Lembranças de Melissa: Uma Releitura de Iracema
Lembranças de Melissa
Autor: Fernando Dantas Mamede
Capitulo I – Começo
Melissa tinha apenas 7 anos neste dia, mas 7 anos já é idade para rituais de iniciação acontecerem, ela tinha sangue mágico, descendia de celtas, africanos, egípcios, judeus etc. Uma coisa engraçada sobre magia é que existem aqueles que através de muito estudo e dedicação aprendem a manipular a essência da vida e a casos como o dela. São naturais, uma pré-disposição natural já no sangue, ela como mestiça e nascida no século XXI depois de Cristo tinha a vantagem de ver as forças sobrenaturais que regem o mundo e a desvantagem de viver num mundo onde não se acredita nestas coisas.
Sua avó fazia parte de uma sociedade antiga de bruxos conhecidos como “Os Arquitetos”, ela saiu depois que a pai de Melissa ficou com uma doença sanguínea e ninguém da irmandade sequer levantou um dedinho para ajudar o filho de um irmão. Sua avó faleceu já num estado deplorável. Nada foi transmitido oralmente, mas os livros da ordem ficaram. Só que ela não precisava da ordem, ela tinha uma entidade sobrenatural a lhe ajudar, essa entidade aparecia nos sonhos dela e nunca revelou seu nome para ela. Então de tempos em tempos ela dava um nome a ele e depois mudava este nome para outro.
Essa entidade era um jovem loiro, alto, de olhos verdes e sorriso cativante. O suficiente para ser objeto de desejo dela. Principalmente por que no sonho tinha uma peculiaridade em especial aos outros sonhos, um cheiro de rosas. Assim como os poetas tinham suas musas ela tinha o seu ídolo, seu objeto de adoração.
Passaram-se, alguns anos e a Melissa tinha seus 16 anos e folheou os livros da ordem, a qual achou bobagem de gente velha que escrevia como farmacêuticos broxas do século XIX. Deu um tédio desgraçado! Sua alegria estava em criar mundos a partir da linguagem escrita. Seu desejo era trabalhar com isso.
No seu entender existiam classes de magos que ganham dinheiro com magia:
1: Os Arqueólogos: Aqueles que procuram objetos antigos de grande poder para vende-los a um público seleto e muito rico que acredita no poder de tais objetos.
2: Exorcistas: livram pessoas de demônios e maldições.
3: Invocadores de demônios: pessoas que usam o poder das trevas para que seus clientes vençam disputas, sejam elas em mercados financeiros, políticas ou mesmo no amor.
4: Os simbolistas: todos os químicos que fazem perfumes, todos mestres culinários, os escritores, músicos e demais artistas são criadores, ou trasmutadores de símbolos.
Ela queria ser escritora e, portanto, uma simbolista.
Capitulo II – Poesias ao Ídolo
Melissa escreveu um poema de 22 partes dedicados ao seu ídolo e suas aventuras, seu objeto de adoração desde a infância, ela não tinha noção de que ao fazer o que ela fazia ela estava adorando um deus que ela nem sequer sabia o nome, era apenas uma visão de um sonho com cheiro peculiar de rosa. Ela era uma feiticeira que não tinha noção das forças que mexia. No entender dela ela só estava dando forma a forças de sua própria imaginação, não lhe passou pela cabeça de que o que passava em sua mente era produto vindo de terceiros.
Ao imprimir seu mini épico ela criou um mito, um mundo, uma fabula, uma realidade...
Desde aquele dia ela passou a ser acompanhada (mais suave e preciso que dizer assombrada, ela não os temia) pelos personagens de seus poemas, para uma adolescente solitária ter amigos imaginários era um pouco bobo, mas para uma feiticeira falar com “suas” criações já era outra coisa.
Um dia de 2011 ela foi ao shopping apenas andar e relaxar, estava no 3° ano cientifico, os rapazes de seu colégio eram uns idiotas imaturos, alguns ela até considerava “bonitinhos”, mas quando abriam a boca a beleza se esvaia toda... foi aí lá no shopping que ela conheceu Edgar, um rapaz moreno, de olhos castanhos e que foi até ela e disse: você tem noção de que estes seres que a cercam são apenas demônios sugadores de inocência, não sabe?
