UM CONTO DE FADA DA VIDA REAL

Era uma vez em um castelo de um pacato vilarejo de um reino nem tão distante da terra do Nunca. Onde Homofóbica, uma bruxa do mal, lançou uma maldição sobre a família real. maldição esta direcionado aos pequenos príncipes, Pedro e Paulo, filhos da rainha Matilde com o rei Julião.

- "Abracadabra, sim sala bim! Caxinguelê bundum, bundum! Pé de pato mangalô três vezes!... Eu ordeno que os herdeiros de Julião cresçam se odiando. Este feitiço só não triunfará se entre eles houver solidariedade e amor". Sentenciou a malvada com voz roufenha e melodiosa. Dito isto, uma nuvem negra em forma de bolha cobriu toda a extensão do castelo. De repente o dia se fez noite e a noite se fez em breu de modo imperceptível aos olhos dos simples mortais!

Aparentemente os dias seguiam seu curso normal naquele castelo. A rainha se desdobrava na criação dos pequenos príncipes com muito carinho e empenho, para alegria do monarca que não cabia em si de tanto orgulho. Aos poucos, Pedro ia se tornando um mancebo responsável e inteligente. Paulo despontava para as artes ligado à moda e às belezas da vida... modo este de ser que causava um profundo inconformismo em Pedro. Principalmente quando Paulette, nome pelo qual Paulo gostava de ser identificado, atravessava a praça no salto alto, com andar esfuziante e maquiada até os cotovelos. Ao vê-lo assim, Pedro perdia as estribeiras a ponto de agredi-lo em plena rua como se fosse aquele gladiador de espada em punho golpeando seu oponente em defesa da honra ao mesmo tempo em que entretinha a plateia! Mesmo sabendo que seu adversário se encontrasse naquele momento desarmado e que sua atitude seria comparada a de um covarde. Ainda assim, Paulo se achava no direito de mostrar aos súditos de que tal comportamento era incompatível com a postura de um príncipe.

Enquanto isso, do alto do castelo, Julião observava tudo através dos vitrais translúcidos das janelas da torre, fazendo-se de despercebido em relação ao conflito existente entre seus filhos. Diferentemente de Matilde que se prestava ao papel de fada madrinha para curar as chagas de seu tão frágil filho. Coitado! Tantas e tantas vezes espancado e humilhado em praça pública! Visto pelos seus tal qual bobo da corte, e não como um integrante daquele clã.

O tempo passou para ambos os príncipes. Pedro tornou-se um senhor feudal bem-sucedido. Desposou Angélica a mais bela dentre as belas da corte; que logo lhe deu um casal de filhos. O menino foi registrado como Julião em homenagem ao avô. A menina, como Juliana... apenas a versão feminina do nome Julião. Paulo tornou-se um discípulo aplicado nos estudos das artes. Seus dons artísticos levaram-no a conquistar a preferência de rainhas e princesas das cortes europeias. Assumiu socialmente o nome Paulette e, por conta de seu talento, ganhou o mundo e fez fortuna.

De fato o tempo passou para ambos. Mas por ironia do destino aquela maldição continuava rondando em meio à família. Em tenra idade percebia-se claramente que o pequeno Julião assumira a susceptibilidade da pequena Juliana, e Juliana assumira a virilidade do pequeno Julião. Diante das circunstâncias, agora era Pedro quem se via desarmado a sentir a lança pontiaguda do lanceiro atravessar-lhe de soslaio o peito. Devido ao inconformismo, contribuiu para o fim de seus negócios. Além de assistir Angélica partir no dorso do garanhão de um plebeu qualquer, perdera também o respeito dos filhos. Só lhe restando o aconchego indesejável da sarjeta.

Ao longe, a bruxa assistia a tudo diante da bola de cristal, gargalhando aos montes através de uma boca banguela cada vez que se deparava com as trapalhadas conflituosas entre os irmãos. Mas como tudo que é bom dura pouco, a maligna teve que reconhecer que entre os recém-chegados havia a tão sonhada solidariedade e o amor. Portanto foi obrigada a desfazer a maldição.

- "Abracadabra, sim sala bim! Caxinguelê bundum, bundum. Pé de pato mangalô três vezes..." Ao proferir as palavras, a nuvem negra se dissipou! Tão logo os dias voltaram a ser ensolarados e as noites estreladas. A convivência harmoniosa entre eles foi decisiva para o retorno da paz naquele castelo. Menos para o rei que, do alto do castelo, através dos vitrais translúcidos das janelas, já não observava mais nada. Preferiu fazer da torre sua masmorra particular. Inspirando-se, talvez, nas aventuras do Conde de Monte Cristo. A rainha, por sua vez, teve que renovar seu arsenal de carinho e amor para enfrentar a fofura de seus netos. Quase sempre nas férias escolares Ju e Juli viajavam para o velho continente com as bênçãos da vovó e sob os auspícios de Paulette; que se curvava diante da nobreza dos queridos sobrinhos. Da mesma forma que os sobrinhos também se curvavam diante da grandeza do tio amado.

Com toda certeza os dias seguiam seu curso normal. Agora em outro contexto. A união e o cuidado que os jovens príncipes demonstravam um pelo outro foi o suficiente para mandar Homofóbica para as profundezas da Floresta Negra, lugar no qual jamais deveria ter saído. E assim a família real, ou o que restou dela, finalmente poderá viver feliz para todo o sempre.