O discurso do Rei

Diante do palanque do rei a multidão está posta. Todos parados e enfileirados em uma formação quase granítica de tão perfeita. Poucos olhos, os que foram permitidos a tal, ousam encarar o soberano que se põe diante daquela turba imóvel a se preparar para o grande discurso. Diante do medo de seus súditos o rei se permite a fazer um gracejo, se permite a ser o bobo da corte a até mesmo não ser rei, pois o silêncio é a confirmação de que não haverá contestação ou mesmo desaprovação de seus atos. Do outro lado do campo que separa o rei do resto da cidade, as multidões fazem aquilo que lhes é vocação fazer. Vão de um lado para outro como se fossem formigas na espera de terem seu formigueiro esmagado.

O Rei então se levanta. Dirige-se até a tribuna com sua coroa de 30 pedras vermelhas, saúda a multidão que não responde, a não ser os observadores e começa a falar, com a voz de um animador de plateias.

- É com muito prazer e com muita honra que hoje reúno todos vocês aqui. É deveras extasiante ver que cada dia mais o nosso número aumenta. Desde que vocês chegaram a esse reino tenho visto a serenidade dos seus rostos, a forma com que vocês se portam e a lealdade para com a nossa causa que só existe baseado em 3 princípios: A fé no Todo-poderoso, O bem da nação e a paz das famílias. Esses 3 princípios são a base da nossa liberdade. E hoje eu vejo que vocês estão livres. Hoje eu tenho a honra de dizer que nossas fileiras já somam mais de duzentas mil almas e ainda em crescente. Pessoas que muitas vezes nem queriam estar, que não queriam se envolver nessas contendas, mas que no choro ou no riso estão aqui. Isso prova o quanto desejamos um futuro do qual ninguém mais reclame, por não ter mais do que reclamar. E eu sei que esse movimento há de se espalhar como um incêndio em uma floresta... e é com essa fé que decreto hoje O FIM DA TRISTEZA. A partir de hoje não se é mais triste nesse reino. Acabou!

Não houve aplausos. Eles tampouco eram necessários. O rei não queria outro barulho que não a sua própria voz. Terminou o discurso, desceu da tribuna e caminhou em meio às duzentas mil lápides acompanhado apenas dos observadores deixando atrás uma Paz sombria, parecida com um abismo.

E enquanto isso, lá fora a multidão aguarda o pé que lhe esmagará o formigueiro.