Aquele rapaz a deixou atônita, alguém que não apenas via com clareza os seres que a cercavam, mas os chamava de “demônios que sugam a inocência”, aquele rapaz a deixou fascinada e revoltada ao mesmo tempo.
-Eu devia lhe dar um tapa na cara por chamar minhas criações de demônios!
O rapaz deu um grande sorriso de deboche.
-Sério que você acha que é a criadora destas entidades? Você é o lanche ao qual estes parasitas se servem, na verdade “estas” é um erro quanto ao número, na verdade é só uma. Revele-se Jurupari, é uma ordem!
Os seres de luz que ficavam em volta dela começaram a se juntar numa sombra que por meio de uma fumaça que começou a surgir em volta de si para mostrar a verdadeira forma, um demônio bonito na forma de uma linda mulher de cabelos negros, feições indígenas, o que significa cabelos e olhos escuros, magra e de pele bronzeada, a única coisa que a deixava não atraente aos olhos era seus lábios leporinos. O jovem moreno baniu a entidade e se apresentou.
-Meu nome é Alexandre, sou aprendiz do professor Tiberius Dantas de Andrade Torres, ele é um senhor de 88 anos de idade, um gênio da magia! Gostaria de te apresentar a ele, pois, obviamente você é uma feiticeira auto de data e autodidatismo geralmente faz a pessoa está à mercê de muita coisa ruim, pior que isso só um mestre endiabrado. A entidade que te usava é um demônio antigo dos sonhos, ele é relatado pelos indígenas tupis e vive matando pessoas em sonhos, só não te matou de cara porque viu que você tem poder sobrenatural e resolveu usar você para tentar criar mais demônios, então resolveu te matar sugando aos poucos.
A garota parou um instante, realmente sentiu uma sensação de alivio, como quem deixa de carregar um grande peso das costas, ele entendeu e aceitou tudo. Estendeu a mão, e com um sorriso disse:
-Meu nome é Melissa, é um prazer conhece-lo, agradeço o exorcismo e seria um grande prazer ter um mestre. Poderia me apresentar ao professor Tiberius?
Capítulo III – A Promessa
Passou-se alguns dias, ela ficou amiga intima de Alexandre ao qual falou dela para seu mestre e então depois de um tempo viera o primeiro encontro de Melissa com o professor Tiberius, ele morava na cópia reduzida de um antigo castelo francês que ele viu na Europa, sua morada ficava ao lado de um mosteiro de freiras e Melissa teve a sensação de estar diante de um outro mundo, um mundo mais antigo e perdido ao qual ela queria e sentia uma necessidade de abraçar e chamar de seu.
Ela entrou junto com Alexandre, que como aluno tinha uma chave do imenso portão, Alexandre pegou na mão dela e disse “A partir deste portão o mundo nunca mais será o mesmo!” eles foram juntos até a porta, o rapaz a abriu com mais uma chave e então finalmente a garota pode ver seu futuro mestre. Um velho de 88 anos de idade de pele branca como a neve, olhos azuis e cabelos grisalhos em cima de uma cadeira de rodas. A imagem que fisicamente podia dar a impressão de debilidade, um ser frágil, mas seus olhos azuis a observavam com a acuidade de um tigre, ela percebia isso, percebia que ao mesmo tempo que julgava era julgada e sentiu um arrepio na espinha com a ideia de uma possível reprovação.
-Alexandre falou de você e disse que você é neta de uma membra dos Arquitetos, mas que sua avó saiu, falou que foi por conta de questões familiares, bom... mulheres dentre os “Arquitetos” já não é uma coisa que se vê todo dia, muito menos uma que entra e depois sai por honra familiar. Diga, qual era a posição dela?
-Mestra de 3° Grau pelo Ritual de York, Antigo e Aceito.
-Talvez ela tenha saído porque presenciou que depois do 3° Grau as coisas começam a se descortinar e os Arquitetos mostram sua verdadeira face: uma sociedade de adoradores de Lucífer e de profanadores das artes, prostituem a magia para meras questões políticas idiotas. Por mais que se digam “pensadores livres” são só um bando de hipócritas de mentalidade politiqueira.
