O macaco que sabia voar
Era uma vez um macaco super curioso (tá, eu sei, todo macaco é curioso), só que as suas curiosidades não eram banais como as do resto da macacada, ele não se ligava em macaquices e outras basbaquices, ele era um macaco descolado que não se contentava em ficar saracoteando de galho em galho o dia todo. Ele tinha um grande sonho: ver a floresta de um outro ponto de vista – por cima, como os pássaros, ver as copas das árvores como quem vê um pé de brócolis de frente.
Ahhh! Devia ser incrível… vai ver que é por isso que essas ararinhas barulhentas parecem estar sempre felizes – matutava ele. Só que pra realizar este sonho ele tinha que ser esperto e descobrir qual era a árvore mais alta da floresta para então se aventurar até o seu cume. Resolveu então começar uma pesquisa de campo com toda a macacada, perguntando a cada um que encontrava qual era a mais alta árvore que ele já havia se dependurado. Após dias e dias de intensiva pesquisa o astuto macaco concluiu que a árvore que o levaria a miragem de seus sonhos era um velho jacarandá que, pra sua indignação, ficava exatamente do outro lado da floresta. Mas apesar de não conhecer a sábia frase de Fernando Pessoa de que “todo esforço vale a pena se a alma não é pequena”, o descoladíssimo macaquinho não tinha alma pequena e sem perder tempo em maiores conjecturas e filosofaturas partiu em sua jornada, não sem antes é claro, munir-se de uma razoável provisão de bananas que amarrou à cintura com o auxílio de um cipó, à moda havaiana. E assim se foi o aventureiro em sua jornada florestal. E pelo caminho fez muitos amigos, encontrou uma bicharada diferente e quanto mais se distanciava da sua árvore mais a bicharada ficava diferente… mas o engraçado é que mudavam os bichos mas o papo era sempre o mesmo: mas por que você quer ver a floresta de cima? o que é que tem de diferente? e ele animado respondia: não sei, vou descobrir, quando souber te conto… e continuava seu caminho todo cheio de si. Teve bicho também que confessou-lhe com ar cansado: “é, eu também sempre tive vontade de ir lá dar uma espiada, mas sabe como é, lugar de sapo é no banhado, aqui é que tem bastante inseto pra gente comer CROAAAAC…” e assim se passaram dias e noites… e dias e noites… e dias e noites… ahh as noites… o nem tão destemido macaquinho se tremia todo de medo da noite, afinal era durante a noite que olhos perscrutadores apareciam por toda parte… mas nada, nada, nem aquele medo que não confessava nem a si mesmo iria tirá-lo do seu objetivo e ele seguia em frente de nariz e rabo arrebitados. Até que finalmente no alvorecer do décimo primeiro dia o nosso amiguinho se espreguiçava como que pra se desgrudar da noite mal dormida sobre folhas secas e encostado naquela árvore casquenta que havia espetado seu coro a noite toda – ahh que saudade da minha arvorezinha… - se arrependia ele encarando com cara de poucos amigos aquela árvore cara-de-pau, mirando-a dos pés à cabeeeeeeeeeeeça...... mas espera aí, essa árvore é enorme – será? pensou ele – não pode ser… mas de repente é…. é… acho que é sim… é o Jacarandá ! É o Jacarandá ! É O Jacarandá ! É O JACARANDAAAAÁ ! – gritava e pulava feito louco, gritava e pulava… gritava… e… pulava…, gritava… e… pulava… e gritou e pulou até cair cansado de tanta estrepolia, ufa! e encarando o Jacarandá agora com cara de muitos amigos, admirou-se com a majestosidade daquela árvore, parecia perfurar o céu… como uma ponte entre a terra e o infinito, uma árvore daquela só podia mesmo levar à visão do paraíso… – deliciava-se ele. E ele tinha razão. Muito bem, o pior já passou, agora vai ser mole mole – enganava-se ele. Desamarrou as poucas bananas que ainda estavam atadas à cintura e começou animadíssimo sua escalada. E, atarraxado àquele tronco, ele foi subindo, subindo, subindo, e veio a noite e ele subia… e veio o dia novamente… e ele subia… e a noite…. e o dia… e ele subia… e sentia fome, e se lembrava das bananas desprezadas lá embaixo… mas agora não podia voltar , tinha que continuar, não ia se deixar abater por nada… e veio o vento, tão forte que por duas vezes quase o desgrudou do tronco… e veio a chuva, tão forte que seus pingos pareciam pedradas na sua cabeça… e veio o sol, tão forte que torrava a sua paciência… e ele subia e subia… parava às vezes pra dar uma olhadinha pra cima mas era como se a árvore crescesse junto com ele… foi então que o macaquinho avistou um pássaro enorme que estava agarrado a um galho láaaaa da ponta e o observava com cara de tédio. Rapidinho o macaco arregalou os olhos cansados, juntou toda a força que ainda lhe restava e gritou: eeeeeiiiiiiiii!!!!!!! ÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔOOOOOOOO !!!!!!!!!!
