BIU, TALVEZ SEVERINO
BIU, TALVEZ SEVERINO
narrador
Havia uma praça redonda,
Bancos de concreto, flamboyant,
Defronte, uma igreja caiada
Com portas grandes almofadadas;
Onde encostado dormia Biu,
Franzino menino órfão de tudo.
Ao toque do sino se levantava,
Só pelo sereno assistido;
Observava a missa sem nada entender
Mas notava menino do seu tamanho
Bem vestido, compenetrado
Que parecia tudo saber.
Biu
-- Ei , fale comigo, não tenho amigo,
Eu me chamo Biu , talvez Severino
E quero muito lhe conhecer,
Vivo na rua, dizem que é meu destino
Mas não aceito nem quero reconhecer,
Quero muito aprender.
Antônio
-- Sou Antônio e tenho lhe visto,
Parece que muito lhe falta
E acho que posso ajudar,
Vamos conversar com padre Bento,
É gente boa, também será seu amigo,
Conte com ele, conte comigo.
Padre Bento, esse é Biu, que dorme lá fora
Porque não tem onde morar,
Assiste as missas, mas não quer entrar,
Não conhece parente nem sabe seu nome,
Não sabe sua idade, não sabe contar,
Passa o dia abraçado com a fome.
padre Bento
-- Vamos então tudo melhorar,
Biu, temos no céu um Pai amoroso,
Ele é nosso Deus, ele te trouxe pra cá;
Antônio, traz alguma roupa para ele,
Tomará um banho e lhe esperará,
Dividiremos minha quentinha, almoçará.
Biu
-- Como é bom não ter fome, conversar,
É na missa que a gente fala com Deus ?
Quero logo a ele agradecer,
Padre Bento, Antônio, vocês falam com ele ?
Como faço pra ele me escultar?
O que faço pra ele me conhecer ?
padre Bento
-- Biu, conhecerás muito e sem tanta pressa,
Você já foi em alguma escola ?
Vamos lhe matricular,
Vou falar com Dona Lourdes,
No Matias Delgado vais estudar,
Tua farda vamos providenciar.
Dona Lourdes
-- Tenho certeza que vais gostar,
Experimente logo sua farda,
Amanhã cedo venho lhe buscar;
Estudar, brincar e merendar,
Conhecerás muitos coleguinhas,
Sozinho, nunca mais vais ficar.
Biu/Dona Lourdes
-- A senhora já deve ter filhos
E eles devem ser muito felizes.
-- Onze, nem cabem nos dedos,
Todos cabem no meu coração;
-- Deus confia muito na senhora
E seu marido, sua paixão.
Biu
--Já tenho família, já sou quase normal,
Um tio e um irmão segurando minha mão;
Ensinem-me como merecer,
O que hoje vivo, nunca sonhei viver;
Vou procurar travesseiro e papelão,
Dormirei até o sol nascer.
padre Bento
-- Atrás da sacristia tem um quartinho,
Vamos limpar e deixá-lo cheirosinho;
Sr. Aurélio ofereceu cama e colchão,
Nunca mais chão e papelão,
Dona Rute trará lençol, fronha e travesseiro
E o padeiro, café e pão.
narrador
-- Passados os anos e Biu se dividia,
Estudava muito, trabalhava na padaria
E ajudava na sacristia;
Mais anos e concluiu medicina,
A vontade de ajudar e servir
Nasceu do querer retribuir.
O quartinho da igreja,
Virou beneficente ambulatório,
O pobre menino de rua
Virou médico capaz,
E ao difícil que tudo parecia
Deus mostrou como se faz.