SOLIDARIEDADE

Introito:
E narra-nos a fábula: A tropa segue pela estrada poeirenta. No seu bojo dois contrastes. Um velho cavalo carregava, além do peso dos anos, dois sacos de sal, sendo um em cada lado da carga. Encimando-os, havia um saco de açúcar. Eram três sacos a sobrecarregarem o já cansado dorso do velho equino.

Por sua vez, ao seu lado, seguia serelepe, um jovem burro a carregar um enorme fardo de algodão. Todavia, o imenso volume não indicava o peso carregado. Era leve, muito leve. E isso era motivo de gargalhadas e gozações do jovem burro ao velho e estropiado cavalo. E dando vazão à sua estúrdia gritava:
-Vamos cavalo velho idiota!... Deixa de ser moleirão velhote! Puxe essa sua carga – vamos!...

E o velho cavalo – com muita dificuldade, diga-se – ergueu as pesadas pálpebras e implorou:
-Por favor, ajuda-me! Já não estou suportando tamanho peso. Tenha dó de mim (Arf!...), por favor... tenha!...

Rindo com um relincho de zombeteiro e sarcástico riso, o jovem burro retrucou:
-Quê que é isso, ô meu? E, ainda rindo, emendou dizendo: - Se vira ô mané, o mundo é dos vivos! Novos relinchos/risos do burro gozador se espargem pela pradaria.
 
Parte I:
O estalidar do chicote, manuseado que era pelo hábil tropeiro, cortou o papo. À retaguarda o outro tropeiro retirou da vagínula uma afiada faca. Do alforje, sacou um pedaço de fumo e, com o uso da faca, picou-o, enrolou-o em uma palha que, estrategicamente retirou de trás da orelha. Fez – o que, para ele, era – um deliciosíssimo cigarro. Acendendo-o, puxou uma baforada, tragou a fumaça. Deu uma cuspidela para o lado... olhou para o céu e comentou:
-“É... nóis temo qui chegá lá no rio e atravessá  pru outo lado antes de iscuirecê!”

Houve, por parte do outro companheiro, aprovação da ideia que, mais uma vez, fez zunir o chicote pelo ar produzindo novos estalidares e obrigando a tropa a deslocar-se com mais velocidade, acelerando o tropel.

As fatigadas e experientes narinas do velho cavalo captaram o odor da água trazido pelo vento. Experiência e odor disseram-lhe: - O rio está próximo. O cheiro do precioso líquido dotou o velho cavalo de um novo ânimo, por saber – de experiências anteriores – ser aquele o ponto onde mitigaria a sede e, consequentemente, um pouco descansaria.

O cheiro se misturou ao barulho das águas, mesclados que eram ao visual das mesmas a correrem céleres rumo aos oceanos. E o rio, incansável, seguia. E a tropa, cansada, à sua margem parou. Parou, descansou e a sede saciou.

-E aí, cavalo velho – comentou o burro falastrão – deu para aguentar o tranco? Em seguida, soltou um relincho como risada e emendou:
-Vá firme, coroa!... O mundo é dos vivos, dos espertos, sacou? Te segura malandro, que o pior está por vir. Novos gozadores relinchos ecoaram pelas pradarias a se mesclarem com o poético, porém, perigoso roncar das corredeiras ao se chocarem contra as pedras.
O velho cavalo, contudo, nada respondeu. Limitou-se, a tão somente, em saciar a sede, respirar fundo e recompor as débeis energias perdidas na labuta diária.
 
Parte II:
Aos gritos de eia... eia... eia dos tropeiros e os estalidos cortantes dos chicotes a ecoarem pelos ares, a tropa começou a vadear o caudaloso – e não menos perigoso – rio.

E eis que algo de novo, inusitado até então, acontece: a carga do cavalo (açucar e sal) fora sendo absorvida pelas águas do rio e, consequentemente, tendo o seu peso diminuído. De outra feita, a carga do burro absorvia a água do rio, tendo, por esse motivo, o seu peso aumentado. Portanto, à medida que a carga do velho cavalo diminuía, o peso da carga do jovem burro aumentava.

O cavalo, agora livre da pesada e incômoda carga, nadava fagueiro em direção à margem oposta. O burro, coitado, sentia as suas forças se esvaírem, se tornarem débeis, inúteis. Ele se debatia e se agitava numa luta titânica contra a correnteza. De nada, contudo, adiantaram-lhe os esforços. As agitadas águas chegavam-lhe às narinas. Mas as narinas não queriam água. Elas ansiavam e buscavam o ar para os ávidos pulmões. Ar não havia. Água sobrava. E os coitados pulmões, mesmo não querendo, não pedindo, foram se enchendo do precioso líquido quando, na realidade, imploravam pelo precioso ar. E sem pedir a devida autorização, a água ocupava todas as cavidades dos alvéolos pulmonares, expulsando deles o que de mais precioso havia: o almejado ar!

O burro, fazendo uso das últimas forças que lhe restavam, implorou:
-Cavalinho amigo, me ajuda! Por favor, ajuda-me!!!
Agora foi a hora e vez do velho cavalo - entre gostosos relinchos/risos - olhar para o burro e dizer: 
-Quê que é isso, ô meu? - Se vira xará, o mundo é dos vivos!
 

Todavia, o sábio cavalo não guardava em seu coração o ódio - guardava o perdão. Mesmo tendo vontade de abandonar o burro à sua própria sorte, ele o socorreu. Arriscando a própria vida, o cavalo mordeu o cabresto que prendia a cabeça do burro e o trouxe até à margem do rio.

Ofegante e humilhado, o burro olhou para o cavalo, se desculpou e  o agradeceu por ter-lhe salvo a vida.
-Obrigado, meu amigo cavalo! Perdoa-me pela minha inconsequente e egoística atitude. Nunca esquecerei esta sua lição de solidariedade! 

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Moral da história: 

O asno deixou de ser um Burro e aprendeu, à duras penas, o valor da Solidariedade com seu velho amigo: o Sapiente e velho Cavalo!
 

Imagem: Google

Altamiro Fernandes da Cruz
Enviado por Altamiro Fernandes da Cruz em 23/08/2020
Reeditado em 08/11/2023
Código do texto: T7043741
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