VEEEEEMMMMMM CÁÁAAAAAAAAAaaaaaaaa….. ahhh… ahh… ahhh… fiiiuuuu… - ele estava exausto…, levantou os olhos e o passarão estava lá olhando-o com o mesmo olhar de tédio, sem ter movido uma única pena, veeemm cááá, murmurou… o passarão muito lentamente começou a abrir suas asas e preguiçosamente veio pousar num galho próximo ao macaco. Tá fazendo o quê aqui camarada ? perguntou o passarão – Vim ver a floresta de cima como você e as andorinhas vêem. – hummm, é muito bonito mesmo… - disse sem entusiasmo - mas pra poder ver bem mesmo tem que voar que nem a gente, e eu já vi de tudo nessa vida menos macaco voando…
- ei, eu tava te observando e… bem… você tem umas garras bem grandes e fortes né ?
- É, e daí ?
- Ué, e daí que você bem que podia me pegar pelo coro e fazer um, vamos dizer assim, vôo panorâmico! e aí? que tal? você me parece tão entediado… e… e… sei lá… ia ser divertido pra você… e…. e… além do mais você não tá fazendo nada mesmo, ahhh, vai né…
- hummm, não sei não…, o dia tá muito claro, o céu tá muito limpo, tá tudo verde demais, já tem muito pássaro voando…, ahhh… acho que não vai dar não…, além do mais eu preciso continuar o que eu tava fazendo
- Mas você não tava fazendo nada!
- Pois é… e preciso continuar
- Pôxa, mas não custa nada!
- É verdade… não custa nada, bem pensado, é por isso mesmo que não vou, porque não custa nada, ou seja não vou ganhar nada com isso… no money, no honey – já diziam os meus conterrâneos voadores…
- Mas, mas, mas, mas… mas…, então tá, faz o seguinte… me pede o que você quiser, eu faço, juro que faço, olha… por exemplo… já sei! você gosta de bananas? Eu prometo que te arranjo bananas pro resto da vida, é, todo dia você pode passar lá na minha árvore que eu te arranjo um montão de bananas todos os dias pro resto da sua vida, ou da minha … é claro... hehehe, mas me leva vai... você que tem tantas penas, tenha pena de mim e me leva...
- Huummm, huummm, tá bom vai, vou fazer esse favor pra você, mas vê se não se sacode muito heim ! não tô a fim de gastar minhas preciosas energias com um serzinho insignificante como você…. Mas, até que não é má ideia variar um pouco meu cardápio, não aguento mais comer ratos e coelhos. Bom, vamos lá então.
- AAAIII !!!! Eeeeiiii ! Dá pra não enfiar essas garras no meu corinho?
– 1ª classe é mais caro camarada, vai querer ou não ? Decida logo que tenho mais o que não fazer.
- Tá bom, tá bom, eu aguento vai, o que vou ver vai ser tão fantástico que não vou nem sentir as suas garras, vamo lá.
E foram, e foram, e foram, o passarão subiu perfurando o azul denso. O macaco olhava pra baixo entorpecido, não podia mexer-se, não porque as garras do passarão já tinham atravessado seus ombrinhos, mas pela imensidão daquela floresta, como era enorme e maravilhosamente verde a sua casa, via os pequenos pássaros voando lá embaixo, via o rio das pedras que agora mais parecia um riachinho, era tudo tão lindo…, ele tinha razão, toda a sua vida ele soube que deveria existir muitas outras árvores mais do que apenas a sua árvore e as ao redor, ele sabia… ele estava certo… o mundo era muito maior… pensava nos seus amigos que queriam vir com ele mas não tiveram coragem, no sapo que continuava lá embaixo enchendo sua pança de insetos e continuaria assim para sempre... foi então que o grande passarão já exausto pelo fardo carregado disse ao insólito passageiro:
- é o seguinte camarada, pra falar bem a verdade eu não sou chegado em banana não, acho que o nosso trato acaba aqui...
- ããã? como assim? disse o macaco - mais interessado em sua miragem
- é isso aí companheiro, fim de linha pra você, mas como sou um cara muito justo vou te dar o privilégio de ter uma vez em sua vida o prazer de voar, o dom concedido apenas aos seres superiores como eu... bom é isso aí companheiro, bon voyage e aurevoir!
- Mas, mas, eu não sei voar, espeeeeeere...
mas era tarde, o passarão já havia desencravado suas garras e voava aliviado daquela carga inconveniente.
Pela primeira vez ele ergueu os olhos e viu aquele enorme horizonte azul que cobria a “sua floresta” e viu que tudo era perfeito no mundo em que ele vivia e de repente o mundo inteiro coube no seu coração...
E é por isso que hoje a bicharada conta a história daquele macaquinho que saiu corajoso atrás de uma grande aventura e aprendendo a voar visitou outros mundos e continua voando por aí, virou herói entre a macacada e há inclusive um velho e gordo sapo que sempre conta, todo orgulhoso, histórias fantásticas das aventuras de seu “velho amigo”.