-Sois Arquiteto? - perguntou a jovem com um olha de perplexidade.
-Não, não sou como sua avó Josefa, não precisei me juntar a escória para ver que ela não presta.
-Mas eu não falei o nome da minha avó nem para o Alexandre e muito menos para você, como sabeis o nome dela?
-Sei porque sou um homem de oração e de fé, Cristo me presenteou com vários dons, um deles foi o de ter visões. Quando olhei para você eu não olhei apenas para o seu rostinho adolescente, eu vi a sua alma! Vi sua história, a da sua avó, a do seu pai, da sua mãe e a do seu irmão e de um tio seu, ao qual são dois últimos são dos Arquitetos e nunca te falaram.
A jovem fica petrificada em saber que seu irmão e um tio seu são dos Arquitetos e nunca a disseram coisa alguma, seu amigo toca gentilmente no seu ombro e perguntou se estava tudo bem.
-Está, só estou surpresa e um tanto abalada com a revelação de que meu irmão e um tio meu são dos Arquitetos e nunca me falaram nada.
-Aqui na minha frente estão duas cadeiras, sente-se em uma você empalideceu depois de minhas últimas palavras um tanto desnorteada, acho melhor se sentar. Quanto a você meu aprendiz, faça a gentileza de ir lá na cozinha e de trazer um copo d’água para a moça e para este seu velho professor.
A moça sentou, o jovem foi pegar as águas e Tiberius olhou-a com um olhar misto de severidade e de bondade ao qual só um pai pode olha e disse “Eu tenho só mais 2 anos de vida, aos noventa anos eu morrerei, você quer ser uma feiticeira do tipo simbolista e durante estes dois últimos anos que me restam eu posso te ajudar, mas tem uma condição: aquele rapaz que está trazendo água para nós é como um filho e mesmo que saiba muito de magia, ele não tem ninguém fora eu, quando eu me for ele precisará de contato humano. Prometa fazer companhia a ele que eu te ensinarei tudo o que eu puder lhe ensinar!”
-Eu prometo! - disse a moça.
Capítulo IV
Alexandre volta com as águas e as entrega, Tiberius e Melissa, cada um bebe um gole, mas Tiberius vai além, seca o copo e pede para seu aprendiz trazer mais. O rapaz obedece. O ancião espera o jovem fica afastado o suficiente e fala:
-Alexandre é um homúnculo criado por Sophia, minha falecida filha para fazer companhia para mim enquanto ela viajava pelo mundo. Minha esposa Noema havia morrido, Sophia já era adulta, ela queria visitar o mundo ao invés de ficar enclausurada neste mini castelo que eu fiz para proteger o conhecimento que absorvi ao redor do mundo e do tempo quando jovem. Este minicastelo tem várias alas secretas, além de ter ligação com muitas memórias de povos antigos egípcios, gregos, tupis, sumérios, babilônicos, hebreus, atlânticos etc. Dê-me sua mão, eu vou lhe mostrar um pouco do que vi!
A adolescente estende a mão. Ele a segura e no instante do contato ela o vê estudando livros antigos, misturando magias ocidentais e orientais, alterando conceitos, indo a diversos tempos e eras, conhecendo pessoas de renome. Indo e voltando ao seu tempo matriz, aprendendo seu próprio período de vida neste mundo, criando aprendizes no de correr da história humana. Quando conheceu uma sereia brasileira chamada Noema por intermédio de Luís Câmara Cascudo, casou com ela e teve uma filha hibrida chamada Sophia, a morte de Noema no parto, sua última aventura onde uma versão sua viaja no tempo depois de sua morte, conhece uma jovem chamada Safira e dá seu último adeus a este mundo.
-Como seu eu de 25 anos sabe tanto sobre o você atual se vocês não possuem contato direto, você eu até entendo que saiba sobre ele, por conta das suas visões, mas pelo jeito ele não tem. Como isso é possível?
