Parlatório dos sentimentos
Certa vez o amor e ódio convocaram todos os sentimentos do mundo para uma reunião, num parlatório emocional, para que fossem discutidas as diretrizes sentimentais dos humanos, e assim, se esclarecer o que traria equilíbrio ao homem, bem como qual seria o melhor e o pior dos sentimentos.
O primeiro a falar foi o amor. Ele trouxe consigo uma gama de sentimentos bons, dentre eles o afeto, o carinho e a ternura. O amor falava da doçura de se amar, se apaixonar, da importância do afeto entre as criaturas, que deveriam se sentir afetadas por bons sentimentos. O carinho e a ternura vibravam em apoio às palavras doces e sedutoras do amor.
Eles gostariam que a saudade entrasse para o time, mas acontece que a saudade doía demais. E ninguém sabia bem em qual time a saudade deveria permanecer.
Chegou o momento do ódio. Ele trazia consigo a ira, a maldade, o ciúme, e subiu ao parlatório com um discurso forte e eloquente. Dizia que só o ódio transforma mesmo o homem, que não há fraqueza no ódio, como há no amor, e que o ódio é que move as pessoas, sem ele o homem é fraco e temeroso.
Depois de muita conversa, concluíram que todo bem contém uma gotinha de mal, e todo mal contém uma gotinha de bem. Amor e ódio andam de mãos dadas, e é importante o equilíbrio entre os sentimentos.
Então, qual seria o pior dos sentimentos?
O amor era bom demais para entrar nessa discussão, ficou de longe apenas observando.
A ira queria se sobrepor ao ódio, e um discurso acirrado aumentava sem nenhuma razão. O ciúme também entrou na briga. A inveja levantou-se e apontou o dedo na cara no ódio. Todos queriam o título de pior sentimento do mundo. Estavam todos lá, os piores sentimentos de pé, se digladiando, se batendo, berrando, cada um querendo ter mais razão que o outro.
Até que a preguiça olhou para a plateia e notou um sentimento parado, sem dizer nada, apenas observando com desdém toda aquela confusão.
- Ei, você. Não vai dizer nada? Vai ficar aí só olhando?
O sentimento obscuro nada respondeu.
Todos os outros foram até ele, até o amor e seu clã que já estavam de saída, retornaram intrigados, quem seria aquele sentimento que não se movera por nada?
O ódio foi logo lhe dando uma bofetada na cara:
- Fala alguma coisa, seu imbecil, inútil.
O amor ponderou:
- Calma, talvez um pouco de amor o faça dizer alguma coisa. Diga, querido, o que você acha de tudo isso?
O sentimento permanecia em silêncio, como se estivesse alheio a tudo e todos.
Todos os outros sentimentos começaram a ficar irritados, até mesmo o amor estava perdendo a paciência. Que coisa mais desagradável era aquele sujeito que nada dizia, nada respondia, não se abalava, parecia não se importar com nada. Depois de muita confusão, a angústia começou a chorar, a tristeza dominou a todos os outros, o ódio se destacou perante alguns, e o amor entrou numa profunda depressão.
Foi então que a compreensão, tentando entender o que se passava com aquele sentimento, perguntou:
- Já que você não quer participar de nada, por favor, apenas nos diga quem é você.
- Eu sou a indiferença!
E todos os outros compreenderam que a indiferença é o pior dos sentimentos. Quem nada diz inflama os demais, sejam eles bons ou maus, quem nada faz incomoda aos demais, quem a nada reage parece desdenhar de todos, e nem a paz consegue abrandar os sentimentos inflamados pela indiferença.