A MÃE SOLO DA TELA...

A reportagem para o dia das mães, como sempre acontece, já estava no ar.

Mais uma vez o tema da fome, dessa vez numa Pandemia devastadora do meio, tomava a compaixão de todas as telas das mídias, as que também, vez ou outra, aplaudem as surrealidades dos bastidores, históricos e atuais, que fazem passivos sociais e túmulos em crescente.

A moça bonita, jovem "mãe solo" de cinco filhos, tinha o fenótipo "fashion" das dores que interessam às matérias de todas as matérias já destruídas...cujos alicerces nunca foram construídos, muito menos publicados.

Então, foi prontamente entrevistada, com a avidez jornalística dos que contam sobre as tristezas do mundo.

Via-se que na face de pele brilhante a moça trazia o desenho remodelado das sobrancelhas do século vinte e um, daquelas desenhadas por pincéis precisos, conferindo às fisionomias cansadas certa robustez que levanta todos os olhares desanimados.

Os cílios, decerto que nenhuma natureza plástica os implantaria com melhor maestria.

Os cabelos lhe caiam soltos em belíssimos cachos leves e lustrosos que se entremeavam com chapeados em mechas coloridas.

As pálpebras em definitivas delineadas davam profundidade e contraste ao cenário de dor, algo já anestesiada, sobre o todo nunca cuidado pelo tempo.

O jeans lavado, aparentemente novo e rasgado, mostrava uma certa irreverência, dessas que são insufladas historica e programaticamente a serviço do que não se enxerga.

As unhas das mãos que seguravam um celular de ponta recém vibrado no "App" de mensagem, daquele de logotipo feito da fruta simples cujos preços aviltam a inacessibilidade das fomes pelas barracas da vida, exibiam cutículas milimetricamente aparadas, acabamento caprichoso do verniz colocado sobre leitos ungueais impecáveis, a fazer diferentes nuanças em cada uma delas, como um arco-íris a buscar um possível céu para riscar futuras cores de vidas possíveis.

A tatuagem no peito mostrava uma estrela brilhante disposta a iluminar o tudo.

A sonoplastia de fundo era dada pelo córrego de esgoto a céu aberto, pelo canto do galo dentre um cacarejar em busca das migalhas do solo e pelos Bem- te -Vis que sobrevoam os céus improváveis a gritar que tudo veem, sem absolutamente nada poderem fazer...

Aproximado o microfone para a declaração conclusiva da reportagem ouviu-se a inesperada declaração final:

"há dias, eu e meus filhos, não temos o que comer"