-Eu sou um mistério para mim mesmo, o que foi, o que é e o que será sempre existem lacunas quando se trata da minha história. Deixo-as nas mãos de Deus, com ele não há contradições. Seja como for eu apenas te peço gentilmente que quando o eu de 25 anos aparecer que você fique longe dele. As coisas que vão acontecer precisam estar naquela ordem, sem interferência.
-Você não usa magia de forma comum, tem uma chama sobre sua cabeça a qual eu percebo agora. O que isso significa?
-Significa a presença de Jesus Cristo em mim e você tem razão, não uso o que você chama de magia de forma convencional. Sempre coloco meu Deus no topo e isso sempre causa estranhamentos entre mim e o restante da comunidade mágica. Sou um mago cristão.
-Isso é possível?
-Claro que é! O cristianismo católico apostólico romano nunca baniu a magia em sua totalidade, apenas uma ou outra coisa as quais realmente são potencialmente lesivas e é melhor não se meter mesmo, como tentar contactar os mortos. Eu sei o que você entende por magia, gosto da sua definição, quero que fale ela em voz alta se não se incomoda.
Capítulo V
-Eu sei que existem muitas definições para magia, geralmente elas falam muito e nada dizem. Para mim magia é “arte” e arte é a expressão de uma impressão. Quando um pinto faz um quadro ou quando um xamã cria um feitiço repelidor de demônios eles estão se expressando através de uma linguagem e ao mesmo tempo manifestando suas expressões de suas impressões. Toda vez que alguém escuta uma música, lê um poema, come um doce está absorvendo magia, uma é musical, outra é literária e a última é culinária, mas todas em essência o vazem sair do estado original para outro, podemos dizer que foi “enfeitiçado”, que foi “transmutado” ou simplesmente que saiu do estado “a” para o “b” - falou a moça.
-É uma visão bem tradicional, Alexandre falou dessa sua visão e realmente a palavra mais antiga para definir magia é “arte”, mesmo ela não contradizendo a minha ela não é a própria. Magia é a conjuração de forças para alguma finalidade, todas as religiões tem a figura do mago e por mais que haja um esforço da parte cristã em se desfazer de certos paganismos é inegável que vemos 3 reis magos adorando Cristo. Na verdade olhando a sua Igreja primitiva, que é a católica, nós vemos que em toda a história cristã o cristianismo lidou com heresias e muitas coisas que eram heréticas passaram a ser interpretadas como ortodoxas. Embates inteiros sobre se a filosofia sendo obra de pagãos deveria ser ou não absorvida pelo cristianismo, uso de imagens, etc. O ocidente antes de virar o campo de esterilidade ateísta onde encara tudo como mero “aglomerado de fenômenos” onde tudo é visto como “força e matéria” e que por conseguinte “não há Deus” havia e ainda há entre poucos a ideia de que existe Deus e criou tudo no seu espaço e tempo, que tudo é regido por ele, inclusive o próprio Demônio ao qual sua única finalidade é nos testar. Tudo neste mundo é ilusório, incluindo à própria magia e o que vem depois deste mundo é que é real.
-Eu já fiz projeção astral e fui a outras dimensões, não me parece tão simples assim a coisa toda.
-As aparências enganam... - disse o professor com um sorriso piedoso e cheio de bondade no rosto.
O rapaz veio de novo com a água para seu mestre e depois se sentou e uma das cadeiras, o professor bebeu tudo, colocou o copo na mesa e começou a falar que tanto sua esposa quanto sua filha estão mortas e enterradas no quintal de sua casa, explicou que sua esposa era uma Iuara (palavra tupi para aquela que mora nas aguas, ou seja, sereias para os tupis) que o folclorista Luís Câmara Cascudo havia lhe falado que existia no fundo do Rio da Messejana e era descendente de uma sereia conhecida como Iracema com o Capitão-Mor Martim Soares Moreno. O famoso romance de José de Alencar foi uma apenas reformulação mal feita da história de uma sereia cearense que se apaixonou por um colonizador português.
A jovem ouvia aquilo tudo com o copo na mão e muita atenção.
