O GRANDE ATOR

Uma vez um amigo me disse que nada está em repouso no meu corpo, que eu estou em constante movimento de ação e reação, que ao me olhar no espelho devo ver um fogo, pois eu, meu corpo, sou como o fogo. Sou um amontoado de moléculas em constantes movimento, mas enquanto houver harmonia em minha organização, enquanto meu corpo não se deteriorar, enquanto eu, fogo, não se apagar, eu serei uno, saberei que sou múltiplo, mas me verei uno.

Pensando nisso cheguei à conclusão de que cada um de nós, humanos, somos como uma fogueira e cada fogueira tem sua forma, tem seu modo de ser. Uns são como uma fogueira grande e violenta que aquece, mas que tende a se alastrar. São os homens mais sensíveis, em alguns momentos vocês irão admirá-los, mas na maior parte do tempo, não. Outros são mais brandos, às vezes tão brandos que não parecem ser fogo. Mas há aquelas fogueiras que são grandes, quando têm de ser grandes, médias, quando tendem a ser médias, mas sempre, sempre, belas; esses são os seres frios, controlados.

Vocês agora me perguntam o porquê de eu estar falando de fogo, movimento, unidade, modos de ser, em uma aula de teatro: eu lhes digo que percorri todo esse caminho para tirar de vocês a ideia comum de que o grande ator é o homem sensível, o ser que sente, pois não é. O homem sensível é a fogueira perigosa, até te oferece momentos bons, mas ela vai se alastrar e te queimar, ou seja, o ator sensível tem momentos belos, mas não um estado de beleza, em uma peça ele não terá unidade, será medíocre. Agora, o grande ator é a fogueira controlada, melhor dizendo, é uma fogueira eletrônica, artificial, o controle da fogueira é seu cérebro enquanto a fogueira é seu corpo, seu diafragma. Ele é belo, pois é uno, é sublime, pois é ideal, é o embelezamento da fogueira controlada na realidade, é sua imitação.

Mas em uma peça terá das mais diversas fogueiras, caberá ao grande ator controlar sua fogueira de modo a criar uma unidade tão grande na peça que entre as várias fogueiras o espectador veja apenas uma, a unidade. Pois, assim como nós, a peça é múltipla, nós somos a multiplicidade de moléculas que juntas formam nossa unidade. A peça, uma boa peça, será a multiplicidade das unidades que são por si só múltiplas. Espero que hoje saiam daqui sabendo que o geral será preferível ao particular, além disso, assim como na vida, é preferível se sacrificar para manter uma unidade, uma harmonia.

(Texto inspirado na teoria do ator

e no materialismo de Diderot –

Especialmente em suas obras:

Paradoxo sobre o Comediante e

O Sonho de d’Alembert)