O Rei e a Coruja

Era uma vez, numa terra escondida atrás de nove colinas, um castelo muito sombrio, onde morava um rei muito, muito, mas muito mau! Seu nome era Rodolfo, mas de tão mal que era, o povo lhe chamava de “Maudolfo”.

Maudolfo era magro de ruim, e tinha os bigodes tão longos e negros que estes subiam em direção as suas sobrancelhas pontiagudas e com elas formavam um coração que emoldurava o seu rosto. As más-línguas diziam que isso acontecia para sinalizar visitantes e novos moradores que seu coração era de pedra. De facto, era essa a impressão que dava.

Ninguém sabia a origem da maldade do Rei, mas todos tinham consciência do que ele era capaz. Maudolfo não gostava de crianças, tampouco animais de estimação. Também não gostava de nada que fosse muito colorido. No máximo um verde muito escuro, cor de musgo. Talvez por isso fosse a única coisa que ele deixava crescer em seu castelo. Musgo havia por todos os lados. Mas era só. No jardim, não havia uma margarida, uma rosa, um girassol. Árvores não existiam mais naquela terra: mandara cortar todas, desde que aceitara o cargo, que era herança de seu falecido pai. Existia, inclusive, uma crença de que sua maldade advinha da falta de vontade em assumir o reinado. Era o Rei mal-humorado! Por isso vivia resmungando e impedindo que a natureza florescesse. Queria mesmo era praticar o mal, doesse a quem doesse!

E eram maldades de todos os tipos, desde mandar cortar o cabelo de quem não concordasse em alguma coisa com ele, até enviar seus homens à casa de algum plebeu desobediente para quebrarem um espelho e, assim, a pessoa receber sete anos de azar! E ninguém fazia nada para mudar essa situação, pois tinham todos muito medo da punição.

Até que, numa noite qualquer, algo incomum aconteceu. Uma coruja, que sobrevoava os arredores das nove colinas, avistou o castelo lá de cima, sob a luz de centenas de chamas de fogo, e ficou curiosa. Resolveu, então, chegar mais perto e, se desse sorte, descobrir algo. E, tão esperta que era, assim que pousou ao chão, avistou um pequeno rato farejador, próximo a entrada principal do castelo, e o chamou:

- Ei, pequenino Rato! Pode vir até aqui? – e o ratinho, à coruja, se reportou. – Sou uma visitante curiosa e gostaria de saber: porque é que esse castelo tem um ar tão sombrio e tristonho? E a vegetação local, porque é que não há árvores tampouco jardins floridos?

E o pequenino rato não hesitou em responder:

- Ora, ora, dona Coruja, nunca ouviu falar no Rei Maudolfo? Seu nome de batismo é Rodolfo, mas é um ser humano tão mau, que o povoado inteiro o chama assim. Desde que seu pai, o antigo rei, faleceu e ele assumiu o reinado, vivemos dessa forma, pois Maudolfo não permite que a natureza floresça, tampouco que a população viva feliz! Parece até que nos pune pela morte de seu pai, que morreu de morte natural. Isso não é nada justo, não é mesmo? – e a Coruja, sem pestanejar, concordou com o pequenino rato. E, sentindo-se solidária com o problemão que acabara de ouvir, tramou uma solução.

Na noite do dia seguinte, conforme sugerido pela Coruja, o Rato combinou com as taças de vinho que elas dançariam o “Cha Cha Cha” na mesa do jantar. Os talheres e os guardanapos também se interessaram em ajudar. E assim fizeram. Ao badalar das 21 horas pelo enorme relógio do castelo, a dança foi iniciada. Maudolfo havia tomado duas ou três taças da bebida, e tal qual previsto pela Coruja, começou a se sentir zonzo, desorientado com o que via. “Acho que bebi demais!”, disse o Rei já meio zarolho e… caindo para trás, com a cadeira e tudo!

E sem perder tempo, o Rato e toda a sua família que vivia escondida nos porões do castelo, correram até Maudolfo e, em fileira, como uma maca, transportaram o Rei até o seu quarto. Colocaram-no sobre a cama, tiraram-lhe as botas e, como vingança por toda a maldade que praticara com aquela gente, fizeram-lhe cócegas nos pés! Mas Maudolfo estava tão embriagado e ludibriado com o que vira à mesa do jantar que sentiu o desconforto, mas continuou desmaiado. Então, os ratos já vingados, começaram a sair de seu quarto, um por um, para darem início ao grande plano da Coruja. Bateram a porta bem forte e trancaram-no às sete chaves.

No dia seguinte, bem cedinho, a Coruja apareceu no povoado seguida por vários amigos pássaros, dispostos a ajudar com o seu grande plano. Traziam todos, consigo, sementes das mais variadas possíveis, com as quais fertilizaram toda a área devastada pelo Rei. Paralelamente a isso, o Rato e toda a sua família andavam pelo povoado dividindo com os moradores o grande projeto de recuperação daquela região, e pedindo a compreensão e o apoio de todos naquele período em que não teriam o Rei à disposição, mesmo sendo Maudolfo um rei não muito disposto com as causas alheias. Mas era o único e, agora e por algum tempo, ficaria trancado em seu quarto até que a Natureza se sentisse confiante e voltasse a renascer por ali.

E renasceu. Dias se passaram, meses, talvez anos, e aquela terra atrás de nove colinas era completamente diferente do que fora um dia, sob a direção de Maudolfo, que acompanhou toda a transformação acontecer pela janela de seu quarto, sem nada poder fazer. E na manhã de um belo dia ensolarado, com o perfume das rosas no ar e o canto dos pássaros ao fundo, como há muito não se ouvia piar, a Coruja voltou ao povoado num voo plano e certeiro, pousou no parapeito da janela do quarto de Maudolfo, olhou-o nos olhos e disse-lhe: “Não há, nesta Terra, ser imortal. Seu pai se foi de morte natural. Não culpe aos outros, tampouco puna os que não são merecedores de punição. A Natureza renasceu. Renasça você também.” E, com toda a majestade das aves de rapina, olhou para o horizonte e se pôs a voar.

Foi a primeira vez, em anos, que o Rei teve lágrimas nos olhos. E dali em diante, tocado pelas sábias palavras da heroica Coruja, passou a ser uma boa pessoa e um rei admirado por todos. E um dia, naquele povoado, ninguém mais lembrava que Rodolfo era chamado de Maudolfo. E seus bigodes, junto às suas sobrancelhas, continuavam a formar um coração, mas agora símbolo da ressurreição – sua e de toda aquela gente que, inacreditavelmente, viveu feliz para sempre.

Fim.

Moral da história: A única coisa tão inevitável quanto a morte, é a vida.

CamilaCamellini
Enviado por CamilaCamellini em 06/03/2024
Reeditado em 21/03/2024
Código do texto: T8013639
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