O professor explicou que sua esposa Noema fez o mesmo que Iracema, se apaixonou por um ser humano, ele não enlouqueceu e diferente de Martim nem precisou de pajé que o ajudasse, sua aura mística o protegia dos efeitos danosos da presença da sereia. E Noema ficou fascinada com aquele homem que não era afetado por ela e andava sobre as águas. Os tempos se passaram, veio uma amizade entre duas criaturas que pela lógica “não existem” e um caso improvável de amor surgiu. Isso tudo em meados dos anos 50 do século XX, em plena Guerra Fria.
Capitulo VI
Na explicação que ele deu falou que a visão que ele deixou para ela não tinha tudo, não tinha por exemplo a parte do porque ele usar dadeira de rodas e muito menos como ela viu Noema com pernas de mulher humana dando à luz. A explicação foi que ele pediu a Deus que tornasse sua amada em humana, isso já com o consentimento de Noema. Deus a transformou, mas inicialmente ela tinha grandes problemas de locomoção, as novas partes de seu corpo se locomoviam de forma desengonçada. Durante certo tempo foi necessário que ela usasse uma cadeira de rodas, depois muletas e fizesse cessões de terapia. Desde que ela faleceu ele tem o costume de sentar na cadeira de rodas que foi dela para lembrar-se da esposa, era uma das formas de se sentir junto a ela. A garota o interrompe.
-Então você pode ficar de pé como uma pessoa normal, mas e aí? Sua filha Sophia tem quantos anos? Ela continua pelo mundo? Sei que no período da Guerra Fria existia grande histeria, existia grande subversão por parte dos comunistas e criaturas magicas não raramente ficavam ou escolhiam um dos lados ou eram caçadas por eles.
-Sim, mas até hoje é assim. A Guerra Fria era apenas uma piada de mal gosto para deixar as pessoas manipuláveis, o mundo mágico também foi manipulado. A CIA e KGB as vezes trabalhavam em conjunto e outras uma contra a outra, mas no final eram uma coisa só: uma ilusão da alta elite internacional.
-Você tem alguma prova?
-Filha, se quiser eu toco na sua mão de novo e você poderá ver desde a criação do Clube “A Aliança” conhecido vulgarmente de “Clube Bildenberg”, pessoas das casas reais, bilionários, banqueiros internacionais e pessoas de alto prestígio, intelectuais se unindo para criar o caos no mundo para centralizar ainda mais poder nas mãos deles criando falsas dicotomias de “nós vs eles”. Eles não são os primeiros a fazer o que fazem, eles ainda existem, mas são irrelevantes. Tudo neste mundo é ilusão, eu já te disse isso, quanto mais rápido você souber lidar com isso melhor! De resto... fomos ajudados por meus amigos acadêmicos, a academia cearense de letras era cheia de gente versada em magia e para as quais a palavra “discrição” não era só uma palavra, mas uma conduta a ser seguida à risca. Fran Martin, homem ao qual posteriormente virou reitor da UFC (Universidade Federal do Ceará), usou suas conexões do meio jurídico para dar regularidade documental a situação de Noema. Sou eternamente grato aquele homem, que Deus o tenha. A única parte chata mesmo foi o escritor Gustavo Barroso, já um senhor de idade como hoje eu sou, nos enchendo de perguntas e querendo fazer um romance sobre nós dois. Poxa, o homem tinha escrito mais de 100 livros, o que custava não invadir nossa vida privada para simplesmente ter o gostinho de escrever mais um? Mas ele teve seu gostinho por profanação da vida alheia saciado em 1958 quando publicou “O Mississipi” e deixou muita gente da época cheia de raiva dele por colocar problemas íntimos num romance. A sorte dele foi ter morrido em 59, e nossa também. Foi o ano de nascimento de Sophia, mais precisamente no dia 11 de fevereiro e eu fiquei viúvo. Fico até imaginando nas coisas que aquele enxerido poderia escrever, um romance com nome “Noema: Uma Releitura das Lendas do Ceará” ou algo do gênero. Era um homem perturbado que tinha uma adoração repugnante pela Alemanha Nazista e considerava “Os Arquitetos” uma “seita judaica”. Se ele soubesse que o nazismo foi criado por um grupo dos “Arquitetos” talvez ele tivesse conhecido um pouco mais de lucidez ou ficado totalmente louco de uma vez, como eu não sabia sua reação eu preferi nunca contar a ele. O desequilibrado morreu dia 3 de dezembro daquele ano, tempo insuficiente para ele terminar e publicar o livro, mas eu tive acesso a uns rascunhos que ele tinha começado a escrever. Fiz questão de sumir com aqueles papeis. Não ia deixar minha esposa e filha serem expostas por quem quer que fosse!
