Com Que Se Paga o Bem?
Por Nemilson Vieira (*)
O lobo (animal) tem sido injustiçado ao longo do tempo, em algumas narrativas sobre ele. Que muitos a tiveram por verdade. A sua injusta fama de mal só existe nas fábulas.
Pelo desequilíbrio do bioma, o lobo real deixa o seu território de origem e se aventura noutros. Aproxima-se da civilização, por uma questão de sobrevivência.
Num certo assentamento apareceu um lobo solitário desses do imaginário popular.
Por lá havia abundância do seu pão de cada dia…
O bicho mantinha uma dieta eclética. Não lhes faltava suprimento. Um fruto, uma galinha caipira, pequenos animais silvestres e domésticos. Por isso a sua vida estava tranquila. Assim seguia o seu dia a dia…
Tempos difíceis vieram.
Constantemente um morador e outro davam a falta duma criação no terreiro.
Uma ave, um bicho qualquer desaparecia misteriosamente.
Incomodados com as constantes perdas, os sitiantes decidiram investigar aqueles desaparecimentos.
Logo souberam quem estava a causar aquele transtorno. Era um velho lobo.
Unidos e reunidos, em prol da resolução do “problema”, muniram-se de armas, munições e ferozes cachorros de caça.
Varreduras pela região, foram feitas constantemente na tentativa de captura-lo. Não demorou muito os cães deram na batida do bicho.
Sem outras alternativas o animal ganhou as montanhas do lugar, em busca de refúgio…
Na correria morro acima encontrou-se com um andarilho.
— Moço socorra-me por caridade. Ouça só o barulho da cachorrada que vem ao meu encalço. Se o senhor não me socorrer em questão de minutos, irão-me devorar vivo, com certeza. Não aguento mais correr de tão cansado.
O homem o pôs imediatamente dentro de um saco velho encardido e amarrou a boca do mesmo. Continuou na sua caminhada normal e disfarçadamente…
Não demorou quase nada passaram por eles, os caçadores armados e com os seus cães farejadores.
Os cachorros perderam o faro da caça e os caçadores à euforia. Não souberam por onde o bicho se meteu.
Desanimados, frustrados desistiram da caçada.
Lá na frente, já passada a turbulência, fora do perigo, o andarilho desamarrou o saco e tirou de dentro o lobo; são e salvo.
O bicho aliviado rememorou:
— Rapaz, tirou-me duma! Se não fosse a sua compaixão eu estaria morto a essas horas. Com a carreira que eu dei bateu-me uma fome daquelas…
Vou-lhe matar e comê-lo; nem só por causa da fome, mas também para pagar o favor que me fizeste.
— Sê tá doido seu mal agradecido? Saia para lá com essa história!
Eu-lhe fiz o bem, agora quer-me fazer o mal, não é?
— Isso mesmo, senhor o bem se paga com o mal.
— Não! Onde já se viu isso? O bem se paga com o bem.
Nesta discussão o andarilho propôs ao lobo: — Vamos andar por aí; os três primeiros camaradas que encontrarmos perguntaremos e ouviremos deles, o que irão dizer sobre isso. Faremos uma análise das respotas. Talvez me convençam.
Mais a frente encontraram-se com um cavalo velho. Magro de fazer dó, a pastar capim seco, à margem de uma estrada.
— Com que se paga o bem, seu cavalo? — Com o mal; respondeu o animal.
— Olha lá onde eu vivia! Mostrou o pasto verde à frente. — Estou fora dele.
Tudo o que a família queria era comigo:
Montaria, ida às feiras, aos bailes, puxar carroça, viajar…
— Acham-me velho; que não sirvo mais para nada. Negam-me até mesmo um pouco de ração. Sobrevivo neste corredor a comer o capim empoeirado.
Mais a frente encontraram um cachorro velho a espantar as moscas das orelhas.
— Como é que se paga o bem, amigo cachorro? — Com o mal. Respondeu o cão.
— Uai, mas porquê?
— Olhem essa casa aí diante de nós, meus amigos! O andarilho e lobo olharam para a casa.
O velho cão continuou com as suas explicações:
Nos velhos e bons tempos eu já fui a proteção dessa residência familiar. Onça enfrentei para defender os seus moradores. Hoje, não mais me têm como útil; acreditam que sou de nenhuma valia.
Se nela eu pôr os pés, o pau canta nas minhas costas. Receberei pauladas, pedradas, chineladas, xingamentos…
Olhem as minhas costelas como estão! Dá para contar de uma a uma de tanta fome que tenho passado.
Um osso custo achar. Não devo viver dessa maneira!
Encontraram-se com o camarada macaco.
— Com que se paga o bem, amigo macaco?
O bicho parecia que nem pensava na resposta ao se coçar; pescoço, costas, virilhas. Fazer artes, caretas e gritar.
— O porquê desse questionamento? O andarilho explicou-lhe.
Contou-lhe o sucedido na montanha. Do salvamento e o fato do lobo o querer devorá-lo. Para pagar o favor, do livramento recebido.
O macaco mesmo com a sua coceira e travessuras saiu com essa:
— Isso aconteceu mesmo? Acho meio estranho essa história e questionou:
É impossível um lobo deste porte caber dentro dum saco desse. Ninguém consegue uma façanha dessas!
Uníssonos bateram o pé de ser verdade o acontecido.
Diante das afirmativas o camarada macaco, com a sua sabedoria adquirida, da muita vivência de galho em galho pela floresta propôs uma experiência empírica ao lobo:
— Entra no saco e veremos se realmente, há essa possibilidade disso ser verdade!
O lobo rápido e inocente, assim o fez.
Ele próprio (o macaco) com as forças que tinha amarrou bem amarrado a boca do saco; com cipó da beira da estrada.
O andarilho jogou o bicho nas costas e começou a andar…
O camarada macaco o acompanhou um pouco o traslado do bicho e ao se despedir do homem respondeu à sua pergunta (Com quê se paga o bem?):
— O bem senhor se paga com o mal; mate-o logo antes que ele saia do caco e lhe coma!
*Nemilson Vieira
Gestor Ambiental e Acadêmico Literário
(14:01:20)