O HEROICO BEIJA-FLOR
 
 
 
 
O tempo é passado. Contudo, não de longo tempo. É, sem sombras de dúvidas, saudoso! Recordo-me dos verdejantes campos que, então, existiam no meu querido Vale do Mucuri – hoje, Vale de Lágrimas! Árvores de imensuráveis portes existiam lá. E eis que apareceram os homens (Homens? Não! Feras? Com certeza, sim!) portando machados e serras – vieram para destruir as nossas árvores e, consequentemente, rios e toda a vida animal e vegetal existente. E diziam os parvos:
-“Aqui tem tantas árvores que, por mais que as cortemos, não vai acabar nunca!”

Ledo engano. Mais cedo que as previsões dos parvos, as árvores quedadas deixaram de serem símbolos de vida, da biodiversidade, para serem, tão somente, tábuas, compensados, caibros e ripas. Algumas tábuas foram utilizadas na confecção de caixões para justos (Será que havia justos?) e pecadores. As vidas e biodiversidades que elas representavam para a natureza foram, com elas, embora. O maravilhoso e lindo verdejante das suas copas se transformaram em “verdinhas”, nos paraísos fiscais. Homens ficaram mais ricos. Homens ficaram mais pobres, paupérrimos – miseráveis! Regiões ficaram mais empobrecidas. A natureza? Impiedosamente mais morta!

Pousado sobre um raminho se encontrava um Beija-flor. E ele dormitava. Estranhos ruídos o acordaram – eram passos, tropéis dos animais em fuga. Os macacos passam em disparada, seguidos pelas onças, tamanduás, tatus e todos os demais habitantes do que restara da floresta. Ele, assustado, pergunta ao macaco:
- O que aconteceu, companheiro, para provocar tanta correria?
-A floresta está em chamas, não vê?
-Fugir não resolve – dissera-lhe o Beija-flor! Nós temos que tentar apagar as cham...

O macaco e os demais animais em fuga não o ouviam. Ávidos por salvarem as próprias vidas, ligeiro fugiam! O Beija-flor relembra, então, do seu homônimo da fábula, que, ao pressentir o perigo da floresta em chamas, postou-se com imensurável bravura indo ao lago buscar água no seu minúsculo bico para apagar o incêndio devastador.

(A fábula nos narra à épica batalha do pequeno Beija-flor. No momento, contudo, a realidade se mostrava com dimensões que fugiam ao controle.)
-Farei como o meu herói da fábula – pensou! Irei ao lago e pegarei água o suficiente para apagar o incêndio.

Os animais, aflitos, diziam: - Não vai dar certo, Beija-flor, o incên...
Agora era ele quem não os ouvia. Resoluto, bate as minúsculas asinhas e sai em um vôo ligeiro rumo ao lago. Do alto, nota que o incêndio era, deveras, de grande proporção. Não se intimidou. O lago está logo à frente – pensou! Em lá chegando, pegarei com o meu biquinho água suficiente para apagar o fogo. Com o meu exemplo (Quem sabe?) meus amiguinhos, também, resolvam entrar na luta para, juntos, salvarmos o nosso habitat.

Pobre Beija-flor! Assim como os homens – tidos racionais – os seus amiguinhos estavam pensando em, tão somente, salvarem as próprias vidas. Os racionais deveriam lembrar-se que não havia lugar para onde levar o que das suas vidas restaram. Fugir para aonde, se onde fugir não havia?

A fumaça chegava-lhe às minúsculas narinas. Seu minúsculo coração, que normalmente bate entre 70 a 80 vezes por segundo (4.800 batidas por minuto) estava disparado. Sentindo desnortear-se, arriscou um voo rasante para fugir do fumo carbônico que ascendia ao espaço.

Estou chegando ao lago – pensou! Todavia, lá, onde antes havia um lago, nada mais restava a não ser a desertificação provocada pelo bicho homem – constatou! Lá do alto, o pequeno Beija-flor viu que outros animais tentaram como ele, chegar ao lago. Mas somente as carcaças, lambidas e devoradas pelas chamas, era tudo o que deles restaram. Ele tentou alçar um voo mais alto na busca de nova fonte de água que pudesse mitigar-lhe a sede e o ajudasse na difícil tarefa de ao fogo apagar. Rios, riachos, lagos, lagoas ou mesmo uma mísera fonte não mais existiam. Ele, perigosamente, voa mais alto. Tentava buscar recursos onde pudessem ser encontrados. Mesmo que tivesse olhos de águia, água ele não veria, porque água não mais havia. O horizonte, até onde a visão alcançava, estava ardendo em chamas. Tristemente constatou: o incêndio não está somente na minha floresta. Ele está em todas as partes. O mundo está se acabando, ardendo em chamas – pensou! O homem, finalmente, conseguiu o seu macabro intento: o mundo está sendo destruído – constatou!

Se o Beija-flor soubesse da história da humanidade, ele ligaria Nero, e seu insano ato de por fogo em Roma, aos demais homens que estão pondo fogo no mundo. E como Pilatos, veria que todos lavaram covardemente as mãos ao incendiarem o planeta, ou fingiram não ver os depredadores incendiarem-no. E a exemplo de Nero – e tão loucos como ele – ficaram assistindo ao macabro ato de ao mundo destruir. É lamentável constatar: o mundo está em chamas. 
Uma forte rajada de vento, como um cometa, passa pelo pequeno colibri. E ela traz na sua cauda de Halley assassino uma língua, uma enorme labareda. Esta chama assassina envolve o seu minúsculo corpinho. E ele tomba inerte, já sem vida. Ninguém mais veria o Beija-flor, mesmo porque, nem o bicho homem deve existir mais, por ter sido vítima da sua própria e desenfreada ganância ao mutilar de forma covarde e impiedosa a natureza. Portanto, ele está sendo cobrado, com altos juros, pelos seus insanos e bestiais atos.
Mangueiras não há mais. Mesmo porque água não existe.

Meio ambiente não há mais. Mesmo porque ecologia e vida só existem nas mentes dos sobreviventes – será que houve algum depois da hecatombe?
Esperanças não há mais. Por serem verdes como as florestas, elas sucumbiram com as chamas devastadoras. Elas morreram juntamente com o último suspiro de um valente e heróico Beija-flor!
 
Texto: Altamiro Fernandes da Cruz
Imagem: Google
 
 
 
 
 
 
Altamiro Fernandes da Cruz
Enviado por Altamiro Fernandes da Cruz em 11/08/2020
Reeditado em 11/08/2020
Código do texto: T7032070
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