Os cegos que veem
O poente parado espera pelo sol. Estrela distinta que talvez seja a única a ser combustível para vida. Esse era o pensamento um tanto poético-filosófico de Namarayo numa tarde de primavera em um ano qualquer.
Peripatético tal como Aristóteles, rotineiramente ia a observar a natureza nos seus instantes áureos. Seus pensamentos expressos em fala para ninguém às vezes ressoava nos auditivos de alguém. Um alguém sem razão, sem dizer nem sim nem não, se gosta ou desgosta, se concorda ou sabota.
Sem razão... certamente não era com homens que Namarayo conclamava seus cantos à semelhança de um rapsodo. A vaguear de habitat a habitat não recebia uma sequer reclamação de incomodo ante a sua palestra, embora certa feita correra deveras em razão de uma onça se coçar. Nunca mais fora lá na banda das onças.
Sem dizer nem sim nem não... sem razão não há como articular palavras a fim de expressar pensamentos. Também não se sabe julgar nem se pode acusar. Mas os homens têm razão, sabem falar, sabem julgar... os homens sabem muitas coisas - pensava Namarayo ao refletir o óbvio - e conclamava em seus cantos sua gloríola: "Bem certo falou o cristo, aquele que vê e não vê, é culpado de seu crime; porém aquele que não vê e vê, nele não se encontra culpa". Falava isso para se confortar consigo mesmo - do mundo dos sábios ele foi expulso, todos imorais - e tornava agora a pensar: "Como pode aqueles que enxergam não verem em mim sobremodo intelecto no expulsar de minhas ideias, eles são culpados dos seus crimes contra mim, imputando-me as mais desonrosas críticas. São cegos ".
continua...