Fábula: A ovelha Balaim e o Cão Comidin

Havia um pastor de ovelhas chamado Shemur. Como estava velho e doente, sentia a morte aproximar-se paulatinamente. O velho pastor não tinha mulher e nem filhos, por isso fez de seu rebanho seus herdeiros.

Certa tarde, sabendo que não viveria até o anoitecer, chamou para si a ovelha que mais o agradava, cujo nome era Balaim, e a consagrou como o senhor de seus irmãos.

- Balaim, meu filho, a partir desta noite é tua a autoridade de governar. Utilize-a com zelo, pois tudo o que fizer terá de justificar-se como o responsável. Além do mais, não quero que carregue sobre os ombros todo este dever, por isso o aconselho de incumbir ao rebanho um cão-pastoreio, para que o nomeie como seu braço-direito.

Por fim, antes de aspirar o último suspiro, fez à ovelha um misericordioso pedido:

- Assim como eu o adotei, abrace este servo como filho e o guie conforme a voz da sua sensatez. Ensine-o sobre a compaixão e terá orgulho dele.

No dia seguinte, Balaim lembrou-se de Comidin, o cão que, agora aposentado, pastoreou, em sua mocidade, os rebanhos das colinas do norte. Com passadas largas, dirigiu-se ao rebanho vizinho, onde encontrou o cão a dormir sob uma macieira.

Acordou assustado, mas logo que recebeu a oferta, suspirou aliviado:

- Oh, meu amigo! Você não imagina quão tamanho valor trouxe à minha pacata vida! Meu dono está decidido a sacrificar-me, pois não posso mais atender às suas exigências, por conta da debilidade. E para piorar, julgou-me responsável por boa parte de sua falência, pois repartiu sua fortuna com farmácias e doutores, apenas para manter-me vivo.

- Prezado amigo - disse Balaim -, não tema mais isso. O considero sábio o bastante para ajudar-me a vigiar e orientar meus irmãos e irmãs. Despeça-te de sua prole e vá para o meu rebanho antes do pôr-do-sol, pois quero o apresentar a eles.

Passados dois meses desde a posse de Comidin como cão-pastoreio, a ovelha sentia-se orgulhosa do trabalho que o parceiro desempenhava, por isso delegou a ele outra missão:

- Preciso que atente-se, minuciosamente, à minha irmã Tollie e à sua rebeldia. Ela pretende levar consigo meia parte do rebanho jovem aos alpes do leste, para que possam viver livremente. Não nego que há resistência por parte de meus jovens irmãos, diante da sua autoridade, por isso apresente-se diante deles com este bordão e diga-os: "Sou o braço-direito de seu irmão, Balaim, e, diante da sua compaixão, perdoo-os por esta imaturidade e peço que desistam desta traição". Balaim também o orientou sobre o bordão: - Antes de falar, posicione o bordão a frente de sua pata direita, para que o temam.

Assim fez o cão, porém tudo fora em vão.

No mesmo instante, Tollie e seus companheiros o ridicularizaram. E tendo feito isso diante de seus irmãos mais velhos, marcharam para os alpes do leste, deixando o cão totalmente envergonhado.

Todos sabiam que as ovelhas mais jovens eram ingênuas quanto aos perigos das terras desconhecidas, por isso não tiveram malícia de se protegerem de uma matilha de lobos que o cercara, assim que se aproximaram do sopé de uma montanha. Tollie, felizmente, conseguiu sobreviver, porém, mesmo arrependida, presenciou a morte horrenda de seus irmãos.

Voltando ao seu rebanho, prostrou-se no chão com o focinho sobre a pata direita de Comidin e, reconhecendo-o como senhor, humilhou-se:

- Comidin, meu senhor, tenha misericórdia! Fui tola de fazer pouco caso de seus sábios conselhos e, por conta disso, entreguei meus irmãos e irmãs à morte. Dai-me outra chance, a chance de redimir-me, como o mais desprezível servo.

Comidin, o até então sábio cão-pastoreio, deixou-se tomar pela ira e, olhando a ovelha com sincero desdém, esbravejou:

- Não venha me pedir consolo! Julgo-a responsável pela morte de seus irmãos e nada poderei fazer para mudar isso. A minha advertência foi banalizada por vocês, por isso, trate de carregar sozinha este fardo e esta sentença: que se entregue à matilha faminta e tente humilhar-se diante da morte, como fez agora!

Horas mais tarde, Balaim regressou dos alpes vizinhos, transportando em seus ombros a carcaça de Tollie.

Comidin tremeu-se do focinho ao rabo e atirou sobre Balaim sua justificativa:

- Sua irmã tola teve a audácia de desafiar-me diante de seus irmãos! Gravemente eles também o desrespeitaram, menosprezando aquele a quem o senhor concedeu a autoridade! Senhor, poderia eu me compadecer desta dor merecida?

A ovelha o olhou por alguns segundos e se entristeceu. Tirando o bordão preso ao pescoço do cão, balançou a cabeça em sinal de desaprovação:

- Pedi que se atentasse especialmente a Tollie não porque ela era a mais rebelde, mas, para que, diante da imaturidade dela, você pudesse utilizar-se da mesma misericórdia que o concedi para dar a ela outra chance de reeducar-se. Eu sabia que ela iria fazer o que estava disposta a fazer, mas não imaginava que você a trataria como o seu antigo senhor o tratava, com desprezo. Cão, por que não demonstrou compaixão a este jovem, do mesmo modo que eu fiz a sua velhice?

Se alguém mostrar-se misericordioso com você, ao ponto de conseguir enxergar o seu interior, - não somente aquilo que os outros, ou até você mesmo, julga com desprezível - trate de retribuir este mesmo amor a outro também, pois a compaixão, que agraciou alguém em forma de justiça, só conseguirá ser recíproca, quando este alguém - o agraciado - a reconhece.