A Fábula de Um Ratinho da Roça na Cidade Grande
 
Introito:
O dia estava nascendo. A luz do sol anunciava a sua chegada pintando o céu com um divinal colorido que faria corar de inveja Leonardo da Vinci, Claude Monet e Michelangelo, devido ao seu inenarrável jogo de cores que dava às volúveis nuvens. E as cirrus – nas suas formações de imaginárias pareidolias – tinham como tela de fundo o éter azul-celeste de sutil e encantadora beleza!

O Galo saltara do poleiro e se dirigiu ao seu palco – o topo do mourão da cerca do curral – para, de lá, emitir o seu toque da alvorada que seria o aviso do raiar de um novo dia. O proprietário da fazenda e toda a bicharada trataram de postar-se de pé. Era mais um dia da labuta diária da fazenda.

O cantar do Galo despertara o dom Ratão e toda a sua prole composta pela dona Ratinha e o adolescente ratinho Jerry. O dom Ratão passa as patinhas pela cara, alisa o bigode, dá um beijo na esposa Ratinha ao mesmo tempo em que a comunicava: - Querida, vou sair para buscar o nosso café matinal!
- Pai, deixa-me ir com o senhor, deixa! – implora o adolescente Jerry!
- Ainda não, meu filho. Você é muito jovem para enfrentar os perigos que há lá fora. Você tem muito que aprender antes de sair do aconchego da nossa casa, para enfrentar o traiçoeiro mundo. São muitas as armadilhas que estarão à sua espera lá fora.
- Saco! – retruca o aborrescente adolescente Jerry. A gente não pode fazer nada, pô! Tudo é proibido! – vocifera o feroz rato fera!
- Meu querido filho – intervém dona Ratinha – o seu pai tem razão. Sair pelo mundo sem antes conhecê-lo é muito perigoso.
O perigo está presente em todos os cantos, em todos os lugares. A nossa casa é – no momento, filho – o local mais seguro para você e todos nós.

- Humf! Resmungando todo seu aborrecimento, o aborrescente Jerry se cala.
E o dom Ratão, com esmeros cuidados, coloca a ponta do narizinho para fora da entrada do buraco. Fareja o ar na busca do cheiro de perigo representado pela fera dom Gatão – o temível caça ratos! As narinas lhe dão o sinal verde.
– “O dom Gatão não se fazia presente!” – dissera-lhe o fino faro!  A sua rota estava livre. O caminho estava liberado. Então, lá vai o dom Ratão em busca do pão que – na mais pura das verdades – era o saboroso queijo produzido na fazenda.

Assim que chega ao depósito onde os queijos passavam pelo processo de maturação, dom Ratão escolhe aquele que mais lhe parecia ser apetitoso. Usando os dentes como faca, corta – ao mesmo tempo em que se alimentava – um enorme e bom pedaço. Com a barriguinha – agora bem cheia – ele coloca no seu costado o queijo roubado e enceta o retorno para casa.

Todavia, o pior acontece: Como num passe de diabólica magia, surge à sua frente a temível figura de dom Gatão. O dom Ratão empalidece, os fios do bigodinho tremulam – estou frito, pensou! Os martelos dos seus tímpanos batem com intenso furor ao som dos ensurdecedores rugidos e miados da fera dom Gatão:
- “De hoje, você não me escapa – rato ladrão!” – dissera o dom Gatão!

Então, eis que surge a salvação. Os ferozes rosnados e latidos de dom Buldogão se fazem ouvir. Inimigos que eram – e devido a enorme diferença de força e poder existentes entre ambos – dom Gatão vê-se obrigado a bater-se em retirada, para não ser abatido à dentadas. E o dom Ratão está a salvo!

Havia entre o Rato e o Cão uma salutar simbiose surgida depois que o dom Ratão retirou, com seus dentinhos, um enorme espinho da pata do dom Buldogão. Daí em diante, a amizade fora crescendo até se tornar indissolúvel.

Alegre, dom Ratão se aproxima do amigo e o agradece:
- Muito obrigado, dom Buldogão! Devo-lhe mais esta, amigo – dissera!
- Amigos são para estas horas, meu amigão! Eu e aquele dorminhoco e preguiçoso não nos damos bem de há muito – sorrindo, dissera dom Buldogão!

Sorrindo, dom Ratão se despede do amigo, pega a sua fatia do queijo e se manda para a sua casa. Em lá chegando, narra a sua épica aventura vivida, sendo ouvido atentamente pelo filho Jerry que comenta:
- Quer dizer papai, que os latidos de dom Buldogão afugentaram o dom Gatão que queria comer o senhor?
- Isso mesmo, meu filho! Quando falamos com você sobre os perigos que o mundo nos oferece, este é um bom exemplo.
Cachorros detestam os gatos e os gatos fogem ao ouvirem os seus latidos! A família dom Ratão se esbalda em risos, enquanto saboreavam o queijo regado pelo café matinal.

 
A oportunidade de conhecer o mundo:
O tempo passa. Jerry – agora, já ostentando uma maior idade – julgava ser sapiente o bastante para sair pelo mundo. Isso lhe viera à mente, devido ao fato de já estar ajudando ao pai dom Ratão nas suas peripécias em busca dos alimentos provedores da sua toca. A vontade de conhecer o mundo e todos os segredos nele contidos crescia "de vento, em popa” na sua parva e jovem cabeça oca!

