O URUBU -deus E O TRIBUFU -rei
Era-não só uma vez mas várias -um Urubu e um Tribufu.
Nasceram num mesmo solo rachado, aviltado, vilipendiado, desconfigurado. Ao nada fadado.
Tais seres não eram só parecidos na rima fonética dos seus nomes posto que compartilhavam da mesma sílaba tônica: na verdade, embora tivessem caminhos opostos de partida, buscavam pelo mesmo sentido o anseio de voo em meio ao igual destino de existência...o de sobrevivências maquiadas.
Tinham um artifício de funcionamento "operandi": ambos eram camaleões.
Queriam liderar todas as paixões.
O Urubu-deus, vaidoso como pavão, sonhava ser lince, ter olhos afoitos por sobre todo o cenário já desgastado e sobrepujar o destino duro de sobreviver das montanhas de carcaças. Era rapino no bote! Tinha todo o sistema do "céu" ao seu lado. Acreditava ser um deus. Queria arrebanhar um tesouro.
Já o Tribufu-rei, travestido de simplicidade humilde, embora cansado da mesmice sem acento tônico de si mesmo, urgia por sair do bastidor e brilhar numa coroa pomposa de rei, enfeitado de progresso, onde pudesse terminar seus dias algo ovacionado pelo tudo de si: o " mesmo ser nada" dos mitos já *poetados.
Ambos sabiam que a insatisfação reinante, a proporcionada pelo cabresto da ignorância esfomeada, dividida e insuflada, lhes renderia confiança do meio ambiente sufocado, já há milênios sem oxigênio às vidas improváveis.
Um dia partiram pelos sentidos opostos na tentativa de angariar a confiança do reino perdido.
O Urubú, desavisado por voar pequeno sobre o que não lhe pertencia, revoou até que o quase nada de tudo se transformasse apenas em sucatas de sonhos triturados.
Nada de consciência sobrou por ali...para que, lá na frente, se pudesse contar e registrar a verdadeira história surrupiada.
Mesmo diante de sua avidez vitimizada e premiada, o Urubu-deus jamais baixou as asas e nunca se apercebeu que um ambiente destruído jamais lhe renderia os antigos lucros, nem dividendos.
Nem mesmo novas velhas carcaças, posto que é impossível reciclar o nada de tudo.
O Tribufu, então, olhando com atenção para o todo sucatado do Urubu, analisou os ânimos e se animou nas ambições de ser rei!
Chegara a sua vez de reinar!
Finalmente sairia do pobre e invisível bastidor.
Prometeria ao meio a volta de tudo que tinha sido astutamente levado.
Acreditou que pudesse , ainda que por pouco tempo, ludibriar aquele mundo já tão pequeno através da ilusão de lhe devolver a dignidade furtada.
Arrebatou toda a dor do meio para o seu ardil enganador.
Mesmo doendo, todas as mãos do reino furtado batiam palmas em sentidos opostos.
Parecia um mundo fadado a ficar sempre menor.
Enquanto a terra morria, era só o que se ouvia...
-Vida longa ao deus! -gritavam uns.
-Vida longa ao rei!-rebatiam outros.
O tempo passou a apenas se alternar entre as mesmas escolhas do meio: se uma "era uma vez" fosse para o Urubu a próxima seria para o Tribufu.
Não havia saída visível para o meio.
Hoje em dia...contam que:
O Urubu-deus, já meio sem força para voar, asas melancólicas desoxigenadas pela falta do mesmo oxigênio que furtou do todo, desmoralizado no meio mas perdoado pelos anóxicos de sensatez , tenta uns voos rasos sem encontrar nenhuma carcaça viável para, em terra desolada, dividir com tantos urubuzinhos famintos.
O Tribufu -rei tenta continuar, algo sozinho, buscando pelo mesmo oxigênio sempre em falta, embora com cada vez mais tribufuzinhos oxigenados na animação de continuar.
Há quem diga que, na verdade, "Urubu- deus" e "Tribufu- rei" sempre foram amigos do peito...
A despeito da total falta de respeito: revezam tronos e coroas dentre os mesmos e iguais céus e infernos da terra prometida, nunca encontrada pelo tudo que agoniza.
Não sei contar o final da História porque também perdi o senso de direção; mas ouvi dizer que aquele mundo se acabou.
Então...
Foi assim que aprendi que: nem a pior fábula da História se negaria a tão incisivo ensinamento, ainda que em cruel término: o da finalização da moral.
* Alusão ao poema de Fernando Pessoa: ULISSES