OS SAPATOS DO PARAÍSO*

Abrahão era um judeu de alma inquieta e questionadora das tradições, sempre em busca de um significado maior para as interpretações da Torah** e da necessidade de cumprir com os mandamentos. Sua alma não estava tranqüila, apesar de seu bom casamento com Rebeca que já durava décadas, seus filhos bem sucedidos na vida e netos saudáveis e bem encaminhados. Nada disso, entretanto, o mantinha tranqüilo e muito menos feliz. Estava sempre angustiado em busca de algo novo que sequer sabia definir com precisão o que era.

Um dia ele se levantou antes do nascer-do-sol, vestiu-se, levou consigo uma pequena maleta com algumas roupas e utensílios necessários e despediu-se de Rebeca:

- Mulher, estou indo embora. Essa vida que levamos juntos há tanto tempo não me alegra mais o espírito, e torna minha alma inquieta, preciso ir em busca do paraíso...

- Abrahão, não entendo o que fazes, há tantos anos vivemos juntos, construímos uma vida juntos, temos uma modesta, mas confortável casa, tivemos filhos trabalhadores e saudáveis que nos deram netos lindos e carinhosos. O que queres mais? Que paraíso buscas? - responde-lhe atônita Rebeca.

- Sei de tudo isso Rebeca, mas minha alma não se aquieta. Preciso ir em busca de algo totalmente novo que me alegre o espírito. Creio que com um pouco de sorte e com a ajuda de D'us#, encontrarei o paraíso que busco...

Sem mais nada dizer, Abrahão partiu, levando apenas sua pequena maleta, deixando para trás sua mulher, casa, família, rua, cidade, em busca de um paraíso perdido que nem ele saberia descrever como seria.

Vagou dias a esmo, saindo da cidade, percorrendo estradas que se tornaram estreitas trilhas, adentrando bosques e que, por sua vez, tornaram-se picadas abertas a facão em densas florestas. À noite já exausto, Abrahão resolveu deitar-se e dormir para continuar, na manhã seguinte, sua jornada rumo ao tão almejado paraíso. Antes tomou o cuidado de marcar com seu já surrado par de sapatos a direção que deveria continuar seguindo, na manhã seguinte. Antes de adormecer, acendeu uma fogueira e orou a D'us com fervor para que o ajudasse a encontrar seu destino.

Durante a noite, uma forte ventania apagou a fogueira que Abrahão tinha acendido e inverteu a direção dos sapatos que ele tinha posto à guisa de setas sinalizadoras.

Na manhã seguinte, ele acordou cedo bem disposto e revigorado e pôs-se a seguir a direção que os sapatos lhe sinalizavam. Percorreu picadas abertas a facão na floresta que a seguir tornaram-se trilhas em bosques e que, depois de algum tempo de caminhada, tornaram-se ruas de uma pequena cidade que lhe pareceu familiar. Mais um pouco e dobrou numa rua muito semelhante à rua onde morava. Em seguida, na esquina avistou uma pequena casa extremamente parecida à que deixara. Bateu à porta e uma mulher com aparência muito semelhante à Rebeca o esperava com um forte abraço e beijos carinhosos. Em seguida, jovens acompanhados de crianças sorridentes que muito se assemelhavam a seus filhos e netos correram para lhe abraçar.

Neste momento, Abrahão se alegrou, e beijou carinhosamente sua mulher Rebeca, abraçou calorosamente cada um de seus filhos e netos e agradeceu a Deus, pois deu-se conta que tinha chegado ao tão procurado paraíso!

*Texto extraído de meu novo livro publicado "Conversando com Estátuas e outras histórias", Ed. MouraSa, Curitiba, 2020

**Torah é a Bíblia original escrita em hebraico

#D'us forma contraída com que os judeus grafam o nome do Eterno

 

 

Roberto Leon Ponczek
Enviado por Roberto Leon Ponczek em 14/09/2020
Reeditado em 15/03/2022
Código do texto: T7062645
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