E eis que a oportunidade aparece. O caminhão, que transportava os produtos para a cidade, estaciona em frente ao depósito de maturação dos queijos.

- Oba!... é hoje, ou nunca – pensara o trêfego Jerry! Vou embarcar-me nesse caminhão e partir pelo mundo afora para melhor conhecê-lo. Vou me despedir do papai e da mamãe.

- Não vá, meu filho! Você, ainda, é muito jovem e pouco sabe da vida que há lá fora. O mundo é crudelíssimo, meu filho! – disseram-lhe os pais!
Resoluto, o tresloucado Jerry respondeu: - Vou sim, e nada vai impedir-me de realizar os meus sonhos. Assim dizendo, Jerry partiu partindo os corações dos seus pais.

O caminhão carregado de queijos leva no seu bojo o aventureiro Jerry. No sacolejar do caminhão, Jerry se divertia em meio aos queijos, enquanto deles se alimentava.

O veículo para. Era o fim da viagem. Já estavam na sonhada cidade grande. Jerry desembarca, olha à sua volta. Precisava encontrar nova residência. Do outro lado da rua, há uma enorme casa. Ele nunca vira nada igual e de tão grande tamanho – era uma mansão! Ali deve haver um local onde eu possa criar a minha própria casa. Incauto – e quase sendo atropelado pelo feroz trânsito da cidade grande – ele atravessa a rua e adentra a mansão.


Lá, ele vasculha todo o ambiente. Deve haver uma toca, aqui – pensou! Enfim, encontra o que procurava. Era um buraquinho na parede de tamanho suficiente para a sua passagem. Ele adentra-o e nota que não existe outra saída, uma “rota de fuga”. Bah!... Isso é coisa de somenos importância. Com o passar dos tempos, eu mesmo farei outra saída. Assim pensando, refestelou-se em um dos cantos e tirou uma baita soneca.

Acordou, mais tarde, com um barulho de algo novo, estranho para ele que era um “matuto rato” na cidade grande. O barulho era de um aspirador de pó manuseado pela empregada doméstica. Apontando o nariz para fora da toca, ele se sente quase sugado por aquela doida e estranha máquina barulhenta. Recolhe-se assustado e se lembra dos conselhos dos seus pais: - “O mundo é crudelíssimo, meu filho!”

A máquina passa. O tempo passa. Da barriguinha vem o rosnado feroz do famélico leão estomacal. Era a brava fome que chegava pedindo passagem.

Por aqui deve haver o que se comer! Assim pensando, ele sai em busca da sua primeira refeição citadina! A sua busca chega ao final. Sobre uma mesa há um suculento pedaço de queijo, provavelmente seria um dos queijos que viera da fazenda onde vivera com os pais. Rápido e rasteiro o pega e segue em direção da sua nova morada.

Mas, o pior acontece: Atento ao intruso larápio está um peludo e enorme Gato angorá, bem maior que o dom Gatão que o aterrorizava na fazenda. O que fazer a não ser escafeder-se? Escafedeu-se! Rápido (assaz, bem ligeiro)  tendo nos seus lépidos calcanhares os rugidos do feroz Gato angorá. Ofegante, chega enfim à sua toca, adentra-a e respira fundo tendo os seus bigodinhos a tremularem.

Lá de fora, vêm os rugidos da fera devoradora de ratos que ao rato Jerry assombrava. Aquela era a sua primeira experiência de luta pela vida dentre os grandes perigos que o mundo estava lhe oferecendo!

Então algo de novo acontece. Lá do exterior da toca, vêm os fortes latidos de um Cão e isso é um alívio aos seus ouvidos que não mais ouvem o rugido do Gato fera. Relembrando a épica aventura do seu Pai, que passara por algo semelhante, ao ser acuado pela fera dom Gatão, ele respira, alisa o bigodinho – está aliviado! O Gato, com medo do Cachorro, já se escafedeu. Tranquilo, guarda abaixada e serelepe, ele põe a cabecinha para fora e sai da toca. Impensado e tolo ato do inexperiente Rato!

E eis que, de repente, um algo novo e ruim acontece: duas enormes e peludas patas, com afiadas garras, pesam-lhe sobre o seu corpo. Era o esperto Gatão angorá – a fera devoradora dos ratos incautos!

Sem saber como e o porquê do acontecido, ele indaga ao Gato:
- Como pode isso ter acontecido? Onde está o cachorro que, há pouco, estava latindo para morder e espantar você? Cadê ele? Onde ele está? Cadê o cachorrão?

-Você é mesmo um bocó, viu? Para se viver neste mundo, você tem que falar, no mínimo, duas línguas distintas. Eu, por exemplo, falo o meu gatês, um fluente cachorrês e entendo muito do ratês, também. E completou dizendo: - Você não terá a oportunidade de aprender uma nova língua porque será saboreado pela minha faminta língua gatês!
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Moral da fábula/história:
Para todos aqueles que pretendem conquistar o mundo e nele progredir, têm que aprender a se comunicar. E só se comunica bem aquele que souber dominar a sua língua e a dos seus prováveis adversários, nesta difícil luta pela sobrevivência!

Imagem: Google

 
Altamiro Fernandes da Cruz
Enviado por Altamiro Fernandes da Cruz em 14/04/2021
Reeditado em 15/05/2021
Código do texto: T7232035
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