Sísifo e Afrodite, ou a fábula do amor líquido
Na fábula, dez anos após Zeus ter punido Sísifo com a missão de rolar eternamente a enorme rocha montanha acima, apenas para vê-la despencar do alto e ter que recomeçar a movê-la, Afrodite, entre curiosa e apaixonada (e não é a paixão uma curiosidade exacerbada e mórbida?) disfarçou-se de humana e, escondida de seu pai Zeus, veio ter com o herói ou derrotado ladrão dos falsos deuses.
– Homem de grande força, gostaria de ter alguém para lhe acariciar nesta noite, revigorando sua masculinidade enquanto você rola esta enorme pedra? – perguntou, lânguida, a deusa vestida em tênues trajes.
– ... Não, minha bela jovem. Posso empurrar esta pedra por toda a eternidade, se assim for necessário. Mas confesso que gostaria de ter alguém, alguém que permanecesse para além de uma noite, e se assentasse sob aquele pé de zimbro e dissesse, de quando em vez, com um sorriso terno: "Você está indo bem, e eu estou aqui contigo. Continue."
Conta Homero ou Plutarco ou Borges ou mesmo Bolaño (pois a lenda perdeu-se como a memória dos deuses quedos), que a deusa dúbia, sonsa e fulminante, incapaz de constância, ou de oferecer TÃO POUCO, transmutou-se à sua forma célica e, contrafeita e incendiada, tornou ao Olimpo, o Olimpo dos frios vencedores.