Capítulo “Final”
As histórias de Tiberius passaram a ser lembranças de Melissa depois que ele faleceu, eu a conheci ainda adolescente, assim como conheci Alexandre, eles se casaram e formam um lindo casal. Algumas datas, nomes e eventos foram alterados ou omitidos para preservar pessoas ainda vivas e instituições ainda atuantes, as quais podem me processar... mas alguns outros nomes não, se o leitor(a) ligar os pontinhos consegue saber quem foi quem e quem fez o que, é só pesquisar um pouco sobre a comunidade magica da cidade de Fortaleza-CE-Brasil. Acontece que é como o filosofo Mário Ferreira dos Santos falou uma vez “História não é aquilo que está escrito nos livros, mas no coração dos homens”.
As narrativas fantásticas daquele ancião povoam o coração dela assim como ela povoa o meu. De vez em quando ainda mantemos contato, mas infelizmente ela vive atarefada com a vida de mulher casada e mãe. Ela está hoje vivendo em Portugal, continua com o aspecto jovial e mesmo rosto de menina de adolescente que eu a conheci, assumo que tive certa paixão planctônica por ela, afinal ela de longe era e é a mulher mais bela e mais interessante que conheci na minha vida de mago.
Hoje continuo em Fortaleza, a duas casas do que sobrou do minicastelo (algum imbecil achou uma boa ideia derrubar as torres) e as freiras venderam o convento para uma loja de produtos de construção. De certa forma é como se algum diabo quisesse enterrar as provas materiais de que um santo existiu e é justamente isso que eles fazem. Entretendo é mais que isso, é muito mais que aquele poderoso servo de Cristo, mais do que qualquer inconveniência que contar o muito que contei em poucas páginas possa me causar legalmente ou mesmo espiritualmente. (não podemos esquecer o fator magia e uma eventual praga sob minha pessoa sempre pode acontecer...). A questão é sempre o que faz uma história ser grandiosa ou mesmo imortal não é se ela existiu realmente: é o sentimento que existe dentro dela.
Uma vez vi o tumulo de Noema ao qual hoje tem o corpo de seu agora finado marido e ao qual já foi transferido para outro lugar, um tumulo com poemas feitos por um homem eternamente apaixonado e uma estátua de uma sereia com asas de anjo. Até cheguei a conhecer Sophia, ela em especial tem uma filha a qual é só alguns meses mais velha que eu, mas perdi o contato com as duas em 2019, elas disseram “o que vem aí pela frente neste mundo não presta, vamos para outro!” e nunca mais a vi, sobre isso ela me explicou apenas um detalhe ao qual eu achei bastante curioso: quando o filho do diabo sentar no trono do Papa será o ápice da ilusão deste mundo e consequentemente o seu fim.
Para mim ela descreveu que o apocalipse estava próximo. Caso seja isso mesmo, então isso só torna as coisas que eu farei neste mundo ainda mais preciosas, pois em breve ele acabará. Quem achou que a quarentena do coronavírus foi difícil é porque não sabe o que está por vir.
Hoje (dia 22 de junho) é aniversário da Melissa, dei os parabéns via Facebook, conversamos brevemente e eu perguntei a ela o que ela achava sobre um eventual apocalipse estar acontecendo? Ela disse: tudo neste mundo é ilusão, não ligue para ele, creia em Cristo até o final que serás imortal num outro mundo, um mundo de verdade!
Ela no final nunca publicou um livro sequer, seu sonho era ser escritora, mas uma vez ela me disse que depois de conhecer Tiberius ela percebeu não queria mais escrever história alguma, queria fazer que nem seu mestre: viver à própria história da forma mais repleta de amor possível.
E tenho certeza que ela o está. E essa será sua grande obra!