A LEI DA SELVA
Numa noite de verão amazônico, uma paca saiu de sua toca, solitária e faminta, em busca de comida. Na floresta, ela não demorou muito e logo encontrou uma castanheira com dezenas de ouriços espalhados pelo chão. Enquanto a paca se deliciava com aquele saboroso banquete, ela, atenta, observou um feixe de luz que descia da copa daquela árvore. — Quem está aí? — perguntou a paca.
A sucuri pensou um pouco e para não revelar a sua verdadeira identidade, respondeu: — Sou eu, o vagalume! — O que você faz aí em cima, senhor vagalume? — O mesmo que você aí em baixo, senhora paca! — Não é possível, você também come castanha? — Sim, eu também estou em busca de comida! — Ah sim, entendi, igualzinha a mim — a paca respondeu fazendo-se de desentendida.
Não obstante, a paca continuava comendo suas castanhas, mas com o sinal de alerta ligado ao máximo. — E você, se alimenta de quê? Ou melhor, qual é o seu alimento preferido? — voltou a perguntar a paca. — Eu me alimento de...
A sucuri parou, pensou um pouco — ela não queria passar mais uma noite com fome — e em seguida respondeu: — Eu também me alimento de frutas! — Então venha, desça daí, vamos saborear essas deliciosas castanhas!
A sucuri descia toda feliz da frondosa castanheira quando a paca percebeu que aquela bola luminosa de antes agora se dividia em duas. — Senhor vagalume, o que são esses dois feixes de luzes que você carrega na cara? — Ora, ora, senhora paca, são os meus olhos, a senhora não está vendo?
A paca ficou ainda mais desconfiada e com os sentidos ligados. — Eu aprendi que vagalumes carregam apenas um farozinho nas costas e que eles acendem e apagam apenas para se localizar na escuridão. — A senhora acha que eu sou o quê, então, dona paca? — Não sei, senhor vagalume, não sei!
E a sucuri, mais uma vez, dissimulando a sua verdadeira intenção, respondeu: — Eu sou sim um pobre vagalume levitando solitário e faminto nessa noite de verão amazônico. — Então prove que você não estar mentindo! — O que a senhora quer que eu faça? — Voe entre as árvores piscando os seus farozinhos — pediu a paca.
A sucuri furiosa, achando que já fora descoberta em seu disfarce, preparou o bote final. Antes, porém, tentou chegar mais próximo da paca.
— Acontece dona paca — disse a sucuri — que essa sua cor marrom-avermelhado e essas suas manchas amareladas me levaram a pensar que você poderia ser uma companheira de jornada nessa noite fria de verão amazônico. — Que romântico senhor vagalume, mas não confunda as coisas. Eu sou uma pa...
A paca nem chegou a pronunciar a palavra toda e a sucuri deu um bote tão certeiro que quanto mais a paca se mexia, tentando se livrar do “abraço da morte”, mais a sucuri apertava o seu corpo, prendendo-lhe a respiração.
Acontece que ao longe um jacaré, vendo aquela luta desigual, se aproximou e tentou dialogar com a sucuri. — Vamos, devore logo essa paca que eu preciso jantar — disse o jacaré. — Como assim, você precisa jantar? — perguntou desconfiada a sucuri.
E o jacaré, abrindo um bocão, avançou para cima da sucuri. — É a lei da selva dona sucuri — respondeu o jacaré. — Não, não e não, o senhor não vai me devorar! — disse a sucuri. Enquanto a sucuri se debatia na boca do jacaré, a paca, num sobressalto, se livrou do “abraço da morte”.
E naquela noite de verão, tendo como testemunha os seres que compunham a fauna e a flora amazônica, a paca saiu em disparada, com sua visão aguçadíssima, mata adentro.