Atos forçosos
A pacatez sempre lhe foi algo intrínseco, portanto, possuía imensa aversão para com a violência. Consequentemente não gostava de armas, pelo fato do estrago que elas podem causar, embora fosse sabedor que objetos, por si só, não poderiam ser capazes de algo, pois, são inanimados; e, desse modo, dependeria de alguma pessoa com má intenção no uso delas para que algum dano pudesse ser feito. Mas ainda assim sempre teve preferência por ficar longe das armas, achando essa conduta uma boa opção para viver distenso. Porém, num certo período de sua vida, diante de certas situações, começou a repensar algumas convicções que possuía. Notou que seus vizinhos começaram a se armar, e isso foi algo que o inclinou a se preocupar. Era vivido, calejado, e sabia que ser desconfiado e prudente em relação às pessoas, infelizmente, se fazia necessário. Por mais que o discurso daquelas pessoas armadas fosse permeado de boas intenções, a experiência em lidar com a falsidade humana lhe alertava para aquela situação. Sabia que um sorriso largo seguido de uns tapinhas nas costas poderia esconder intenções tenebrosas; além de ter em mente a existência da maldita chama interior de 'fazer guerra', que parece vir embutida nos genes humanos desde os primórdios; algo que acontecia sem o advento das armas, mas as proporções se tornaram gigantescas com elas. Não sentia confiança nas palavras dos vizinhos e decidiu quebrar a antipatia para com as armas, adquirindo algumas também. Isso, claro, após muito meditar sobre o assunto e compreender que, sendo o único desarmado, teria que ficar à mercê dos seus vizinhos, não podendo se defender caso algum deles quebrasse a promessa de não usá-las contra ele. Estariam eles dizendo mesmo a verdade? Como confiar? Por via das dúvidas, creu que não seria ideal ficar na dependência dos outros, que nem mesmo conhecia muito bem. Aliás, será que se conhece verdadeiramente alguém? Eram inúmeros os seus questionamentos internos, mas nessa altura já estava armado, e começou uma ansiedade pelo receio de ter que usá-las. Nos primeiros dias 'conversou' com as armas: "por que vocês existem"? Era, evidentemente, uma pergunta retórica, pois, mesmo que elas pudessem falar, ele não iria querer escutar nada como resposta; afinal, continuando sua conversa com elas, dizia em voz alta o que pensava: "vocês existem pelo maldito ímpeto humano de guerrear, apenas por isso. Porque antes da existência de vocês a saciedade não era completa, pois, não havia possibilidade de fazer estragos em grandes proporções. Sendo assim, sou incapaz de culpá-las por algo. Vocês não podem se mexer nem nada fazer sem que algum maldito exemplar da minha raça as pegue para machucar alguém". Depois da conversa, as guardava com um estranho sentimento, parecendo que eventos de um futuro breve passavam em suas retinas agoniadas.
Não demorou muito tempo para que, inevitavelmente, viesse a ter que usar suas armas contra aqueles que juraram não usá-las. Seria mentira dizer que se agradou em fazer uso delas, pois, muito pelo contrário, se afligiu interiormente em demasiado, mas percebeu o quanto se faz necessário estar preparado para o pior, mesmo que, na esperança interna que a maioria carrega, sempre se espere o melhor; e a parte fulcral, compreendeu que muitas vezes é inevitável, para o próprio bem, agir de forma contrária a que gostaria. Mesmo que depois ocorra uma contenda dentro de si por ter sido crucial burlar o seu próprio 'eu'. Um martírio desnecessário e involuntário que se extirpa quando uma reflexão escancara que a única opção, para uma boa resolução, era momentaneamente quebrar o seu próprio ideal.