia a vida simples de aposentado do Velho Bá. Quando encontrava um ninho de passarinhos nas proximidades da trilha, acompanhava até o nascimento dos filhotes. Protegia os ninhos dos predadores e sabia de toda rotina da mãe passarinha no chocar dos ovinhos. O Velho Bá era realmente um senhor de muita sorte! Envelhecer rodeado de natureza, sem dúvida, lhe proporcionaria longos anos de vida a mais, para usufruir da sua aposentadoria.

Mas naquele fatídico dia, aquela amizade cordial entre o Velho e os moradores do lago seria abalada.

Como sempre, acordou no seu horário habitual. Enquanto fazia sua primeira refeição, rica em frutas e fibras, ia montando a sua sacolinha de alimentos para levar. Passaria no lago e seguia. O roteiro não mudava nunca. Quando pegou sua garrafa de água, o celular tocou. Era seu filho avisando que viria visitá-lo no final de semana. A conversa demorou mais do que deveria. O sol já tinha saído quando o Velho Bá conseguiu sair.

- Nossa! Estou atrasado! Os coitados dos animais devem estar morrendo de fome. O sol já está alto. Passou no lago, distribuiu toda a comida e seguiu para a ladeira que dava acesso a trilha. Enquanto subia, secava o suor.

_ Está muito quente! A caminhada não vai render hoje!

Quando o Velho estava chegando no topo da ladeira, viu alguma coisa se movendo na sua frente.

- Será uma cobra? Um lagarto?

Foi aproximando.

_ Não acredito! Você se perdeu do lago tartaruguinha? Por isso que não te vi no café da manhã! Coitadinha!

Com muito cuidado, pegou a suposta tartaruga perdida e a abrigou nas mãos. Enquanto isso o animal se esperneava querendo se libertar.

_ Calma! Vou te ajudar a voltar para o lago. A caminhada já perdi mesmo!

Pegou o caminho de volta, protegeu o animal do sol, com a sua toalha de secar o suor, foi descendo a ladeira devagar, cuidadosamente. A tartaruga desesperada esticava as pequenas pernas na tentativa de escapar daquelas imensas mãos.

Quando chegou no lago foi soltando devagarinho, cuidadosamente para não estressar mais. Porém, quando a tartaruga se viu livre, encontrou uma oportunidade e deu uma forte mordida no polegar do Velho Bá, que gritou, segurando o dedo sangrando quase pendurado:

_ É assim que você agradece? Acabei de salvar sua vida! Estava perdida num sol de quase quarenta graus! Mal-agradecida!

A tartaruga voltou-se, com cara de poucos amigos e disse:

_ Tu sabes que horas da madrugada iniciei esta subida para buscar um lugar tranquilo para depositar meus ovos?

Moral da história: De boas intenções, o inferno está cheio.