SEM FANTASIA

Estava em um concurso público na Universidade Brasileira com um número limitado de vagas. A prova escrita foi projetada nos moldes do Vestibular. Foi uma surpresa para todos, tanto o conteúdo da prova escrita como a quantidade de concorrentes. Era como se todos tivessem regredidos à jovens universitários.

Após a distribuição nos vimos diante de uma pilha de jornais, mas desarticulados e caóticos. Não havia um tema para dissertar e nem folhas em branco para escrever. Impossível escolher o que responder. Quatro horas de prazo. O tempo corria e ficava cada vez mais desesperada. Como escolher algum assunto daqueles propostos no amontoado de papéis? O que fazer? Como propor algo dentro daquela sistemática? Como descobrir que enigma era aquele?

Se pelo menos tivesse um rascunho, mas encontrou no desespero uma brecha entre os textos. Uma nesga em branco no jornal. Por ali encontrou um caminho. O que propor? Dará tempo? As horas estavam escorrendo e parecia que não ia terminar de ler a pilha de jornais. Respira e olha para os lados e vê que a maioria das pessoas havia se retirado. Poucos ficaram naquele salão imenso, quase vazio, desolador.

Suando nervosa tomou a dianteira. Que bom pensou, já não preciso entregar de mãos vazias, já posso dar uma resposta. Só lhe vem à cabeça uma saída estratégica: não se identificar, pleno anonimato, entregar apenas o jornal que vai escrever, o que sobrar jogar no chão, nas carteiras, ou espalhados ao léu. Fez isso e escreveu:

O PAÍS VAI ACABAR ENTERRANDO SEUS HABITANTES, TODOS MORTOS SEM CONSEGUIR LUTAR NO ÚLTIMO ROUND CONTRA AS INIQUIDADES.

Quando terminou o curto manifesto com a letra espremida entre os impressos, olhou para os lados e viu que tinha sido profética: aqueles que restaram sentados tentando escrever alguma palavra de ordem, ou de protesto, ou algum grito parado no ar, mas que atingisse os responsáveis pelo concurso – todos estavam MORTOS.E, ela também estava morta. Foi só então que entendeu o enigma. As pessoas estavam tão sem esperança e sem projeto social que demoraram para agir, e com isso, perderam o “bonde da história”, a oportunidade de fazer valer a sua vez e a sua hora.

ISABELA BANDERAS
Enviado por ISABELA BANDERAS em 07/05/2021
Código do texto: T7250408
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