Desabrochar

Fazia algum tempo que Amarílis andava cabisbaixa e queixosa, mas suas companheiras de jardim, Orquídea, Antulho e Samambaia, não entendiam o motivo. Sempre que a abordavam para compreender essa mudança repentina de humor, tinham como resposta mais e mais lamentos, sem ao menos uma pista do que subjazia a tal acontecimento. Amarílis se mostrava furtiva e difusa em suas reclamações, dificultando o entendimento e consequente apoio.

Depois de certo tempo, Orquídea, Antulho e Samambaia repararam que o alvo constante do ressentimento de Amarílis passou a ser sua aparência, sempre enfatizando o quão reta e sem graça era, com suas folhas caídas e monocromáticas, revelando uma angústia que a abalava profundamente. Suas companheiras de jardim se entreolhavam confusas, achando exagerada tamanha lamúria, afinal nada viam em sua composição que a desabonasse; pelo contrário, havia um consenso entre elas acerca da perfeição da planta amargurada. Concluíram, então, que se tratava dum problema passageiro de autoaceitação.

No entanto, para desespero de Orquídea, Antulho e Samambaia, Amarílis foi se encurvando cada vez mais com o passar das estações, de modo que já não sabiam ao que recorrer diante do imenso e crescente desânimo que a abatia. Nenhuma palavra de consolo era capaz de tira-la desse estado, e nem mesmo as constantes borrifadas e podas do zeloso jardineiro tinham o condão de anima-la. O mundo tornara-se cinza e obscuro aos olhos de Amarílis, a qual jazia em seu próprio leito de terra, com as raízes diminutas e as folhas amarelas.

Até que, num momento de realocação das plantas no jardim, a planta deprimida foi posta bem ao lado da simpática e prolixa Begônia. Amarílis ficou sem graça diante da formosura da vizinha, enrubescendo e virando seu olhar para um lugar onde não pudesse vê-la. Condoida com a situação, que já havia se espalhado por todo o jardim, Begônia buscava puxar assunto com Amarílis de todas as formas possíveis, entoando cânticos alegres e pronunciando mensagens positivas no intento de suavizar sua tristeza. Contudo, nada funcionava, e Amarílis continuava evitando qualquer tipo de contato com a vizinha.

Persistente, Begônia não arredava o pé em suas tentativas de colocar Amarílis para cima, cantando cada vez mais alto e discursando textos cada vez mais esperançosos. O que Begônia não esperava, porém, é que sua insistência deixaria Amarílis possessa, segurando-se para não explodir diante da respectiva verborragia otimista. Um dia, todavia, a verdade veio à tona, e a planta furiosa disparou a plenos pulmões:

- É fácil dar sermões contagiantes e ter um sorriso constante quando se é bonita como você! Não consegue ver além do seu próprio caule? Privilegiada assim, qualquer uma seria feliz e irradiante.

Eis a deixa da desdita: Amarílis vinha se comparando há tempos com Begônia, a quem invejava por suas perenes e coloridas flores, bem como curvilínea e volumosa forma. A vizinha ficou estarrecida com essas palavras, pois jamais imaginara que a companheira estivesse sofrendo por sua causa, dizendo:

- Quem dera eu tivesse as estonteantes e suntuosas flores que você tem. Elas duram pouco, mas é o suficiente para atrair todos os olhares e coloca-la acima de qualquer uma de nós. Se eu não consigo ver além do meu próprio caule, você deveria observar mais o seu para compreender tudo que ele te proporciona. E, assim, agradecer pelo que tem ao invés de ficar reclamando pelo que não tem.

Com essa réplica, Amarílis se calou. Ficou um bom período fechada em seu mundo, refletindo sobre suas próprias crenças. Seu silêncio contagiou até mesmo a falante Begônia, que passou a ser mais observadora, reparando no olhar repreensivo que Orquídea, Antulho e Samambaia lhe lançavam depois da breve discussão, como se a culpassem por ter dito mais do que deveria.

Enfim, veio a primavera, e para espanto de todas, Amarílis recuperou seu vigor, esverdeando e erguendo suas folhas, ao mesmo tempo em que fortificou suas raízes. Disso, nasceram magníficas flores e Amarílis se aceitou exatamente do jeito que é, entendendo que cada ser tem o próprio e especial tempo de florescer.