PERU DE COMANDO

No reino dos animais cada espécie convive melhor com as de mesma pluma. Um galo de bico fino quis assumir a liderança do galinheiro. Como teve cortada suas esporas quando era ainda um franguinho, resolveu comprar um bastão para se defender.

Em seu reinado, as ordens eram cumpridas sem deduzidas, porém muitas galinhas não conseguiam botar seus ovos, muitos seres se tornando veganos ou com pena das galinhas. A superpopulação de frangotes batia cabeça no galinheiro. Nada chegava na ponta da linha, digo, nos ouvidos dos pintinhos perdidos.

O galo de bico fino resolveu contratar um peru para repassar suas ordens. O peru se sentiu bastante útil. Era responsável por manter a moral dos frangos elevada, mesmo comendo ração revalidada ou galinha explodida. O Peru carregava a pasta de documentos, virava a noite preparando apresentações, servia de agenda ambulante, secretário e segurança. Ganhou moral, medalhas e tapinhas nas costas, mas não conseguia acasalar, pois estava muito pesado e peruas não eram bem-vindas no galinheiro.

Dizem a bico miúdo que os perus domésticos pensam até 15 kg comendo ração com hormônios de frango. Obesos e lentos já não conseguiam cumprir sua missão de manter a granja informada.

Ávidos goguentos questionaram se poderiam ter amantes ou fugirem para outros terreiros. O galo de bico fino ficou numa sinuca bicado. Arrumava outra função para o peru acumular ou nomeava um substituto? Uma terceira opção se mostrou mais producente: comprou uma fantasia de galo garnisé tamanho médio e mandou o peru se exercitar, fechar a boca e entrar para o clube dos frangos. O medo de comerem seu fígado, ou se preferir, foie gras, o fez repensar sua carreira de intriga nas rinhas e nos celeiros.

Em cinco anos, o peru seria promovido a galo de ronda e teria um trabalho auxiliar de afastar os urubus. O peru refletiu: “daqui até lá estarei com o bico rachado, duas hérnias de disco e cunhado de não ter gasto todas as horas de voo”. Mesmo assim, como assinou o contrato sem óculos, deu as asas a torcer e se animou com a tarefa fantasiosa.

Se tudo desse errado iria aprontar uma “papagaiada”, se separar da loba, aplicar um golpe no seguro de vida, se aposentar isento do imposto de renda e "fuguetar" todos os carnívoros.

Durante o curso de formação de Perus aprendeu que tudo poderia se resumir a verbos. Decorar verbos faz algumas tribos não se esquecerem para que servem, quando questionadas. O verbo mais importante que aprendeu foi o tal do “assessorar”, trocando em moelas: aconselhar.

Conselho é igual a sambiguira ou sobrecu; cada ave tem o seu e usa em proveito próprio.

Bem, meus frangotes, para encurtar esse quinquênio, o peru fez o dever da casa e entrou na roupa de galo garnisé. Largou a corneta e o megafone para outro assoprar os comandos do galo de bico fino.

Agora anda no aperto fantasiado de galo, finge que come as galinhas, as peruas não o querem e passa fim do ano com trauma de papai Noel.

Cantar de galo muitos cantam, mas o óleo produzido para impermeabilizar suas penas cada um produz no seu.

Isaac Machado Azevedo
Enviado por Isaac Machado Azevedo em 11/12/2023
Reeditado em 26/12/2023
Código do texto: T7951769
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