NUNCA CONFIE NOS HOMENS SORRIDENTES
Estavam, há horas, pousados num fio de energia elétrica um bando de passarinhos bem pequenos. Não eram pardais, sabiás, nem rolinhas, joães-de-barro ou tico-ticos. Não sei de qual espécie eram aquelas avezinhas marrons, inexpressivas. Eram muitas, quase uma centena. Todas encolhidas, taciturnas, imóveis e desesperançadas. Naquela manhã estava bastante frio, por isso se amontoavam, algumas tão encostadas em outras que quase formavam um único corpo. Ora miravam a plantação de tomates ainda verdes abaixo, ora olhavam para o vazio à frente e não se cansavam disso. Vez ou outra se entreolhavam e voltavam a fixar o horizonte perdido Não se decidiam.
Numa rara brecha no poleiro improvisado pousou um pequenino pássaro, diferente dos demais, mas bastante conhecido por eles.
- E aí Tião, por que vocês estão todos trepados neste imenso ramo sem folhas?
- Não sei não Zil, saí voando bem cedinho do ninho procurando comida, vi a Josefina. a Matilde e o Rildo vindo para cá e resolvi fazer o mesmo. Todos os outros já estavam aqui, o Rafael, o Beveldere, o Ronaldo e até o Sinfrônio. Estamos aqui esperando para ver o que vai dar!
- Mas não é perigoso Tião? Se um predador aparecer? Aqui não há vegetação para se esconder, não se tem escapatória!
- Se é perigoso não sei, quem vai saber? Se todos estão aqui, então está tudo certo. Estamos acostumados a descansar sobre este tipo de galho e nunca aconteceu nada de anormal. Além do mais os gaviões parecem ter medo deste lugar, passam longe, ficam olhando, mas não se atrevem a chegar perto.
- Responda-me uma coisinha Tião, o que tem de especial aqui? Os tomates estão verdes, não dá nem para beliscar! Nada vai mudar, então não tem o que esperar, não é mesmo?
- Ah, você e suas perguntas difíceis heim! Sei não, só sei que se a maioria escolheu pousar neste galho deve ser algo bom. Se não fosse bom todo mundo saberia. O que importa é que estamos a postos, esperando não sei o quê, o resto realmente não interessa!
- Você ainda está com fome Tião?
- Claro, não comi nadinha desde que vim para cá.
- Bora lá procurar comida então!
- Quero não, aqui parece haver algo mágico. Nem a chuva, nem a fome faz a gente querer arredar pé deste lugar! Aqui nós temos esperança.
- Esperança? Não consigo entender a vantagem de ficar aqui parado, com fome, sem fazer nada. Esperando Deus sabe o quê! Desculpe Tião, mas está muuito esquisito. É loucura ou burrice demais para o meu bico! Veja aqueles humanos mascarados carregando nas costas sacos e mais sacos de pó branco, não param de abastecer suas máquinas fumacentas...aqui tem coisa!
- Como você é desconfiado Zil, aqueles homens são bons e de confiança, passaram aqui pertinho um monte de vezes. Ficaram sorrindo, admirados com nossa formação quase perfeita. Tiraram retrato da gente e disseram que era pra gente continuar firme. O Valdir "Asa Torta", lá do brejo, disse que esses sujeitos sorridentes costumam deixar um monte de farelo no chão para a passarinhada se banquetear. Pode perguntar para ele lá no final da fila!
- O quê? Farelo de graça? Você tá louco!Agora sim, acho melhor ir embora. Nunca confiei nas aparências, principalmente dos homens sorridentes.
- Nem tanto Zil, nem tanto! A maldade não está no sorriso, está nos olhos e no coração.Tião filosofou.
Mal ruflou suas asinhas Zil escutou uns estalidos e pequenas explosões, seguidas da barulheira dos motores que acabavam de serem ligados. Inicialmente, a fumaça foi se espalhando lenta e rasteira por entre os canteiros. Ficou pairando imóvel por breves momentos, contorcendo-se em suaves vagas. Uma bruma sinistra foi aos poucos ocultando tudo abaixo. Quase não se via mais o tomateiro. Bastaram algumas lufadas de vento para elevar toda aquela fumaça branca até à passarada atônita.
De longe, bem lá do alto, Zil assistiu seus amigos despencando mortalmente em série, não resistiam à letalidade do agrotóxico.