O Urubu e as bolinhas de vidro

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O sr. Urubu vivia todos os dias espalhando números para qualquer bicho que pudesse ouvir. "Hoje, contei 432 passarinhos no galho da árvore mais alta da floresta", "Outro dia, sei que passaram 367 pedrinhas brancas por debaixo do tronco que atravessa o rio", e assim, sr. Urubu informa a bicharada sobre totais e mais totais de toda espécie. É bem verdade que muitos não davam muito valor nessa conversa lá do sr. Urubu, alguns até o consideravam meio pancada da cabeça.

O sr. Urubu possuía dois amigos muito próximos, o sr. Pavão e o sr. Sapo. O trio era famoso naquela região, estavam sempre envolvidos nas mais estranhas e difíceis situações sobre a vida de todos.

Num belo dia, desses em que os bichos não pensam muito bem, o Rei Leão teve uma ideia fabuloso.

- Vamos escolher quem é o animal mais querido do reino - disse ele muito feliz - todos poderão escolher um nome e no final da disputa, haverá somente dois grandes finalistas

- Perdoe a indelicadeza, meu nobre rei, mas quem irá contar essas escolhas - perguntou, esperta, a dª Raposa, já com receio de perder o primeiro lugar.

- Ora, ora, quem mais seria, dª Raposa? - respondeu rei Leão, bastante divertido com a aceitação geral do tema - O sr. Urubu será nosso contador oficial.

A bicharada inteira armou um meio olho de que algo não estava bem, mas confiantes no rei, ninguém se pronunciou contra. Os amigos do sr. Urubu, sr. Pavão e sr. Sapão abriram sorrisos muito confiantes.

Estranhamente, o sr, Urubu foi o único a solicitar algo e disse:

- Sábio rei Leão, se me permite a ousadia, gostaria de pedir um pequenino, mínimo favor.

- Claro, claro, meu amigo, fale sem medo - incentivou o rei.

- Como o senhor sabe, minhas tarefas como zelador da floresta é muito importante e me toma quase todo o tempo que disponho - começou o sr. Urubu abrindo uma de suas asas contra o sol - e assim, seria muito satisfatório que o senhor, como nossa autoridade máxima, firmasse a regra de que haveria apenas uma contagem das escolhas e pronto, de maneira que não perdêssemos tempo com picuinhas e conversinhas de comadres.

Após meditar poucos segundos, o rei Leão aprovou o requerido e deu início ao concurso.

Havia alegria generalizada. Os bichos todos principiaram escolher seus favoritos e depositar num grande poço os nomes de sua preferência, depois de um prazo razoável, essa etapa foi finalizada e o rei determinou que os dois nomes mais citados fossem dados a conhecer.

O sr. Urubu, ladeado ombro a ombro por seus fiéis companheiros, com muita pompa e circunstância iniciaram os trabalhos e algumas horas mais tarde, apresentando cansaço e resiliência com a função, toda a bicharada soube que os dois concorrentes principais seriam o sr. Urso e a Cascavel.

Durante muitos e constrangedores minutos houve silêncio em toda a mata. Nem mesmo os passarinhos ousaram emitir seu canto, as árvores pareciam não acreditar no que ouviram da boca do sr. Urubu. Não por causa do sr. Urso, ele realmente era especial, amistoso, sincero, carismático, alegre e brincalhão, um amigo bom e um bom amigo. Mas a Cascavel era outra história. Praticamente ninguém confiava no que ela dizia, por muitas vezes ela foi pega em suas mentiras, quase tudo que saía de sua boca era veneno. Isso havia arruinado o concurso, eles pensavam, até mesmo o rei Leão sentiu sua juba afundar no crânio. Mas justamente nessa hora, o sr. Urso foi para o meio da planície e agradeceu a todos pela consideração, desejando que vencesse o melhor e mais querido bicho. Como um toque de varinha mágica, a bicharada se reanimou, "Mas é claro, o sr. Urso vencerá essa disputa com a pata nas costas" e com esse sentimento esperançoso de justiça, a turma aguardou ansioso o dia da escolha.

O rei Leão havia prescrito que no dia final do concurso, haveria bolinhas de vidro pretas e bolinhas brancas, sendo que uma cor representaria o sr. Urso e a outra, seria da Cascavel, cada bicho escolheria uma bolinha e a depositaria numa imensa redoma transparente e assim, após o sol se por, o sr. Urubu contaria as bolinhas de vidro e anunciaria o vencedor. Assim foi feito.

Durante todo o dia certo, a redoma de vidro foi se enchendo, os bichos escolhendo e a redoma crescendo em suas bolinhas de vidro. Há testemunhas que disseram, muito tempo depois, que as bolinhas do sr. Urso eram infinitamente mais numerosas.

Findo o período de escolha, o sr. Urubu mandou cercar a redoma com grande cortina e lá entrou ele e seus amigos Pavão e sr. Sapo.

A multidão aguardava o resultado, alguns já gritavam o nome do sr. Urso. Então o sr. Urubu saiu da cortina e com um papelzinho na ponta das asas, pigarreou um pouco e falou em boa voz:

- Por diferença mínima, o vencedor do concurso de mais querido da bicharada é ... CASCAVEL !

Não houve um bicho sequer que não tivesse o bico, a boca, a asas, as patas, caídas abaixo. Até a Hiena, o Calango e a Jibóia pareciam não acreditar que sua amiga, Cascavel tivesse vencido.

De repente, o alegre Bem-Te-Vi gritou agudamente:

- RECONTAGEM, queremos recontagem.

Os outros começaram a repetir o pedido. Recontagem, recontagem. Mas o sr. Urubu, após consultar seus dois diletos auxiliares informou que seria impossível recontar as bolinhas porque foram atiradas ao rio de onde vieram.

- NOVA ESCOLHA, NOVA ESCOLHA - insistiu o Bem-Te-Vi.

O sr. Urubu, após cochichar alguma coisa no ouvido do rei Leão , esperou que ele desse a notícia e de fato, rei Leão rugiu:

- Eu dei minha palavra que não haveria outra escolha depois da primeira, vale a contagem do sr. Urubu.

O que era para ser um dia de festa, transformou-se em tristeza.

Apenas os três irmãos de hábitos escuros estavam felizes, assim como a Cascavel que já sonhava em tomar o lugar o rei Leão na próxima reunião da liderança.

Adotando um tom de voz muito sério, o sr, Pavão disse aos seus ouvintes amigos:

- Aprendemos que não interessa a cor da pedrinha que o bicho, mas o importante mesmo é quem conta essas pedrinhas.

A gargalhada dos elementos ali foi geral e repercute até hoje quando falta comida ou água, quando os caçadores eliminaram mais bichos que o normal, quando o fogo é ateado de forma suspeita.

Moral da História: Quem escolher urubu para fazer a refeição, precisa estar preparado para comer carniça.